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7 de Maio de 2024

STF Jun23 - Utilização de Provas já tidas como Ilícitas. Nulidade

"Aliás, eventual tentativa de aproveitamento de provas ilícitas pode, em tese, caracterizar crime de abuso de autoridade, previsto no art. 25, parágrafo único, da Lei 13.869/2019".

há 8 meses

Rcl 59985 GO

Inteiro Teor

MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 59.985 GO IÁS

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

DECISÃO: Trata-se de reclamação constitucional, com pedido liminar, proposta por XXXXXXXXXX em face de acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás nos autos do RESE 5129892- 86.2023.8.09.0051, em que se alega afronta a autoridade de decisões desta Suprema Corte.

A petição inicial informa que, na RCL 53.052/GO, esta Relatoria julgou procedente a reclamação para determinar o trancamento de inquérito policial instaurado contra o reclamante, sob fundamento de violação ao foro de prerrogativa por função, com a subsequente declaração de nulidade dos elementos informativos colacionados nos autos.

Aponta para a instauração de inquérito posterior (autos nº 05/2020 - "Operação Terra Fraca"), que alegadamente se valeu de elementos probatórios constituídos no âmbito da investigação arquivada pelo acórdão paradigma.

Em face disso, o magistrado da 2a Vara Estadual de Repressão ao Crime Organizado e à Lavagem de Capitais do Estado de Goiás declarou a nulidade desses elementos de prova, determinou o arquivamento do inquérito 05/2020 e proibiu a utilização desses documentos em qualquer investigação posterior.

Inconformado, o Parquet estadual interpôs recurso em sentido estrito, ao qual foi dado provimento pelo TJGO, sob a compreensão de que a decisão exarada por este Supremo Tribunal Federal não impede "o apensamento dos autos do Inquérito Policial 991/2018 (cópia) aos autos de origem, a fim de que seja utilizado pelo órgão ministerial para consulta, direcionamento de investigação dos fatos a serem apurados pela Polícia Estadual, indício de prova em caso de eventual denúncia em desfavor dos demais investigados, ou mesmo para consulta inclusive do juízo de primeiro grau em caso de recebimento ou não de eventual denúncia em desfavor dos demais investigados".

Alega o reclamante que a nova operação deflagrada estaria fundada em elementos declarados ilícitos pelo STF. Por isso, requer liminarmente o sobrestamento do RESE 5129892-86.2023.8.09.0051, até o julgamento do mérito da reclamação. Nessa linha, defende o preenchimento dos requisitos do fumus boni juris , ante a inobservância da decisão desta Corte, e do periculum in mora , já que ocorrerá em breve o julgamento dos embargos declaratórios pela autoridade reclamada.

No mérito, requer a cassação do ato reclamado e o reestabelecimento da decisão em primeiro grau, para que a provas ilícitas sejam desentranhadas dos autos.

É o relatório.

Decido.

Em análise perfunctória típica da tutela cautelar, entendo que assiste razão ao reclamante ao apontar coação ilegal na conduta da autoridade reclamada.

O reclamante traz elementos indiciários suficientes para demonstrar de que, de fato, o acórdão reclamado afronta a compreensão estabelecida na reclamação 53.052/GO.

Para a melhor compreensão da controvérsia, colho trecho do ato reclamado:

"Dessa forma, não se vislumbra impedimento legal ou desrespeito ao julgado da Suprema Corte o apensamento dos autos do Inquérito Policial 991/2018 (cópia) aos autos de origem, a fim de que seja utilizado pelo órgão ministerial para consulta, direcionamento de investigação dos fatos a serem apurados pela Polícia Estadual, indício de prova em caso de eventual denúncia em desfavor dos demais investigados, ou mesmo para consulta inclusive do juízo de primeiro grau em caso de recebimento ou não de eventual denúncia em desfavor dos demais investigados.

Causa espécie que o eminente Desembargador Relator do Tribunal de Justiça admita a possibilidade de utilização de provas declaradas ilícitas pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que em investigação diversa.

Não é necessário um grande esforço argumentativo para explicar que a ilicitude da prova é fato grave, resultando em elementos inadmissíveis em qualquer espécie de procedimento estatal.

A prova ilícita é vedada pela Constituição (art. 5º, LVI) e, apesar de não haver previsão constitucional expressa quanto ao destino dos elementos dela derivados, é certo que a legislação processual penal determina sua inadmissibilidade em desfavor do cidadão.

Nesse sentido, reporto-me ao artigo 157 do CPP (com redação dada pela Lei n. 11.690/2008), que assim dispõe:

"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

(...)

§ 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente". (grifei)

Dessa redação, extrai-se que a prova declarada ilícita não pode ingressar, tampouco permanecer nos autos. Não por outra razão, a decisão judicial que aponta a ilicitude deve resultar no imediato desentranhamento dos elementos probatórios contaminados.

Nesse sentido, confiram-se as lições de Renato Brasileiro de Lima:

"O § 3º do art. 157 nada dispõe acerca do momento processual em que o magistrado deverá analisar a ilicitude da prova. A nosso ver, porém, é possível concluir que a apreciação da ilicitude da prova deve ocorrer o quanto antes possível, sobretudo de modo a se evitar que referida prova venha a contaminar outras. Logicamente, se eventual prova ilícita tiver sido produzida no bojo do inquérito policial, já se pode requerer seu desentranhamento.

