Razoabilidade pauta julgamento de vias de fato no âmbito familiar (Info. STJ)
Informativo STJ, n. 0456
Período: 15 a 19 de novembro de 2010.
As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Assessoria das Comissões Permanentes de Ministros, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.
Sexta Turma
AGRESSAO. VIAS DE FATO. RELAÇÕES DOMÉSTICAS.
Na hipótese, o ora paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, a 15 dias de prisão simples, por prática descrita como contravenção penal (art. 21 do DL n. 3.688/1941), sendo substituída a pena corporal por restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade. A apelação interposta pelo MP foi provida, reformando a sentença para fixar a impossibilidade de substituição em face da violência, concedendo, de outra parte, o sursis , ficando a cargo da execução os critérios da suspensão condicional da pena. Sobreveio, então, o habeas corpus , no qual se alegou que vias de fato, ou seja, a contravenção cometida pelo paciente, diferentemente da lesão corporal, não provoca ofensa à integridade física ou à saúde da vítima. Salientou-se que é perfeitamente possível substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, pois a violência e a grave ameaça que obstam a concessão da benesse devem resultar de crime grave que traga perigo à vida da vítima, e não de crime de menor potencial ofensivo, como no caso. Além disso, aduziu-se que a substituição é a medida mais adequada à realidade do caso concreto, pois é certo que, sendo direito subjetivo do paciente, ela não pode ser negada, notadamente porque não há, quanto aos delitos praticados com violência doméstica, tratamento diferenciado. A Turma concedeu a ordem pelos fundamentos, entre outros, de que é razoável supor, assim como defendido na impetração, que a violência impeditiva da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos seja aquela de maior gravidade e não, como na espécie, mera contravenção de vias de fato, chamada por alguns até mesmo de "crime anão", dada a sua baixa ou quase inexistente repercussão no meio social. Consignou-se, ademais, que, no caso, a agressão sequer deixou lesão aparente, daí porque soa desarrazoado negar ao paciente o direito à substituição da pena privativa de liberdade; pois, em última ratio, estar-se-ia negando a incidência do art. 44 do CP, visto que a violência, pela sua ínfima repercussão na própria vítima ou no meio social, não impede, antes recomenda, sejam aplicadas penas alternativas, inclusive em sintonia com a própria Lei Maria da Penha, notadamente a sua mens, expressa no seu art. 45, que promoveu alteração no parágrafo único do art. 152 da Lei n. 7.210/1984. Precedente citado : HC 87.644-RS , DJe 30/6/2008. HC 180.353-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/11/2010.
NOTAS DA REDAÇAO
O cerne do HC 180.353, relatado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, foi basicamente apontar se a contravenção penal prevista no artigo 21 do DL n. 3.688/194 (vias de fato) deve receber o tratamento rigoroso da Lei Maria da Penha, quando praticada no âmbito familiar.
Relatou-se que o paciente foi condenado em primeira instância, sendo que sua pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direito, decisão da qual o Ministério Público recorreu, pugnando à instância superior o reconhecimento das específicas medidas da Lei 11.340/06.
Em obediência aos preceitos constitucionais que orientam pela igualdade entre homens e mulheres, bem como àqueles que asseguram assistência à família, adveio a Lei 11.340/06 que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com Rogério Sanches, a denominada Lei Maria da Penha é fruto de um movimento de especialização da violência.
Neste sentido, a Lei Maria da Penha dispõe de algumas especificidades. Já que tem finalidade assistencial e protetiva ela não descreve, por exemplo, figuras típicas e suas respectivas sanções, mas apenas direciona a melhor forma de atender à mulher na eventualidade de ser alvo de violência. Assim, expressamente proibiu que fosse aplicada a Lei no 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Da mesma forma, prescreve que:
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.
Prevaleceu, entretanto, no presente julgamento, entendimento pautado na razoabilidade . Para a Ministra relatora, o delito praticado pelo paciente não é revestido de periculosidade suficiente a merecer maior rigor, ou seja, a resposta estatal para este fato deveria ser proporcional à sua gravidade, pelo que, concedeu-se a ordem ao writ para reconhecer a possibilidade de aplicação de pena alternativa.
Atente-se, no entanto, para o fato de que não se firmou no presente julgado que às vias de fato não se aplica a Lei Maria da Penha, mesmo porque a própria Lei considera violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause lesão .
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
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