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23 de Maio de 2024

Pandemia do coronavírus: guarda compartilhada está entre desafios enfrentados no Direito das Famílias

há 4 anos

A pandemia do coronavírus tem repercutido em várias frentes do Direito das Famílias. As precauções para frear a disseminação da doença levam a implicações, por exemplo, no convívio entre filhos e pais com guarda compartilhada durante estes dias em que a recomendação é de isolamento social. Além disso, devedores de alimentos e mulheres presas que têm filhos pequenos estão conseguindo habeas corpus para cumprir prisão domiciliar.

Na última segunda-feira (23), o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça - STJ, concedeu habeas corpus a devedores de alimentos no Ceará, que deverão cumprir pena em regime domiciliar. Impetrada pela Defensoria Pública do Ceará, a medida considerou o crescimento exponencial da pandemia e seguiu as recomendações do Conselho Nacional de Justiça - CNJ para evitar a propagação.

As condições de cumprimento da prisão domiciliar deverão ser estipuladas pelos juízos de execução da prisão civil, atentos às medidas adotadas no atual contexto pelo Governo Federal e pelo próprio Estado do Ceará. Antes de chegar ao STJ, a Defensoria teve negada a urgência no plantão judicial do Tribunal de Justiça do Ceará - TJCE e, depois, também foi negado o agravo.

Princípios fundantes da República

Presidente da Comissão de Defensores Públicos da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Roberta Quaranta elogia a decisão. “A regra constitucional que permite a prisão civil do devedor de alimentos deve ser interpretada em face dos princípios fundantes da República, que reduzem a abrangência da prisão civil por dívida e enaltecem a dignidade da pessoa”, afirma.

A defensora pública no Estado do Ceará lembra que, apesar de o Código de Processo Civil ter estabelecido que a prisão do devedor de alimentos deve ser cumprida em regime fechado, separado dos presos comuns (art. 528, § 4, CPC), já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal - STF a série de inconstitucionalidades que acomete o sistema carcerário brasileiro.

“É impossível se pensar em medidas de contenção dessa pandemia dentro dos estabelecimentos penais. Não há alas ou isolamentos capazes de frear a contaminação em massa que certamente atingirá todo o sistema nos próximos dias, haja vista a conhecida superlotação carcerária”, observa Roberta. “Em relação aos presos de alimentos, a situação é ainda pior, haja vista que, por ter curta duração, o encarceramento servirá apenas para que os devedores de alimentos contraiam o Covid-19 e repassem para o núcleo familiar.”

Ela acredita que a decisão também considera os interesses do filho a que a pensão alimentícia é destinada. “O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está resguardado à medida que, para o credor da dívida alimentar, caso esse ainda não tenha atingido a maioridade civil, importa muito mais ter o genitor devedor vivo do que encarcerado e sujeito a contrair essa doença que, embora com baixos índices de letalidade, está causando muitas mortes e comoção em nível mundial.”

Prisão domiciliar não abranda coação

No domingo (22), o desembargador Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto, do Tribunal de Justiça da Bahia - TJBA, também havia autorizado a liberação dos presos por débito alimentar no Estado. A partir da decisão, os devedores deverão ser colocados em prisão domiciliar até 30 de abril.

“Sabemos que, em razão de seu caráter essencialmente coativo, a prisão civil do devedor de alimentos é, em regra, insuscetível de suspensão ou de substituição por prisão domiciliar, exceto em situações excepcionalíssimas, como é a que ora todos nós vivenciamos. Em situações dessa natureza, deve-se, sopesando-se os interesses envolvidos, prestigiar-se a dignidade da pessoa humana, evitando-se que a sanção máxima cível se transforme em uma pena de caráter cruel e, até mesmo, desumana”, defende Roberta.

Ela rebate as críticas às ordens de prisão domiciliar e nega que tais medidas abrandem a coação dos devedores. “Passada a fase de controle da pandemia, as prisões voltarão a ser cumpridas integralmente no regime ordinário, consoante estabelecido no CPC”, diz.

“Manter os devedores de alimentos presos em regime fechado agravará os índices de superlotação carcerária e gerará, sem dúvida, aumento na velocidade de disseminação da doença e risco de agravamento do quadro de pandemia, com risco ainda maior para toda a sociedade”, justifica Roberta.

Na quinta-feira (26), a pedido da Defensoria Pública da União, Sanseverino estendeu o regime domiciliar a todos os presos por dívidas alimentícias no País. O pleito atentou à necessidade de uniformização de tratamento a presos pelo mesmo motivo, já que nem todos os judiciários das unidades da federação reconheceram ou julgaram a questão da mesma forma - caso de Goiás e São Paulo.

Com a medida, o STJ determinou que as condições de cumprimento da prisão domiciliar sejam estipuladas pelos juízes estaduais, inclusive quanto à duração, levando em conta as recomendações para evitar a propagação da Covid-19. Medidas mais benéficas já determinadas por juízos locais não serão revogadas.

Impactos na economia devem influenciar dívidas alimentares

O advogado Conrado Paulino da Rosa, primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, acredita que a circulação atípica da economia trará consequências no pagamento de pensões alimentícias, impactando a realidade das famílias com o agravamento das dívidas.

