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16 de Junho de 2024
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    Nada será como antes, amanhã: você está preparado para o nCPC?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Por favor, não se empolgue com o título acima. Se você começou a ler esse artículo crédulo de que defenderei ser o novo Código de Processo Civil (“nCPC”) a panaceia para o Judiciário brasileiro, você acabará se frustrando. Minha intenção aqui é apenas ser sincero contigo quando lhe peço: não acredite em tudo que você lê ou escuta. Por mais dedicada e aplicada que tenha sido sua preparação para manejar o nCPC mês que vem, o trabalho estará apenas começando. Há um longo caminho pela frente.

    Há mais de uma década Arruda Alvim já afirmava: “a elaboração legislativa, as cogitações puramente acadêmicas, os livros de doutrina, os livros de comentários de leis, o ensino da disciplina, tudo, em suma, dirige-se ao processo como meio, quem diz a última palavra sobre tudo são os tribunais” (Manual de Direito Processual Civil, v. 1: parte geral, 7.ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: RT, 2000, p. 156). A opinião conota paradoxo provindo de um dos maiores processualistas brasileiros, mas, na verdade, denota profundo pragmatismo.

    Voltando mais no tempo, encontro em Miguel Reale – autor do primeiro livro jurídico que comprei e ainda teimo em consultar –, a afirmação de que “numa compreensão concreta da experiência jurídica, como é a da teoria tridimensional do Direito, não tem sentido continuar a apresentar a Jurisprudência ou o costume como fontes acessórias ou secundárias” (Lições Preliminares de Direito, 21.ª ed., Saraiva: São Paulo, 1994 p. 169).

    Hoje, a jurisprudência é fonte primária de Direito. Já assim o era desde 2004, quando a Emenda Constitucional n.º 45 criou a súmula vinculante, porém o nCPC coloca uma pá de cal nos debates pseudocientíficos sobre o tema com o seu art. 927, segundo o qual “os juízes e os tribunais observarão: III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.

    Agora eu já posso retomar o pensamento inicial e justificar o uso da estrofe mineira: o nCPC será a interpretação que lhe for dada pela jurisprudência. Serão os Tribunais que darão a palavra final, por mais útil e importante que seja a imensa produção doutrinária publicada antes e durante a vacatio legis. Trata-se de um código pensado por advogados, comentado por uma infinidade de autores, porém sua interpretação (vinculante!) será feita apenas pelos juízes.

    Os exemplos são muitos. O nCPC pode limitar as hipóteses de Agravo de Instrumento (art. 1.015), mas se os Tribunais ampliarem o rol legalmente previsto, a restrição cairá. A doutrina quererá defender a penhora imediata dos bens dos sócios cautelarmente, antes do incidente de desconsideração (arts. 133 a 137), porém se as Cortes entenderem que a constrição só deve ocorrer após o julgamento do incidente, será o que prevalecerá. Igualmente, se a magistratura quiser, imporá o ônus menos dinâmico através da literalidade restritiva de algumas palavras do § 1.º do art. 373 do nCPC, por mais que uma exegese sistemática e teleológica leve à conclusão diversa.

    De tal sorte que o momento de estudo atento e criterioso do processualista brasileiro repousa nos precedentes que começarem a ser publicados sobre o nCPC e, em especial, os primeiros julgamentos de resolução de demandas repetitivas e recursos repetitivos.

    Vou além. É importantíssimo monitorar o processamento e participar ativamente dos julgamentos que tenham o condão de vincular a atividade dos operadores do Direito. Imagine, por exemplo, se alguns Tribunais locais começarem a mitigar o extenso rol de garantias à decisão fundamentada (art. 489, § 1.º, nCPC). Pouco importará que essa palavra (fundamentada) apareça 18 vezes no nCPC, se a jurisprudência continuar usando a vetusta máxima de que “o judiciário não é órgão de consulta” e que, portanto, “não está obrigado a responder a todas as questões formuladas pelas partes”, nada mudará.

    Também será essencial monitorar a posição dos Tribunais sobre a aplicação no tempo dos incisos III, IV e V do art. 927 do CPC. Aí descobriremos se as súmulas do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça tornar-se-ão vinculantes na vigência do nCPC. Da mesma forma, com relação à orientação dos plenários e órgãos especiais das Cortes estaduais, territoriais ou de superposição. Atenção, caríssimo leitor que me aturou até aqui. Essas súmulas tratam de muito mais que o nosso amado, mas apenas instrumental, processo civil. Várias delas, sua maioria, versam sobre direito material. Será o juiz de primeiro grau obrigado a julgar conforme súmula não vinculante desde o primeiro dia de vigência do nCPC? Se sim, há retroatividade da lei material ou apenas eficácia imediata da lei processual? Reflita.

    Seja qual for a resposta que a jurisprudência formule para essas perguntas, ocorrerá uma revolução na forma pela qual estudamos Direito, emitimos opiniões legais ou mesmo fundamentamos petições ou motivamos decisões. O precedente precisará ser, sempre, pesquisado e, os vinculantes, respeitados. Nas mesas de negociação alguém argumentará com uma lei e será contraposto com a jurisprudência dominante que interpreta essa lei. Em audiências, os litigantes reclamarão se o magistrado ignorar uma decisão repetitiva. Um precedente terá um efeito de convencimento infinitamente maior do que hoje.

    O jurista brasileiro olhará para si e em breve dirá: só sei que nada sei. Nada... Será como antes, amanhã.

    André Gustavo Salvador Kauffman é Advogado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Professor e autor de artigos jurídicos. Membro efetivo do IBDP. Sócio do K.A Advogados (www.kaadvogados.com.br).
    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/nada-sera-como-antes-amanha-voce-esta-preparado-para-o-ncpc/307966348

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