Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
8 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Levem a sério a Lógica no estudo do Direito Penal

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Estava eu, concentrado, estudando o artigo 13, § 1º do Código Penal quando me deparei com algo curioso.

    Diz o artigo acima citado:

    Pois bem: causa relativamente independente; por si só produziu o resultado. São essas as expressões principais para resolver o problema que a seguir será colocado.

    Sigamos.

    Estudando, estive diante de um caso verídico, onde, narram os autos, Fulano, vendo sua bicicleta sendo furtada, desferiu uma cutilada de peixeira na vítima, matando-a, sendo que lhe foi imputado o crime tipificado no artigo 121,§ 2º, II do CP – homicídio qualificado por motivo fútil. Entretanto, há mais a se dizer: é que, na verdade, a morte não foi instantânea como a narrativa acima quis dar a parecer. O que houve foi uma lesão corporal ocasionada por uma facada. A facada ocorreu, mas, consta no laudo médico, a vítima, no dia da facada, deu entrada na unidade hospitalar, porém se recusou a receber os procedimentos médicos e evadiu-se do local. Meses depois retorna, desta feita, com insuficiência renal aguda, apresentado parada cardiorrespiratória e evoluindo para o óbito.

    O laudo médico é claro: a causa da morte foi septicemia, que é uma infecção grave no organismo, desenvolvida por via sanguínea a partir de uma outra infecção já existente.

    Duas coisas aqui:

    1 – houve a facada; e

    2 – a vítima morreu em razão da septicemia.

    Eis então a questão de tudo: responde o Fulano por homicídio qualificado, responde por lesão corporal de natureza grave ou responde por lesão corporal seguida de morte?

    É claro que a resposta para esta questão depende de uma outra pergunta: qual foi a intenção do autor? Sendo a intenção apenas de ferir, teríamos que excluir o homicídio da questão. Restaria então a lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte – que buscaremos tipificar corretamente.

    No caso apresentado, o magistrado não aceita a “superveniência de uma causa independente”. Segundo ele, houve desdobramento físico entre o resultado e sua respectiva causa. Isto é: só houve septicemia porque houve a facada.

    Na minha opinião, equivocada a lógica do douto magistrado. Explico.

    Não foi a facada quem deu ensejo à septicemia, mas o desleixo da vítima ao negar os cuidados médicos. A pergunta que tem que ser feita é: após a facada, se houvesse tratamento dos ferimentos, ocorreria a septicemia? A resposta é: provavelmente não. Se não é evidentemente sim, então presente a superveniência de causa relativamente independente, pois a septicemia é causa autônoma em relação à facada efetuada na vítima. A infecção em questão teria relação imediata com a facada se, a despeito dos esforços médicos e de todos os cuidados hospitalares, a dita infecção surgisse e não pudesse ser combatida. Não é o caso!

    Imaginemos um exemplo: Sicrano, com a intenção, dá um “pisão” no pé de Beltrano. Só pra machucar, “de sacanagem”. Em razão do pisão, ocorre um ferimento no pé da vítima. Esta sente ao longo dos dias o seu pé doer e vê o mesmo inchar, mas não procura um médico, não cuida dos ferimentos. Negligencia. Em razão de tudo isso, há uma infecção e Beltrano vem a falecer.

    A pergunta é: tivesse Beltrano procurado os cuidados médicos e se tratado, haveria a infecção? Se a resposta for não, não há que se falar em homicídio em razão de um pisão no pé alheio.

    A lógica deve ser seguida de acordo com o artigo 13 do Código Penal, quando se trata da relação de causalidade. A questão toda é: sem a ação ou a omissão, o resultado teria acontecido? Foi a facada quem causou a septicemia ou a negligência da vítima em não se cuidar, negando, inclusive, atendendo hospitalar?

    Pensou o magistrado: “ora, a lesão causada importou em ferimento do intestino grosso, logo a infecção pode ser vista como desdobramento físico do ato praticado, qual seja, a facada”.

    Penso eu: “ora, a lesão causada importou em ferimento do intestino grosso, mas diante da intenção do agente de apenas ferir e dada a discricionariedade da vítima optando inclusive por não atendimento hospitalar no momento, mas retornando meses depois com infecção, percebe-se que a septicemia foi resultado da negligência da vítima e não tem relação direta com a facada desferida pelo autor”.

    Havendo o autor desferido a facada, não haveria necessariamente a septicemia. Havendo a negligência da vítima, necessariamente houve a septicemia. Assim, nos termos do artigo 13, § 1º do Código Penal, responde o autor tão somente pelos fatos anteriores praticados: a lesão corporal grave.

    Isso é Lógica e a Lógica não está nos livros para enfeite. Uma pena que, em média, os cursos de direito negligenciem a Filosofia.

    Wagner Francesco é bacharel em Teologia e Direito.

    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores937
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações406
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/levem-a-serio-a-logica-no-estudo-do-direito-penal/535708748

    Informações relacionadas

    Swyanne Lima, Estudante
    Modeloshá 6 anos

    Alegações Finais por Memorias

    Thiago Marinho, Advogado
    Modeloshá 4 anos

    [Peça Modelo] Memoriais (Art. 403, §3° do CPP)

    Jeferson Freitas Luz, Advogado
    Modeloshá 3 anos

    Modelo de Alegações Finais - Memoriais.

    Notíciashá 10 anos

    Município e Socorrão I são condenados a indenizar mãe de vítima de septicemia

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)