É o CPC que deve ser aplicado em casos de violência doméstica
CPC deve ser aplicado em casos de violência doméstica
Há três meses tenho defendido, inclusive publicamente, a inconstitucionalidade da lei de violência doméstica (Lei 11.340 /07). Não é surpresa para mim que a questão que suscitei (e não sou o pioneiro), qual seja, a da ausência de uma autorização específica para tratamento diferenciado entre homens e mulheres enquanto sujeitos processuais ou vítimas de crimes tendo em linha de conta exclusivamente os sexo, ainda não tenha recebido um argumento sequer contrário que demonstrasse onde está, na Constituição , esta autorização, cuja necessidade se faz presente diante da reserva constitucional legislativa exclusiva e expressa, criada pelo artigo 5º , inciso I , da CF/88 . Tal questão irei retomar mais adiante.
O tema que irei tratar como enfoque principal desta exposição está na (até agora), incorreta aplicação do CPC aos procedimentos de medidas protetivas. Tal práxis está conduzindo a uma inconstitucionalidade procedimental e tem profundas imbricações com a possibilidade de constitucionalização hermenêutica da lei, que poderá ser obtida através de uma interpretação conforme a Constituição , sem redução de texto e ampliativa, cuja operacionalização carece da correta aplicação do CPC a esta espécie de tutela.
Pretendo ao final fazer o leitor ver a necessidade de aplicação do CPC a estes procedimentos como um imperativo inarredável, o que, me parece, não está ocorrendo. Explicarei o porquê.
Luzes sobre a inconstitucionalidade
A temática já foi objeto de outro trabalho de minha autoria[1]. Será retomada aqui de forma breve. Na verdade, a celeuma criada em torno de aproximadamente três dezenas de decisões[2] de extinção de medidas protetivas que tomei no mês de julho de 2008, quando à frente da 2ª Vara Criminal de Erechim-RS, mais se devem ao desconhecimento da esmagadora maioria acerca da questão central das decisões e da atividade do juiz.
Pessoas leigas e, infelizmente, algumas outras com formação jurídica, teceram críticas ao posicionamento sem sequer conhecer o fundamento da decisão, chegando-se ao absurdo de se afirmar que a lei prescinde da atividade de interpretação do juiz para se ver aplicada. Tal assertiva é verdadeira ignomínia jurídica, uma vez que é fato notório e conhecimento basilar, aprendido já ao início da cátedra jurídica (ao menos deveria ser), que a atividade de aplicação do Direito é, antes de tudo, uma atividade de interpretação, não só do Juiz, mas de todos os operadores jurídicos. Direito é linguagem, e linguagem é interpretação, pois a linguagem freqüentemente não se apresenta com significados inequívocos ou impassíveis de cognição diferenciada conforme o sujeito. Ao contrário.
Sob o prisma hermenêutico, a clareza lapidar com que o artigo 5º , inciso I , estabelece a igualdade como regra e a necessidade de que a exceção a esta regra seja estabelecida de forma expressa pelo próprio texto constitucional , torna todos os argumentos até agora elencados pela constitucionalidade ineficazes.
É princípio comezinho de hermenêutica que estabelecida uma regra, mormente em preceptivo de tal envergadura (primeiro inciso do mais importante artigo da Constituição), tratando de direitos e garantias individuais, somente através de exceção expressa se pode criar diferenciação.
A tanto concluir bastaria só a topologia da regra. Ocorre, no entanto, que o inciso foi mais longe, estabelecendo de forma clara e expressa uma reserva legislativa constitucional exclusiva. Só as diferenças que estão estabelecidas no texto original da Constituição podem ser lícitas, pois diz ele que a igualdade será regulada nos termos desta Constituição.
Isso se explica porque a mesma topologia acima ressaltada também tem por corolário inserir o artigo 5º , inciso I , dentre as cláusulas pétreas, ex artigo 60 , parágrafo 4º , da CF/88 .
Por conseguinte, emendas constitucionais decorrentes do poder constituinte derivado não podem alterar, de forma direta ou indireta, o já estabelecido em cláusulas pétreas. Por outras palavras e simplificando, as diferenças que havia no texto constitucional originário, porque estabelecidas pelo poder constituinte originário (que é ilimitado), e porque ressalvadas no inciso I do artigo 5º da CF/88 são constitucionais.
As que decorram diretamente de emenda ou de norma que ingressa hoje em nosso ordenamento com status de norma constitucional, por força da Emenda 45 , ou seja, de forma indireta, não podem violar o conteúdo substancial do artigo 5º , da CF .
É de uma clareza palmar que qualquer norma internacional que ingresse em nosso ordenamento com status de norma constitucional por força da Emenda 45 , somente poderá criar ou ampliar direitos, jamais suprimi-los, e sempre observando o quanto já consta do artigo 5º. Pensar-se de forma diversa, implicaria chancelar uma inconstitucionalidade indireta.[3] Cai por terra um dos argumentos simplórios que tem sido invocado para asseverar autorizado o legislador a estabelecer as diferenciações criadas pela lei de violência doméstica com arrimo em tratados ou convenções internacionais. Estas normas se limitam pelas cláusulas pétreas.
Outro argumento, data venia, destituído de validade lógico-científica reside na invocação do paradigma dos idosos e crianças e adolescentes. É invalido porque tenta parificar situações absolutamente distintas. A uma porque em relação aos idosos e crianças e adolescentes, ao contrário do que ocorre em relação aos direitos de homens e mulheres, não há dispositivo constitucional estabelecendo reserva legislativa constitucional exclusiva (não há um nos termos desta Constituição). Tratamento diferenciado em relação a eles por lei infraconstitucional não estaria violando norma constitucional, ao menos não de forma direta.
Indiretamente, lei que cria tratamento diferenciado para estas categorias sociais violaria somente o artigo 5º , caput, da CF/88 , que não prevê expressamente reserva constitucional legislativa. Mas tal violação não ocorre, porque há previsão, pelo poder constituinte originário, de tratamento diferenciado (art. 226 , da CF/88), de forma específica para estas categorias, o que se constitui na segunda razão para afastar este paradigma de comparação.[4]...
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