O STJ pode decidir se tabela Price implica capitalização de juros?
O recurso especial repetitivo n. 951.894/DF foi recentemente incluído em pauta para julgamento pela Corte Especial do STJ, inicialmente previsto para o dia 20 de setembro de 2017. A despeito do julgamento ter sido adiado, a iminência de que o STJ prossiga na análise e julgamento do recurso instiga a compreensão sobre a questão sub judice. Referido recurso foi afetado no ano 2015, para tramitar pelo rito dos artigos 1.036 e seguintes do CPC/2015, com o objetivo de analisar a legalidade, em abstrato, do emprego da tabela Price, em face da proibição de capitalização de juros em intervalo inferior ao anual expressa no artigo 4º do Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura).
O REsp. 951.894/DF trata-se do quinto recurso especial repetitivo a ser julgado pelo STJ, sobre a temática da capitalização de juros em contratos bancários. Por tal motivo, para se compreender a adequação ou não da pretensão de análise da questão jurídica afetada, é necessário tecer um breve retrospecto sobre as decisões anteriores, proferidas pelo STJ.
A temática da proibição da capitalização de juros, em contratos bancários, não é recente. Os primeiros julgados sobre a matéria remontam à década de 50, período em que ainda não existiam as proteções contratuais firmadas pelo Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor (CDC). Mesmo no período da teoria clássica dos contratos, adotada no Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que era vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada, tal como enunciado pela Súmula 121/STF. Para vedar a capitalização de juros mesmo quando contratada, num período em que vigoravam de forma plena os princípios da liberdade contratual e da pacta sunt servanda, o STF reconheceu que a vedação da capitalização de juros, pelo artigo 4º da Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/33), era matéria de ordem pública e natureza cogente, que não poderia ser derrogada pelas cláusulas contratuais.
Com o surgimento do CDC, a questão da proibição da capitalização de juros, em contratos bancários, passou a ser reiteradamente invocada nas demandas judiciais, especialmente ante os novos direitos assegurados aos consumidores. A proteção do equilíbrio contratual (artigo 4º, III, artigo 51, IV e par.1º), a clareza na informação sobre os custos e riscos dos contratos (artigo 6º, III e 52) e a vedação da onerosidade excessiva (artigo 51, par.1º, III) passaram a ser invocadas como fundamentos, para o exercício do direito básico do consumidor à modificação das cláusulas contratuais (artigo 6º, V).
Não tardou para que a matéria chegasse ao STJ. Os julgados do Superior Tribunal de Justiça, da década de 1990 e início dos anos 2000, determinavam o expurgo da capitalização de juros, mesmo quando expressamente pactuada, reconhecendo-se a ilicitude do anatocismo ante as vedações do artigo 4º da Lei de Usura e da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.[1] Entretanto, com o surgimento de novas normas, que vieram a autorizar a capitalização de juros em contratos bancários, em periodicidade inferior à anual,[2] as decisões do STJ adquiriram novos contornos.
No ano de 2004, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça alterou seu entendimento, passando a admitir a capitalização de juros nos contratos bancários, em periodicidade inferior à anual, desde que firmados na vigência do artigo 5º da MP 2.170-36/2001 e expressamente pactuada.[3] As vedações da Lei de Usura e da Súmula 121/STF deixaram de fundamentar as decisões do STJ, que, em 2008, afirmou também que a regra do artigo 5º, da MP 2170-36/2001, prevalece sobre o dispositivo do artigo 591, do Código Civil de 2002, que admite apenas a capitalização anual.[4]
Se, de um lado, o STJ reconheceu que nos contratos firmados a partir da MP 2170-36/2001 admite-se a capitalização de juros, em periodicidade inferior à anual, de outro reiteradamente determinou que a contratação clara e expressa da capitalização de juros é condição indispensável para sua aplicação,[5] mesmo que na periodicidade anual, que não fora vedada nem pela Lei de Usura e nem pelo CC/02.[6] Portanto, duas orientações já se podiam extrair da jurisprudência do STJ, sobre a capitalização de juros em contratos bancários: (i) a capitalização de juros é permitida, nos contratos firmados a partir da vigência da MP 2170-36/2001; (ii) a validade da capitalização depende de contratação expressa, informando-se a periodicidade de sua incidência.
As discussões se seguiram então sobre duas outras questões, tratadas de forma divergente pelas instâncias ordinárias, a saber: (i) em que hipóteses se poderia identificar se o contrato foi ou não afetado pela cobrança de juros capitalizados; e (ii) qual a clareza necessária nas cláusulas contratuais para se validar a pactuação da capitalização de juros nos contratos bancários.
Sobre a identificação da aplicação de juros capitalizados nos contratos, nota-se que, com a facilitação do acesso ao crédito a partir do final dos anos 90, surgiram inúmeras modalidades contratuais, tais como financiamentos de veículos, financiamentos de imóveis, crediários, empréstimos fixos, empréstimos consignados e renegociações de dívidas. A despeito das diferentes finalidades de tais contratos, muitos tem em comum a circunstância de que os financiam...
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