“Aos alimentantes que pagam sob um percentual de seus rendimentos líquidos, embora possa existir uma redução nos recebíveis, a questão estará bem resolvida. Agora, em relação aos autônomos ou empresários que estarão afetados com a queda ou interrupção de seu trabalho, vamos verificar um aumento significativo de ações revisionais para a diminuição do valor”, prevê Conrado.

“Relevante destacarmos que, sem decisão judicial, não pode o alimentante alterar o valor pago e, também, o pagamento em valor menor do que o fixado pode ser objeto de cobrança, inclusive, sob pena de prisão”, acrescenta.

Desta forma, ele se diz contra o cumprimento de pena em regime domiciliar. “Penso que o inadimplemento da pensão coloca em risco os direitos fundamentais daquele que faz jus à pensão alimentícia. O credor dos alimentos correrá o risco de não receber as parcelas em atraso, nem mesmo as parcelas futuras com a situação.”

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal - STF, também concedeu prisão domiciliar a uma mãe de crianças com 3 e 6 anos de idade. Ao considerar a recomendação do CNJ para conter a propagação do coronavírus, a decisão visou a proteção à maternidade e à infância, bem como pela dignidade da pessoa humana.

Guarda compartilhada: quarentena se assemelha ao período de férias

Atritos entre pais que têm guarda compartilhada dos filhos também se acirraram nos últimos dias. A juíza Fernanda Maria Zerbeto Assis Monteiro, da 3ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba, deferiu o pedido de uma mãe para suspensão temporária do convívio presencial da filha com o pai, já limitado aos finais de semana.

Visando evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, a magistrada julgou adequado que o contato se mantenha por chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes. Os encontros presenciais estão suspensos até que perdurem as restrições do poder público com o objetivo de amenizar a disseminação da Covid-19.

“Estamos em período de suspensão das atividades escolares, tal qual ocorre quando das férias acadêmicas, ainda que de forma forçada e sem tempo determinado. Dessa forma, a melhor interpretação a ser realizada a qualquer sentença ou acordo firmado, enquanto perdurar essa situação, é seguir a estipulação já existente quanto às férias, em especial, ao período de verão, que é o maior tempo sem aulas que os filhos desfrutam”, defende Conrado.

“Àqueles que, por ventura, não tenham a estipulação sugere-se que construam, em comum acordo, uma divisão de tempo igualitária como, por exemplo, o filho passar cinco dias com cada um dos genitores. Claro que isso dependerá, entre outros fatores, que os genitores residam na mesma cidade ou que, no mínimo, a alternância entre os lares não importe na necessidade do filho tomar qualquer transporte, seja terrestre ou aéreo, de caráter coletivo”, acrescenta o advogado.

Melhor interesse da criança

Conrado observa que, conforme atentaram as recentes decisões, deve ser resguardada a proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente. “Assim, caso um dos genitores trabalhe na área da saúde ou de carreiras essenciais como, por exemplo, da segurança pública, a manutenção do convívio poderá representar em fator de contaminação e, dessa forma, o contato presencial com o filho não é recomendado.”

Ele atenta que os aparatos digitais, como determinou a juíza de Curitiba, podem ser o caminho para remediar os impasses. “Na impossibilidade de realização presencial, a convivência virtual por meio das tecnologias disponíveis, em caráter regular, pode auxiliar a manter aquilo que a Constituição Federal garante a toda criança e adolescente: o direito de se desenvolver em contato com ambos os núcleos familiares.”

“Distância física não representa em distanciamento afetivo. Assim, os meios virtuais podem ser instrumento para que, o momentâneo confinamento, sirva como marca de um registro de uma época, apesar de preocupante e nos represente um nó na garganta, seja espaço de verdadeiro laço afetivo entre pais e filhos”, ressalta Conrado.

Casamento virtual

O meio virtual também foi a saída encontrada pelo juiz Clicério Bezerra, da 1ª Vara de Família e Registro Civil do Recife, para a realização de um casamento, na semana passada. Uma chamada de vídeo permitiu o contato entre o juiz, no fórum, e o casal, no cartório junto a um oficial de registro civil. A medida impediu aglomeração de convidados.

“Todos os serviços prestados pelo Judiciário, em razão de sua função essencial à coletividade, estão em fase de adaptação com a nova realidade vivenciada nos últimos dias”, observa Conrado. “A saída encontrada em Pernambuco é boa, mas, certamente, as Corregedorias dos Tribunais necessitarão regulamentar os atos das serventias extrajudiciais durante o tempo de confinamento”, pondera.

“Uma alternativa a ser pensada a quem deseja regulamentar suas relações afetivas seja a utilização de contratos particulares de união estável, permitidos pelo artigo 1.725 de nossa codificação civil. Outra opção seria a realização de escritura pública de união estável por meio de assinatura digital”, propõe o advogado.

http://www.ibdfam.org.br/noticias/7189/+Pandemia+do+coronav%C3%ADrus%3A+guarda+compartilhada+est%C3%A1+entre+desafios+enfrentados+no+Direito+das+Fam%C3%ADlias

  • Sobre o autorEspecialista em Direito de Família, Previdenciário e Mediação e Conciliação.
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