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16 de Junho de 2024
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    Prefeito ordenador de despesa: confira entrevista com assessor jurídico sobre a competência dos TCs

    O Portal Nacional dos Tribunais de Contas conversou com o assessor jurídico do TCM/CE, Márcio Bessa*, sobre o assunto. A Corte de Contas Cearense é amicus curiae (expressão de origem latina que quer dizer “amigo da corte”) do Recurso Extraordinário n.º 597.362 que está com repercussão geral no STF, para decidir sobre a competência exclusiva das câmaras municipais para julgar os prefeitos como ordenadores. O instrumento amicus curiae permite que outra pessoa ou órgão participe de um processo, mesmo não sendo parte dele.

    Veja a entrevista: CP: A que fato o Senhor atribui a interpretação que vem sendo dada pelo TSE de que os Tribunais de Contas não têm competência para julgar os prefeitos quando estes agem na condição de ordenadores de despesas?

    MB: Acredito sinceramente que, pelos prazos exíguos que tem a Justiça Eleitoral para julgar as impugnações aos registros de candidaturas, o assunto não tem merecido o necessário aprofundamento teórico. Parece-me bem claro que a própria Constituição traz um tratamento diferente no que concerne às contas do Presidente da República e Governadores, de um lado, e os Prefeitos, de outro. De fato, para a aprovação ou desaprovação das contas de governo do Executivo Federal e dos Executivos Estaduais, a partir do parecer prévio do TCU ou do respectivo TCE, exige-se um quórum de maioria simples (Arts. 47 e 49, IX) e, para os Executivos Municipais, o quórum é de 2/3 (Art. 31, § 2º.). E isso é plenamente justificável: os municípios não compõem a Federação, não têm Poder Judiciário, não têm Constituição (têm apenas lei orgânica) e sequer podem criar seus próprios tribunais de contas (Art. 31, § 4º., com exceção dos TCMs de SP e RJ, que já existiam quando da promulgação da CF/88). E, mais importante: é inimaginável que o Presidente ou um Governador pratique atos de gestão - justamente o contrário dos Prefeitos, posto que, como a maior parte dos municípios brasileiros é de pequeno porte, é muito comum que ele, o prefeito, pratique atos de gestão. Por todos esses motivos é que não se pode, com base no Texto Constitucional, aplicar o mesmo regime para contas de prefeitos e para as contas do Presidente e Governadores. CP: A Lei da Ficha Limpa, na redação da alínea ‘g’ do artigo , quando diz: “aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”, não pretendeu alcançar o chefe do Poder Executivo Municipal?

    MB: Sim, com certeza. A Lei da Ficha Limpa nasceu da observação e indignação da sociedade civil para o que, de fato, ocorre no dia a dia do país, e não o que está eventualmente escrito na "letra fria" das leis e da Constituição. E sabe-se que, no cotidiano, os prefeitos costumam praticar atos irregulares de gestão e muitas vezes ficam impunes, pois, na prática, não se tem mostrado difícil obter maioria nas câmaras municipais, infelizmente. A Lei da Ficha Limpa ainda tem o mérito, nesse aspecto, de cobrar dos juristas, especialmente do Poder Judiciário, ao qual cabe a última palavra, uma interpretação mais construtiva do Texto Constitucional, deixando de lado a referida "frieza", no sentido de homenagear o controle social e o efetivo e amplo controle pelas instituições já existentes - nesse contexto os Tribunais de Contas. CP: Recentemente dois Ministros do STF decidiram monocraticamente sobre a matéria, acompanhando o entendimento do TSE. O Senhor acredita que aquele Tribunal possa manter essa interpretação?

    MB: Acredito que, quando o assunto for colocado à apreciação de toda a Corte Suprema (Pleno), a maioria prestigiará o controle das contas públicas, obtendo da Constituição Federal uma interpretação mais condizente aos tempos atuais de transparência. Não se pode mais olhar o país com os olhos das décadas de 1980 ou 1990. O país mudou, cresceu e amadureceu muito politicamente, e suas instituições têm acompanhado esse amadurecimento democrático. A visão antiga, que concentra o poder de controle nas mãos do Poder Judiciário (uma versão obtusa do princípio da inafastabilidade), não pode mais prevalecer, pois estamos no tempo do plularismo democrático. A criação das agências reguladoras, o fortalecimento do Ministério Público e da Defensoria Pública, a criação da Controladoria da União e dos Conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público são exemplos que temos da nova realidade, em que o poder fica mais dividido e, por isso mesmo, mais bem controlado. É exatamente nesse contexto que se deve prestigiar os Tribunais de Contas, que representam um papel importantíssimo no controle das contas públicas, até mesmo por sua única e espetacular formação plural (administradores, economistas, contabilistas, atuários, advogados, entre outras formações acadêmicas). CP: Como os Tribunais de Contas devem se posicionar diante do entendimento do TSE?

    MB: Inicialmente com cautela, tendo em vista que o assunto será, em breve, submetido ao Pleno do STF, com grandes chances de ser revertido. Posteriormente, entendo que é muito importante a criação, o quanto antes, do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (cuja PEC já se encontra em fase final de discussão no Congresso Nacional), o que vai conferir um necessário caráter nacional aos TCs, fortalecendo sua atuação através da criação de um sistema processual único, e com carreiras, denominações e funções semelhantes para os seus servidores e membros. CP: O que mais as Cortes de Contas devem fazer para colaborar com o correto entendimento da Lei, ou seja, de que os TCs são competentes sim, para julgar prefeitos na condição de ordenadores de despesas?

    MB: Internamente, devem adaptar suas normas internas para que haja nítida separação entre atos de governo e atos de gestão, emitindo parecer prévio para os primeiros e julgamentos separados para os segundos. Deve-se evitar analisar os dois tipos de atos no mesmo processo, pois isso confunde tanto a Câmara Municipal, pois não sabe exatamente o que deverá julgar e o que já foi julgado pelo Tribunal de Contas; quanto o Poder Judiciário, como temos visto ultimamente. Externamente, é importante que cada Tribunal de Contas, e também cada associação de Conselheiros, Procuradores, Auditores e Servidores, participe dos processos judiciais que estão tramitando no STF, para contribuir com mais ideias, mais visões sobre o tema. Essa participação é possível e até recomendável, conforme as leis que regem todos os chamados "processos constitucionais" (recurso extraordinário, súmula vinculante, reclamação, ações de constitucionalidade, repercussão geral, recursos repetitivos, etc.), que também têm inegável caráter plural e democrático, digno dos novos tempos, como já mencionei.

    *Márcio Bessa é assessor jurídico do Tribunal de contas dos Municípios do Ceará há 10 anos. É especialista em Direito Constitucional. Já atuou como advogado, procurador jurídico e gerente de departamento jurídico, além de professor de graduação e pós-graduação.

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