Se, no entanto, a despeito da ilicitude da prova, houver o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e ulterior recebimento da peça acusatória, pensamos que o reconhecimento da ilicitude da prova deve ocorrer imediatamente após a apresentação da resposta à acusação pela defesa. Assim, deverá o magistrado se pronunciar quanto à ilicitude de eventual prova constante dos autos no momento previsto no art. 399 do CPP.

Obviamente, caso a prova tenha sido apresentada em audiência, deve o magistrado se pronunciar quanto à sua ilicitude de imediato, afastando sua valoração de eventual sentença condenatória. Em ambas as situações, esse desentranhamento imediato há de se limitar a uma inutilização formal provisória, devendo a prova ilícita ser preservada na secretaria judicial, para eventual retorno aos autos principais caso a decisão seja anulada ou modificada.

Com efeito, a inutilização formal definitiva e a inutilização material (destruição) somente ocorrerão após a preclusão da decisão que reconheceu a ilicitude da prova ". (Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8.ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 703, grifei)

Em julgado do Tribunal Pleno, do ano de 1996, o Ministro Relator

Néri da Silveira aponta em seu voto que" Tudo o que, nos autos, se mantém, em princípio, seria objeto de valorização e apreciação. Não é compreensível que, tida por inadmissível certa prova documental, não se reconheça a pretensão da parte interessada - acusação ou defesa - em feito criminal, no desentranhamento das peças respectivas dos autos ". O julgado recebeu a seguinte ementa:

"Ação Penal. Denúncia recebida. Prova ilícita. Embargos de declaração pleiteando seu desentranhamento. Constituição, art. 5º, inciso LVI. 2. Reconhecida a ilicitude de prova constante dos autos, consequência imediata é o direito da parte, à qual possa essa prova prejudicar, a vê-la desentranhada. 3. Hipótese em que a prova questionada foi tida como ilícita, no julgamento da Ação Penal nº 307, fato já considerado no acórdão de recebimento da denúncia. 4. Pedido de desentranhamento formulado na resposta oferecida pelo embargante e reiterado em outro instante processual. 5. Embargos de declaração recebidos, para determinar o desentranhamento dos autos das peças concernentes à prova julgada ilícita, nos termos discriminados no voto condutor do julgamento". ( Inq 731 ED/ DF, Rel. Min. Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJe 7.6.1996)

Portanto, sendo vedada a utilização de provas ilícitas nos próprios autos, por decorrência lógica esses elementos não podem ser trasladados para outros procedimentos investigativos, ainda que somente envolvam terceiros. Aliás, eventual tentativa de aproveitamento de provas ilícitas pode, em tese, caracterizar crime de abuso de autoridade, previsto no art. 25, parágrafo único, da Lei 13.869/2019.

Registro, por fim, trecho da decisão do magistrado singular:

"Assim, vê-se que os fundamentos utilizados pela autoridade investigante e também por este Juízo para a fundamentação das decisões que deferiram os pedidos, bem como, o que fundamentou a inclusão do requerente JOSÉ

XXXXXXXXXXXXXX no rol dos investigados, foram tão somente os elementos trazidos na inquérito policial 991/2018 em tramitação na Policia Federal (autos n. 0027739- 26.2018.4.01.3500/GO) ou provenientes das investigações ali em curso, sendo que segundo decisão na Reclamação 53.052/GO, pelo menos contra o reclamante/requerente/investigado foram declaradas nulas, razão pela qual entendo que também não podem utilizadas, pela mesma razão nesta investigação, porém somente contra o investigado JOSÉ ELITON, nos limites da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, não alcançando os demais investigados. Ve-se em analise de todo o inquérito policial, ainda não concluído, que todos os elementos de prova trazidos contra o investigado XXXXXX o foram pela provas produzidas no inquérito e que foram consideradas nulas com relação a este ou derivadas destas (medidas cautelares deferidas por este Juízo nos PJD n. 5199848-63 e PJD

n. 5202410-45) não podendo portanto serem utilizadas, nos termos da decisão já exarada.

Com relação as alegações do Ministério Público entendo que não merece guarida pois a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo que em sede de liminar e sem o trânsito em julgado, possui eficácia plena e imediata, nada impedindo que se revogada ao final as investigações até então feitas, possam ser admitidas, mesma razão pela qual entendo ser desnecessárias a juntada da integra da Operação Decantação II nestes autos, pois os elementos ali trazidos contra o reclamante já foram considerados nulos."(eDOC 15,p .9)

Ante o exposto, defiro o pedido de liminar para determinar o sobrestamento do RESE 5129892-86.2023.8.09.0051 , até o julgamento definitivo desta reclamação constitucional e, caso o recurso já tenha sido julgado, determino a suspensão dos efeitos de eventual ordem ou autorização de apensamento de cópias do inquérito 991/2018, ou de qualquer de seus incidentes ou anexos, em outros procedimento investigativos.

Em razão da urgência, atribuo à presente decisão força de mandado/ofício.

Comunique-se, com urgência, ao eminente Relator do TJGO (autoridade reclamada), bem como ao juízo de primeira instância.

Tendo em vista o disposto no art. 21, V, do Regimento Interno do STF, submeto a presente medida cautelar a referendo da Segunda Turma.

Publique-se.

Brasília, 30 de maio de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

(STF - Rcl: 59985 GO, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 30/05/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01/06/2023 PUBLIC 02/06/2023)

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