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30 de Abril de 2024
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    Seqüestro ou cárcere privado, concurso material ou formal? Os aspectos jurídicos do "Caso de Santo André"

    há 16 anos

    A NOTÍCIA (fonte: www. estadao.com.br)

    Reconstituição da morte de Eloá acontecerá após alta de Nayara

    Lindembergue responderá por homicídio doloso, tentativa de homicídio, cárcere privado e periclitação de vida

    SÃO PAULO - A morte da garota Eloá, de 15 anos, complicou ainda mais a situação criminal de Lindemberg Fernandes Alves, de 22 anos, o ex-namorado da jovem que a manteve em cárcere privado por quase 101 horas. Segundo o delegado Luiz Carlos dos Santos, seccional de Santo André, Lindemberg seria autuado em flagrante por três tentativas de homicídio, mas, agora, responderá por homicídio doloso e duas tentativas de homicídio, além de cárcere privado e periclitação de vida. A morte cerebral de Eloá foi anunciada na noite de sábado e a polícia diz ter certeza de que os tiros que mataram e feriram Nayara foram disparados pela arma calibre 32 de Alves. O exame do IML, no entanto, só deve ocorrer nesta segunda, 20.

    NOTAS DA REDAÇÃO

    Uma tragédia que, sem dúvida, chocou o Brasil. Depois de 101 horas em poder do ex-namorado, a principal vítima - Eloá - é atingida e sofre morte cerebral. A equipe do Portal LFG, na concretização da sua proposta, vem, neste momento, analisar as nuanças jurídicas desse caso.

    De acordo com o delegado Luiz Carlos dos Santos, o acusado responderá por quatro crimes: por homicídio doloso, tentativa de homicídio, cárcere privado e periclitação de vida.

    Vejamos:

    Uma dúvida pode seurgir: não seria possível falar, também, nos crimes de porte ilegal de arma, e, disparo de arma de fogo, previstos, respectivamente, nos artigos 14 e 15 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 /03)?

    Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

    Art. 14 . Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar :

    Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

    Disparo de arma de fogo

    Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

    Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

    Vale lembrar que na ADI 3112 -1 o STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único dos dispositivos supracitados, que vedava a concessão de fiança quando da configuração de uma dessas infrações. Note-se que o caput destas normas continuam em vigor.

    Tanto o crime de porte ilegal como o de disparo de arma de fogo se classifica como crime de mera conduta, consumando-se, apenas, com a concretização da conduta de portar ou disparar arma de fogo em local habitado e adjacências, dispensando a configuração de resultado naturalístico, de efetivamente causar qualquer dano à vida ou à saúde de alguém. Trata-se, assim, de crime de perigo.

    O bem jurídico tutelado pela tipificação dessas condutas é a incolumidade pública, a segurança coletiva (o nível normal de segurança esperado pela sociedade). Em atendimento ao princípio constitucional da ofensividade/lesividade (artigo da CF) os crimes em tela somente restarão configurados diante da presença de efetiva ameaça de lesão a esse bem jurídico: o agente deve agente agir de maneira a atingir, imediata e significativamente (leia-se - de forma relevante para o Direito Penal) o status desse almejado grau de segurança coletiva.

    Em outras palavras, o fato torna-se penalmente relevante (exclusivamente) quando o bem jurídico coletivo (incolumidade pública) entra no raio de ação da conduta criadora do risco proibido relevante.

    Partindo dessa premissa, a caracterização do crime de porte ilegal de arma de fogo exige a presença de determinados requisitos. São eles: a) porte efetivo (real disponibilidade sobre a arma); b) efetiva ofensa ao bem jurídico incolumidade pública; c) carência de autorização; d) identificação da natureza do objeto material e verificação de sua danosidade.

    Há de se notar que a análise das circunstâncias do caso concreto é indispensável para determinar se o crime em comento configurou-se ou não.

    Analisemos a conjuntura do caso de Santo André. Seria possível cogitar da caracterização dos crimes de porte de arma de fogo e disparo de arma de fogo? De acordo com entendimento pacífico NÃO. O motivo: a aplicação do princípio da consunção. Tais delitos, considerados infrações - meio restariam absorvidos pela prática de infrações-fim: a tentativa de homicídio, e, o homicídio consumado.

    Uma observação se impõe nesse momento: o próprio artigo 15 do Estatuto do Desarmamento , ao prever o crime de disparo de fogo, prevê, expressamente, a subsidiariedade dessa infração penal. É o que se extrai da expressão "desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime".

    Nessa linha de raciocínio, além das circunstâncias do caso concreto é indispensável que se verifique o dolo do agente. Se esse tinha a intenção de matar alguém e para tanto efetuou disparos de arma de fogo deverá responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, e, não por simples disparo de arma de fogo. Por outro lado, se buscava, tão somente, expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa certa e determinada, impõe-se a configuração do crime de disparo de arma de fogo, ficando absorvido o crime do artigo 132 do Código Penal (perigo para a vida ou saúde de outrem).

    É esse o raciocínio a ser aplicado no caso de Santo André. A autoridade policial firmou-se no sentido de que, a vontade do agente, ao adquirir e utilizar as armas de fogo que estavam em seu poder era, mesmo, de acabar com a vida de Eloá, o que deixa evidente a absorção dos crimes de porte de arma de fogo e disparo de arma de fogo.

    Vejamos o crime de cárcere privado. Seqüestro e Cárcere Privado

    Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

    § 1º - A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos:

    I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos.

    II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

    III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.

    IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

    V - se o crime é praticado com fins libidinosos.

    Muita confusão nesse caso: ora a imprensa falava em seqüestro, ora em cárcere privado. São expressões sinônimas? Há diferença entre seqüestro em cárcere privado? A resposta para a primeira interrogativa é NÃO, e, para a segunda, SIM.

    O próprio tipo penal evidencia que estamos diante de institutos distintos. Basta que se examine o nomen iuris: seqüestro e cárcere Privado. Se a intenção do legislador fosse tratá-los como sinônimos, é certo que teria feito uso da interlocução "ou", e não e, o que deixa patente tratar-se de infrações distintas.

    Realmente, não há qualquer diferença em relação à pena cominada em abstrato. Tais delitos se distinguem pela conduta em si: o seqüestro consiste na privação da liberdade de locomoção do indivíduo, não implicando em confinamento do indivíduo, caso em que se trataria de cárcere privado.

    São quatro os crimes imputados ao acusado (homicídio doloso, tentativa de homicídio, cárcere privado e periclitação de vida), e, a nosso ver, todos em concurso material de crimes.

    Entendemos não ser possível falar em concurso formal, que, de acordo com o artigo 70 do CP exige que o agente, por meio de uma única ação ou omissão, venha a praticar duas ou mais infrações penais.

    Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior .

    No caso de Santo André o que se verifica é a prática de várias ações, e, em virtude de cada uma delas, a provocação de um resultado distinto, o que, a nosso ver impõe a aplicação do disposto no artigo 69 do CP , que regulamenta o instituto do concurso material de crimes.

    Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela .

    De início são essas as nossas primeiras considerações. Acompanhe com a gente o desfecho desse caso.

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