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17 de Junho de 2024
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    Medidas de urgência para o caótico sistema prisional brasileiro

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Medidas de urgência para o caótico sistema prisional brasileiro. Disponível em http://www.lfg.com.br 03 junho. 2009.

    A situação caótica dos presídios brasileiros agrava-se a cada dia. Apesar das advertências da Comissão e da Corte Interamericanas (casos Urso Branco, Araraquara, Tatuapé etc.), nada de sério e revolucionário vem sendo feito (ou testado). Cada governo empurra o problema com a barriga. A reação de alguns setores da Magistratura brasileira vem se avolumando. É perfeitamente previsível a chegada do dia apocalíptico. Veremos uma cadeia de rebeliões, tragédias e mortes (tudo fruto de uma sincronia perfeita entre as várias organizações criminosas que se espalham pelos presídios brasileiros).

    Antes da chegada desse flagelo terrível, que vai colocar o Brasil nas manchetes de todos os jornais no mundo inteiro, muitos serão os juízes que vão chocar a opinião pública (liberando presos, interditando cadeias e penitenciárias etc.). É nessa linha que se encontra a decisão do juiz Paulo Augusto Oliveira Irion que, em razão da superlotação dos presídios gaúchos, indeferiu o pedido de decretação da prisão preventiva de integrantes de quadrilha furto de caminhão.

    Também nessa linha se acha a decisão dos Juízes da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre que (pelo mesmo motivo), por meio do Provimento 01 /09, instituíram um novo sistema de cumprimento da pena em regime semiaberto e aberto.

    A mudança está nos artigos 29 a 36 do Provimento nº 01 /2009 assinado no dia 26.05.09 pelos juízes que atuam na Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre: Adriana da Silva Ribeiro, Luciano André Losekann e Sidinei José Brzuska.

    Segundo o documento, os presos do regime semiaberto, que hoje trabalham fora da prisão e retornam para dormir, poderão ficar noite sim, noite não, no estabelecimento prisional. "Na noite em que não permanecer no estabelecimento, deverá se recolher em residência particular previamente indicada à administração."

    Aos que estão em regime semiaberto, será exigido que tenha passado um ano no serviço externo, sem qualquer falta grave ou incidente no curso da execução da pena, como atrasos, brigas, embriaguez, discussões ou novo delito, entre outras situações. O benefício será suspenso imediatamente se houver alguma falta.

    Já os que estão em regime aberto, e deveriam se recolher em casas de albergado (muitos Estados não possuem esses locais) à noite, poderão usar o benefício após cumprir seis meses ou 1/6 da pena, o que representar o menor período.

    Entre os motivos apresentados pelos juízes estão o "gravíssimo quadro de superlotação das unidades prisionais", "constantes conflitos e transtornos gerados por essa superlotação" e omissão do Estado em construir novos presídios.

    O provimento reúne em um único documento as regras para o cumprimento das penas em regime semiaberto e aberto no âmbito dos estabelecimentos penais sujeitos à jurisdição da VEC de Porto Alegre, revogando sete ordens de serviço e quatro provimentos expedidos entre 1994 e 2002.

    Os objetivos buscados (humanização da pena, respeito à dignidade etc.), com certeza, justificam os meios adotados. Mas sob o aspecto formal (legalista positivista) tais atos não são nada ortodoxos. Poder-se-ia falar em inconstitucionalidade, pois, as regras de execução penal são normas inerentes ao processo penal e, como tal, sujeitam-se à competência legislativa da União, nos termos do art. 22 da CF .

    Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre:

    I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

    Por falta de vagas no regime semiaberto, os tribunais vêm determinando que o preso passe a cumprir pena em regime aberto. Mas, o que fazer se nesse também não há condições para receber o preso? A nosso ver, a única saída seria a prisão domiciliar.

    Foi essa a postura adotada, por exemplo, pela Sexta Câmara Criminal do TJ/RS, em recente decisão proferida em abril desse ano. Nesse mesmo sentido foi o entendimento firmado pelo Ministro Felix Fischer, no HC 84.070 .

    "EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. REGIME ABERTO. RÉU MANTIDO EM SITUAÇÃO MAIS GRAVOSA. HABEAS CORPUS. PRISÃO ALBERGUE DOMICILIAR. Constitui constrangimento ilegal submeter o paciente a regime mais rigoroso do que o estabelecido na condenação. Vale dizer, é inquestionável o constrangimento ilegal se o condenado cumpre pena em condições mais rigorosas que aquelas estabelecidas na sentença. Se o caótico sistema prisional estatal não possui meios para manter o detento em estabelecimento apropriado, é de se autorizar, excepcionalmente, que a pena seja cumprida em regime mais benéfico, in casu, o domiciliar. O que é inadmissível, é impor ao paciente o cumprimento da pena em local reservado aos presos provisórios, como se estivesse em regime fechado, por falta de vagas na Casa de Albergados. (Precedentes). (HC 84.070 . Rel. Ministro Felix Fischer. DJ 01.10.2007, p. 347)" .

    A Lei de Execução Penal (Lei nº. 7.210 /84) traz, em seu art. 117 , as hipóteses (consideradas excepcionais) em que é possível o recolhimento do apenado em regime aberto na sua própria residência. Há quem defenda que se trate de rol taxativo e que tais situações não poderiam ser interpretadas de forma extensiva a outras não previstas em lei.

    No entanto, partindo dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. , III, CR/88) e da individualização da pena (art. , XLVI, CR/88), não há como reconhecer a exaustividade dessa norma. São varias as decisões que concedem a custódia domiciliar quando da inexistência de local adequado para o cumprimento da pena em regime aberto (ou semiaberto). Entende-se e é lógico que o condenado não pode permanecer sob regime mais grave, quando a lei lhe garante um regime prisional muito menos rigoroso. Há desvio na execução quando o preso não é colocado em local adequado à sentença.

    Partindo dessa premissa, é possível perceber que os juízes gaúchos poderiam, simplesmente, reconhecer o direito dos presos à prisão domiciliar. Preferiram, no entanto, outro caminho (inovando o ordenamento jurídico). Já foi o bastante para chamar a atenção da opinião pública (que é a que lê jornais, possui certo nível cultural etc.) que, em geral, pouco está se lixando com o dia do juízo final, que está se aproximando. O cataclismo terrorífico gerado pelo sistema prisional brasileiro será feroz, cruel e sanguinário. Vem vindo por aí mais mortes anunciadas!

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