Periculosidade também importa em crime de perigo abstrato
O crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal, tem provocado polêmica intensa quanto à vulnerabilidade das vítimas abarcadas pelo dispositivo, principalmente no que concerne ao critério etário, previsto no caput, que proibiu a prática de qualquer ato libidinoso com pessoas menores de 14 anos.
Anteriormente à entrada em vigor da Lei 12.015/2009, que conferiu a redação ao citado artigo, muito se discutia a respeito da natureza da presunção de violência que constava do artigo 224 do CP, se absoluta ou relativa, isto é, se haveria margem legal para se produzir prova de que, consoante as circunstâncias do caso, a vítima não poderia ser considerada incapaz de dar o seu consentimento.
Intencionalmente, a alteração legislativa deixou de fazer qualquer alusão a presunções e, em termos mais taxativos, proscreveu a prática de atos sexuais com vulneráveis, assim entendidos os menores de 14 anos; aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenham o necessário discernimento para a prática desse ato; e aqueles que, por qualquer causa, não possam oferecer resistência.
A celeuma fica mais por conta do critério etário, conforme dissemos, porque os demais, por remeterem a elementos normativos ("deficiência mental", "necessário discernimento", "qualquer causa", "resistência") dão margem para a produção de provas, demandando juízo de valor. Entretanto, a idade é critério bem objetivo, preenchido com a simples juntada da certidão de nascimento da vítima, restringindo-se as possibilidades de defesa do acusado, já que, ao menos pela letra da lei, não poderá demonstrar qualquer ausência de vulnerabilidade da vítima menor de 14 anos.
Ponderamos, no entanto, que como ocorre para todos os casos, sempre poderá haver a exclusão do dolo ou da culpabilidade, respectivamente, se o acusado demonstrar que agiu sob o erro de tipo invencível ou erro de proibição inevitável, desde que demonstrados os requisitos legais (arts. 20 e 21 do CP). Ilustrativamente, nos Estados Unidos, os crimes de estupro de vulnerável ("statutory rape") normalmente não admitem prova de que o sujeito de fato desconhecia, ou não tinha razões para conhecer, a idade da vítima, já que eles são entendidos como crimes de estrita responsabilidade ("strict liability crimes"), dispensando-se a demonstração da vontade de cometer o crime (mens rea ou guilty mind), já que, para eles, o dolo envolve a consciência da ilicitude.[1]
Pois bem. Sob outro prisma, sob a égide da lei em vigor, passou a haver decisões que deixaram de punir pessoas que mantiveram relações sexuais com menores de 14 anos, diante das peculiaridades de cada caso.[2] Aparentemente, todavia, o Superior Tribunal de Justiça colocou uma pá de cal sobre a questão, no julgamento do REsp. 1.480.881-PI, rel. Min. SCHIETTI CRUZ, decidido sob o rito de recursos repetitivos (art. 543-C, CPC), ao fixar a seguinte tese representativa da controvérsia: "Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pra...
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