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6 de Maio de 2024

Novo CPC e decisão por equidade: a canabalização do direito

Publicado por Consultor Jurídico
há 8 anos

Equidade é expressão amorfa, com significância multifacetada, o que é verificável pelas divergências que a envolvem em sede doutrinária e jurisprudencial. Antes de qualquer coisa, é necessário dizer e lembrar que equidade (equity) vem da Inglaterra, quando o Lord Chancellor dava equitable remedies ad misericordium (ou non misericordiam). O Lord Chancellor era a instância última, “resolvendo” as pendengas a partir da equity... Mas isso não mais existe por lá. Só que aqui, o Código de Processo Civil insiste em manter essa coisa serôdia. Os ingleses evoluíram! E nós, não.

A doutrina tem dito que equidade pode menosprezar o direito positivo, sendo possível decidir contra legem.[1] Parte da doutrina remete o conceito a Recaséns Siches: a equidade seria superior ao justo legal porque expressão do justo natural, ou seja, seria o justo, mas não o justo legal tal e como se desprenderia das palavras da lei, senão o autenticamente justo em relação ao caso concreto.[2] O juiz então poderia decidir segundo seu prudente arbítrio quando ele próprio entendesse inaceitável a aplicação do texto legal, isto é, quando considerar que o resultado daí advindo seja disparatado. Haja paciência para esses conceitos em pleno Estado Democrático de Direito.

Existem outras posições “mais avançadas”, que dizem que a equidade seria um recurso às insuficiências da legislação, utilizável no suprimento de lacunas normativas, ou mesmo para aclarar enunciados abertos. Outras posições dizem respeito à equidade como a propriedade dos enunciados legais abstratos de se adaptarem, segundo certos critérios, às circunstâncias ou exigências fáticas do caso concreto. Algo inerente ao mecanismo de interpretação jurídica, que sempre impeliria o intérprete a adotar exegeses razoáveis, afinadas com o bom senso e toleradas, sem repugnância, pela razão humana. Nessa ótica, não se tem propriamente decisão por equidade e sim decisão proferida segundo a equidade. O julgador estaria obstado de arredar-se do direito positivo, tampouco poderia corrigir ou retificar a lei, pois seus propósitos, ainda que nobres, não seriam suficientes para autorizá-lo, a partir de seu próprio voluntarismo, a amoldar o resultado de suas decisões a sua própria ideia de justiça. Esta última posição parece um pouco melhor, embora não se saiba o que seriam as tais exegeses razoáveis.

As legislações brasileiras em algum momento já albergaram (e algumas ainda albergam) exemplos de todos esses significados, fazendo a equidade variar de sentido a depender do contexto em que está inserida. Alguns exemplos: i) tanto o CPC-1973 (artigos 127 e 1.109), como a Lei de Arbitragem (artigo 2º), são legislações que autorizam decisões proferidas contra legem; ii) o uso do equitativo como forma de clarificar enunciados legais elásticos está bem representado pelo artigo 1.694, § 1º, do Código Civil; iii) o artigo 113, inciso 37, da Constituição de 1934 foi um permissivo legal elaborado para a superação de lacunas legislativas via equidade; e iv) elucida a equidade, como mecanismo de interpretação jurídica, aquilo que preceitua o Decreto Federal 24.150/1934 (Lei de Luvas), em seu artigo 73.

O novo CPC não foge à tradição e estabelece que “[o] juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico” e “só decidirá por equidade nos casos previstos em lei” (art. 140, parágrafo único). Ao tratar dos procedimentos de jurisdição voluntária, reza que o “juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (artigo 723, parágrafo único).[3] Ora, é manifesta a abertura decisionista oriunda dos referidos dispositivos, cujo contrassenso fere significativamente as bases do Estado Democrático de Direito. É bem verdade que a doutrina até se esforça, às vezes mediante malabarismos hermenêuticos, em sugerir interpretações menos traumáticas e aceitáveis, mas ao fazê-lo abandona por completo o próprio texto positivado que, infelizmente, não tolera percepção mais branda. Se é verdade que o texto legal traz limites semânticos cujo respeito se impõe a qualquer intérprete, parece certo afirmar que a equidade, nos moldes especificados pelo CPC-2015, foi me...

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