Maioria do STF vota contra extradição de argentino acusado de crimes durante ditadura militar
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e a última a votar, surpreendeu o plenário do Supremo Tribunal Federal ao adiar, com pedido de vista, a conclusão do julgamento da extradição de Salvador Siciliano, acusado pelo governo da Argentina de “crime de lesa-humanidade” como integrante de facção responsável por assassinatos de opositores da ditadura vigente na Argentina na década de 1970.
Seis dos dez ministros presentes à sessão desta quinta-feira (20/10) já tinham formado a maioria contra a concessão do pedido, na linha da divergência aberta em voto-vista do ministro Teori Zavascki, segundo o qual embora o governo argentino defenda a tese de se tratar de crime imprescritível, por ser “contra a humanidade”, tal crime não é tipificado no direito positivo brasileiro e, se assim fosse, já estaria prescrito, pois teria sido cometido em 1974.
Acompanharam a divergência aberta por Zavascki os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
O relator do pedido de extradição, Edson Fachin, em sessão realizada no início deste mês, votara a favor do pleito da Argentina, por entender que o Estado brasileiro não podia invocar limitações do direito interno para deixar de atender a um pedido de extradição referente a “crime contra a humanidade”, de caráter imprescritível, conforme o Estatuto de Roma, de 1998, ratificado pelo Brasil em 2002.
O voto do relator Fachin foi seguido por Luís Roberto Barroso e, na sessão desta quinta-feira, pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Como o extraditando Salvador Siciliano, 75 anos, está preso há dois anos, em estado delicado de saúde – de acordo com a defesa – os ministros do STF concordaram em transformar em domiciliar a sua prisão, até a conclusão do julgamento com o voto-vista de Cármen Lúcia e, eventualmente, do ministro Celso de Mello, ausente da sessão desta quinta-feira.
Mas mesmo que Cármen Lúcia e Celso de Mello viessem a aderir à minoria, e nenhum dos ministros da maioria já formada mudasse o seu voto, a extradição do argentino não seria concedida.
OS VOTOS
Ao abrir a divergência que se tornou maioria, o ministro Teori Zavascki lembrou que a Argentina pedira a extradição, inicialmente, por delitos de associação criminosa, sequestro e homicídio qualificado ocorridos em 1974. A seu ver, a punibilidade desses crimes está extinta, em face da prescrição. Mesmo que o governo argentino defenda a tese de que se trata de crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis de acordo com o Estatuto de Roma de 1998, o Brasil só ratificou esse tratado internacional em 2002. Assim a imprescritibilidade penal pretendida “não obriga nem vincula o Brasil”.
O ministro Gilmar Mendes destacou que, no caso, teria de se levar em conta o princípio da “dupla tipicidade”, ou seja, há de se ter a tipificação do crime nos dois países. E que, além disso, a Constituição do Brasil (artigo 5º, “Dos direitos e deveres individuais” não diferencia brasileiros de estrangeiros, devendo-se respeitar as regras do devido processo legal e do princípio do nullum crimen nulla poena sine lege (não há crime sem lei anterior que o defina).
O ministro Marco Aurélio afirmou no seu voto que “não podemos ter critério de plantão, nem o que seria um verdadeiro justiciamento”. E acrescentou: “Lá, como aqui, tiveram uma lei de anistia. A Lei da Anistia vigente no Brasil seria óbice à entrega do extraditando. Mas isso não está em questão, pois o extraditando é acusado de crime contra seis vítimas, o que não seria crime contra a humanidade”.
Quase todos os ministros que votaram fizeram questão de sublinhar não estar em causa, no julgamento dessa extradição, a Lei de Anistia em vigor no Brasil desde 1979, mas sim as questões da dupla tipicidade e da prescrição em face do direito internacional.
Fonte: JOTA UOL
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.