Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
7 de Maio de 2024

STF 2023 - Execução Penal - Prisão Domiciliar - Mãe, com Filho Menor de 12 anos - 12 anos de Prisão - Lei de Drogas

há 3 meses

Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 234.120 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

DECISÃO

Trata-se de Recurso Ordinário interposto contra decisão monocrática proferida pelo Ministro RIBEIRO DANTAS, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 853.195/MG.

Pelo que se depreende, a recorrente, em cumprimento de pena decorrente de condenação a 12 anos e 8 meses de reclusão pela prática de crimes de tráfico de droga e de associação para tráfico, apresentou pedido de prisão domiciliar ao Juízo das Execuções Penais, que o indeferiu.

Inconformada, a defesa impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem.

Colhe-se do voto condutor:

Ao indeferir o pedido de prisão domiciliar, a Autoridade tida como Coatora, consignou que a Defesa não comprovou a situação de desamparo das crianças e também:

13. Como se não fosse o bastante, como bem exposto pelo Ministério Público (mov. 64.1), verifico que, de acordo com os fatos narrados que ensejaram a condenação da sentenciada, nos termos da sentença e do acórdão de movs. 1.7 e 1.8-12, a sentenciada praticava o tráfico de drogas no interior da sua residência, expondo, portanto, os seus filhos à prática criminosa. Além disso, em um curto espaço de tempo, em 30/06/2022 (guia de execução de mov. 1.1) e em 07/02/2021 (guia de execução de mov. 36.1), em comarcas diversas, a sentenciada praticou a mesma conduta delitiva, isto é, tráfico de drogas, o que indica reiteração criminosa, tendo, inclusive, em uma das guias de execução (mov. 36.1) sido também condenada na forma do artigo 35, caput, da Lei nº 11.343, de 2006 - seq. 75.1.

Tenho mantido entendimento no sentido que a substituição da prisão no caso de sentenciada mãe de criança com 12 anos incompletos independe, sim, de comprovação de cuidados especiais (art. 318 CPP) mas, desde que presentes os requisitos legais, quais sejam: não se tratar de crime cometido com violência ou grave ameaça; que não tenha sido praticado contra os próprios filhos e não esteja presente situação excepcional que contraindique a medida (art. 318-A CPP; AgRg no PExt no RHC n. 113.084/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 10/6/2020).

Destarte, in casu , além de condenada pelo delito de associação criminosa, "o tráfico de drogas ocorria na residência do casal, sendo os filhos menores expostos à atividade ilícita desempenhada pelos pais, inclusive correndo os riscos próprios dessa maléfica atividade, em termos de saúde e segurança pública" - seq. 64.1. manifestação do Parquet.

Por tanto, ausentes os requisitos autorizadores, não vejo como conceder a prisão domiciliar à paciente.

Impetrou-se, então, Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, do qual o Ministro relator não conheceu, nos termos seguintes:

[...]

Trata-se de reeducanda condenada definitivamente ao cumprimento de 12 (doze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em razão da existência de dois títulos condenatórios, pelos crimes do artigo 33, "caput", da Lei 11.343/06, e 33, § 4º e art. 35, da mesma Lei.

O Tribunal de origem confirmou a decisão que indeferiu o benefício pela existência de circunstância excepcional a contraindicar a concessão do benefício, tendo em visa que "o tráfico de drogas ocorria na residência do casal, sendo os filhos menores expostos à atividade ilícita desempenhada pelos pais, inclusive correndo os riscos próprios dessa maléfica atividade, em termos de saúde e segurança pública". (e-STJ, fl. 65).

Nesse contexto, não se constata flagrante ilegalidade apta a ensejar a concessão da ordem, de ofício.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.

Neste Recurso Ordinário, a defesa alega, em suma: o constrangimento está ocorrendo pelo fato de a paciente cumprir pena em regime fechado e objetiva a concessão da prisão domiciliar pelo fato de a paciente possuir 02 (duas) filhas menores, uma de 03 (três) anos e outra de 06 (seis) anos, sendo imprescindível para os cuidados das mesmas.

É o relatório. Decido.

Em regra, incidiria óbice ao conhecimento do recurso interposto neste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, uma vez que se impugna decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça ( RHC 139.314 AgR/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 17/11/2017; RHC 144.668/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 18/9/2017; RHC 140.655 AgR/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 29/6/2017; RHC 121.834/DF, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 6/11/2014; RHC 114.961/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 8/8/2013 e RHC 114.737/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/4/2013).

De fato, o exaurimento da instância recorrida é, como regra, pressuposto para ensejar a competência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, conforme vem sendo reiteradamente proclamado por esta CORTE ( HC 118.189/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 24/4/2014; HC 97.009/RJ, Rel. p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 4/4/2014 e RHC 111.935/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 30/9/2013).

Como bem apontado pelo Min. LUIZ FUX, com base em diversos outros precedentes desta Primeira Turma, em regra, a flexibilização dessa norma implicaria afastamento do texto da Constituição, pois a competência deste SUPREMO TRIBUNAL, sendo matéria de direito estrito, não pode ser interpretada de forma ampliada para alcançar autoridades, no caso, membros de Tribunais Superiores, cujos atos não estão submetidos à apreciação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ( HC 139.262/TO, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 23/3/2017).

Esta Primeira Turma vem autorizando, somente em circunstâncias específicas, o exame de Habeas Corpus quando não encerrada a análise na instância competente, óbice superável apenas em hipótese de teratologia ( HC 138.414/RJ, Primeira Turma, DJe de 20/4/2017) ou em casos excepcionais ( HC 137.078/SP, Primeira Turma, DJe de 24/4/2017), como bem destacado pela Min. ROSA WEBER.

