O STF decide que a revogação do crime definidos como culposo pela nova lei de improbidade deve alcançar apenas casos em andamento.
O STF decide que a revogação do crime definidos como culposo pela nova lei de improbidade deve alcançar apenas casos em andamento.
A imprensa notícia que o STF (Supremo Tribunal Federal) “decidiu que a nova lei de improbidade administrativa só deve valer para casos em andamento, impedindo a revisão em processos que já transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso). O entendimento abre brecha para beneficiar políticos envolvidos em ações contra a administração pública que ainda não foram concluídas”.
Como mostrou o UOL, “prevaleceu o voto de Alexandre de Moraes, que permite que a nova lei alcance casos de improbidade em andamento que envolvam atos culposos (sem intenção). A nova lei excluiu essa modalidade, estabelecendo que agora somente atos dolosos (com intenção) podem ser punidos.”
Pois bem, diz a Constituição Federal “Art. 5º XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”.
Em 1969 se aprovou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor em 1978 e que foi ratificada em setembro de 1997 por 25 países, incluindo o Brasil. A Convenção, que ganha força de emenda à constituição federal, define quais os direitos humanos que os Estados ratificantes se comprometem internacionalmente a respeitar e a dar garantias de cumprimento. Diz o artigo 9º do CADH:
“CADH, art. 9º. Princípio da legalidade e da retroatividade. Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.”
De acordo com o “caput” e parágrafo único do artigo 2º do Código Penal:
“CP, art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”
Em regra, aplica-se a lei penal vigente ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio do tempus regit actum. Quer-se dizer que a lei penal produzirá efeitos, em regra, no período da sua vigência, de acordo com a lei vigente na época do fato. Exceção à regra supracitada ocorre nos casos de extra-atividade da lei penal, em que abrange a retroatividade da lei mais benéfica e sua ultra-atividade.
Segundo princípio constitucional (irretroatividade), descrito no art. 5º, XL da CF, dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, impondo-se, assim, a irretroatividade da lei penal, salvo quando a lei nova seja benéfica ao acusado.
Quanto à retroatividade da lei mais benigna, “é indispensável investigar qual a que se apresenta mais favorável ao indivíduo tido como infrator. A lei anterior, quando for mais favorável, terá ultratividade e prevalecerá mesmo ao tempo de vigência da lei nova, apesar de já estar revogada. O inverso também é verdadeiro, isto é, quando a lei posterior foi mais benéfica, retroagirá para alcançar fatos cometidos antes de sua vigência” (BITENCOURT, 2007. P. 162).
O Supremo Tribunal Federal vinha adotando entendimento literal do princípio: “A lei nova é lex in melius e por isso deve retroagir, por força do disposto no art. 5º, inc. XL, da Constituição: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar.” Precedentes: HHCC 110.040, Rel. Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, DJ e de 29/11/11; 110.317, Rel. Min. Carlos Britto, (liminar), DJe de 26/09/11, e 111.143, Rel. Min. DIAS TÓFFOLI (liminar), DJe de 22/11/11”. (STF. HC 113717 / SP. Rel. Luiz Fux. 1ª T. Julg. 26/02/2013).
Todavia, hoje, dia 18 de agosto de 2022, em aparente mudança de entendimento o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a retroatividade da nova lei de improbidade administrativa só deve valer para casos em andamento, impedindo a revisão em processos que já transitaram em julgado (sem possibilidade de recurso).
Disse a imprensa que “esse entendimento abre brecha para beneficiar políticos envolvidos em ações contra a administração pública que ainda não foram concluídas”.
(UOL NOTÍCIAS - https://noticias.uol.com.br/política/ultimas-noticias/2022/08/18/maioria-do-stf-vota-para-que-nova-l...)
Para chegar a esse resultado majoritário foi argumentado pelo ministro que abriu a divergência, que ele é “contra esse tipo de anistia aos atos de improbidade". Outro ministro que o acompanhou disse que as regras sobre retroatividade que beneficiem o réu são definidas para ações penais, enquanto processos de improbidade são de natureza cível. Para o ministro, como não há mandamento constitucional sobre o tema, a retroatividade não deveria ocorrer.
Não parece se tratar de norma civil. Parece ter características de norma penal. É outra discussão.
O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição. O caput do artigo 102 prevê que compete ao STF a função precípua de guarda da Constituição.
Ocorre que nesse julgamento, esse entendimento, em tese, viola a Constituição Federal, e vai além ferindo a CADH e o Código Penal, defenestrando uma das garantias históricas aos direitos humanos individuais, anteriores até a nossa carta constitucional.
Acredito na Justiça, respeito profundamente a Suprema Corte e a força cogente de seus julgamentos e reconheço que sempre andou muito bem. Mas, no caso em apreço é preciso maiores reflexões.
O mais grave é que o Brasil tem sido questionado nos organismos internacionais por possíveis violações de direitos humanos. E, pelo visto, não há sinais de melhoras no horizonte .
Portanto, não comemorem, é um retrocesso, que implica perda de direito individual conquistado através de árduas lutas pela humanidade, por povos civilizados e países republicanos e democráticos através de revoluções e do processo legislativo e civilizatório. Não comemorem pois todos perderam.
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