A presente hipótese, entretanto, apresenta excepcionalidade a justificar a intervenção desta CORTE.

O essencial em relação às liberdades individuais, em especial a liberdade de ir e vir , não é somente sua proclamação formal nos textos constitucionais ou nas declarações de direitos, mas a absoluta necessidade de sua pronta e eficaz consagração no mundo real, de maneira prática e eficiente, a partir de uma justa e razoável compatibilização com os demais direitos fundamentais da sociedade, de maneira a permitir a efetividade da Justiça Penal.

MAURICE HAURIOU ensinou a importância de compatibilização entre a Justiça Penal e o direito de liberdade, ressaltando a consagração do direito à segurança, ao salientar que "em todas as declarações de direitos e em todas as Constituições revolucionárias figura a segurança na primeira fila dos direitos fundamentais", inclusive apontando que "os publicistas ingleses colocaram em primeiro plano a preocupação com a segurança", pois, conclui o Catedrático da Faculdade de Direito de Toulouse, "por meio do direito de segurança , se pretende garantir a liberdade individual contra o arbítrio da justiça penal, ou seja, contra as jurisdições excepcionais, contra as penas arbitrárias, contra as detenções e prisões preventivas, contra as arbitrariedades do processo criminal" (Derecho público y constitucional . 2. ed. Madri: Instituto editorial Réus, 1927. p. 135-136).

Essa necessária compatibilização admite a relativização da liberdade de ir e vir em hipóteses excepcionais e razoavelmente previstas nos textos normativos, pois a consagração do Estado de Direito não admite a existência de restrições abusivas ou arbitrárias à liberdade de locomoção , como historicamente salientado pelo grande magistrado inglês COKE, em seus comentários à CARTA MAGNA, de 1642, por ordem da Câmara dos Comuns, nos estratos do Segundo Instituto, ao afirmar: "que nenhum homem seja detido ou preso senão pela lei da terra, isto é, pela lei comum, lei estatutária ou costume da Inglaterra" (capítulo 29). Com a consagração das ideias libertárias francesas do século XVIII, como lembrado pelo ilustre professor MIRKINE GUETZÉVITCH (russo de nascimento e francês por opção), essas limitações se tornaram exclusivamente "trabalho das Câmaras legislativas", para se evitar o abuso da força estatal (As novas tendências do direito constitucional. Companhia editora nacional, 1933. p. 77 e ss.).

No presente caso, não houve a devida compatibilização, pois os elementos indicados pelas instâncias antecedentes revelam que a prisão domiciliar é medida que se mostra adequada.

Isso porque ficou demonstrado que a paciente é mãe de duas crianças, com 3 (três) e 6 (seis) anos de idade (Documento 4). Quanto às circunstâncias e condições em que se desenvolveu a ação, não há notícia de que o crime tenha sido cometido mediante violência ou grave ameaça.

Atento a essas particularidades, reputo cabível o cumprimento da reprimenda em segregação domiciliar, por ser medida que se revela, a um só tempo, garantidora da proteção à maternidade, à infância e ao melhor interesse do menor. Nessa linha de consideração: HC 157606, Relator (a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, decisão monocrática, DJe de 29/8/2018; HC 149.803-AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Rel. p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 14/12/2018; HC 139.157, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 18/12/2017.

Dessa maneira, como nenhum homem ou mulher poderá ser privado de sua liberdade de ir e vir sem expressa autorização constitucional e de acordo com os excepcionais e razoáveis requisitos legais, pois o "direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana", como ensinou o grande constitucionalista do Império, Pimenta Bueno (Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império . Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958. p. 388); o presente Habeas Corpus é meio idôneo para garantir todos os direitos legais previstos ao paciente e relacionados com sua liberdade de locomoção, mesmo que, como salientado pelo Ministro CELSO DE MELLO, "na simples condição de direito-meio", essa liberdade individual esteja sendo afetada "apenas de modo reflexo, indireto ou oblíquo" ( Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 459).

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao Recurso Ordinário, para determinar que a paciente prossiga no cumprimento da reprimenda referente ao Processo de Execução Criminal 4400102-88.2023.8.13.0471 (Comarca de Pará de Minas/MG), em prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico. Cumprirá ao Juízo local estabelecer eventuais autorizações para excepcionais ausências do domicílio que venham a se justificar, tendo em vista sobretudo os interesses da prole da paciente, que deverá ser alertada de que o benefício poderá ser revogado a qualquer tempo, caso sobrevenha situação que exija a adoção de medida mais gravosa.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 20 de outubro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente

(STF - RHC: 234120 MG, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 20/10/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 23/10/2023 PUBLIC 24/10/2023)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

  • Publicações1089
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações72
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stf-2023-execucao-penal-prisao-domiciliar-mae-com-filho-menor-de-12-anos-12-anos-de-prisao-lei-de-drogas/2161883882

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 3 meses

STJ 2023 - Estupro de Vulnerável - Revogação de Preventiva - Absolvição por Falta de Prova

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 3 meses

STJ 2023 - Absolvição - Lei de Drogas - Únicas Provas: (i) Denúncia Anônima; (ii) Interceptação sem menção ao Réu - Ausência de Autoria

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 3 meses

STJ 2023 - TJES Não Pode Confirmar Prisão Temporária com Base em Relatos de Testemunhas "Que Ouviram Dizer" - Homicídio Qualificado

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 3 meses

STJ 2023 - Dosimetria Irregular - Furto Qualificado por Escalada apenas com base em prova oral e sem perícias -

Allan Fernandes Costa, Advogado
Notíciashá 3 meses

ITBI deve ser cobrado somente sob o valor do terreno e não do financiamento, decide TJSP.

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)