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20 de Maio de 2024

STF Jul23 - Trancamento de Ação Penal - Homicídio - Ausência de Dolo - Tiros para Cima e em Direção aos pés

há 7 meses

Inteiro Teor

26/06/2023 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 205.206 CEARÁ

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

AGTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

Agravo regimental em habeas corpus . Penal e processo penal. Tentativa de homicídio e dano qualificado. Trancamento da ação penal e revogação da prisão preventiva do agravado. Possibilidade. Excepcionalidade demonstrada. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

1. A situação retratada nos autos revelou que não há, por parte da denúncia, a descrição mínima de quais circunstâncias alheias à vontade dos agentes, caracterizadora da tentativa imperfeita, teriam-nos impedido, se dolo houvesse, de consumar o delito de homicídio.

2. O repertório jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal admite o trancamento do processo crime por falta de justa causa, diante da ausência de lastro probatório mínimo de autoria e/ou materialidade do crime (v.g. HC nº 89.398/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia , DJ de 26/10/07; HC nº 108.748/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski , DJe de 27/6/14).

3. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual de 16 a 23/6/23, na conformidade da ata do julgamento e nos termos do voto do

Relator, Ministro Dias Toffoli, por maioria de votos, vencidos a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Roberto Barroso, em negar provimento ao agravo regimental.

Brasília, 26 de junho de 2023.

Ministro Dias Toffoli

Relator

19/12/2022 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 205.206 CEARÁ

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

AGTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

AGDO.(A/S) : FRANCISCO MOACIR PINTO FILHO

ADV.(A/S) : IGOR DOS SANTOS JAIME

ADV.(A/S) : THIAGO TURBAY FREIRIA

ADV.(A/S) : EDUARDA CANDIDO ZAPPONI

ADV.(A/S) : JOAO PAULO DE OLIVEIRA BOAVENTURA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):

Trata-se de tempestivo agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão mediante a qual concedi a ordem de habeas corpus de ofício para trancar a ação penal formalizada contra o agravado.

Narram os autos que o agravado foi denunciado pela suposta prática dos crimes de homicídio qualificado na modalidade tentada e de dano qualificado, bem como foi determinada sua prisão preventiva.

O agravante diz que teria sido demonstrada a periculosidade do agravado para fins de imposição de prisão preventiva, visto que seria

"mandante de tentativas de homicídios, mediante disparos de arma de fogo, contra JXXXXXXXXXXXida, e da destruição, por trator, de residências de JXXXXXXXXXXXFonseca Monteiro, tudo em contexto de conflito possessório".

Afirma não estar caracterizada hipótese de trancamento da ação penal, pois teriam sido demonstrados elementos suficientes da prática delitiva para a persecução penal.

Requer o provimento do recurso para que seja restabelecida "a

custódia cautelar do agravado e determinada a continuidade da ação penal na origem quanto ao delito de homicídio qualificado tentado".

É o relatório.

19/12/2022 PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 205.206 CEARÁ

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):

A irresignação não merece prosperar.

Conforme fiz ver, ao conceder a ordem para trancar a ação penal formalizada contra o agravado, a situação retratada autorizou a medida em caráter excepcional.

Isso porque

"o Ministério Público do Estado do Ceará ofereceu denúncia que imputa ao ora paciente a suposta prática dos crimes de dano qualificado e de tentativa de homicídio, consubstanciados, respectivamente, no fato de que (i) o paciente ‘destruiu, mediante violência a pessoa e grave ameaça, imóveis pertencentes a XXXXXXXXXXXXXXo’ e (ii) ‘FrXXXXXXXXXXXXXXXXo Filho, ora denunciado, em comunhão de desígnios e unidade de propósitos com indivíduos ainda não identificados, tentou ceifar a vida de JXXXXXXXXXXXXmeida, não consumando os atos por circunstâncias alheias à sua vontade".

Pois bem, o relatório apresentado pela autoridade policial apresentou as seguintes conclusões a respeito do indiciamento do paciente:

"Trata-se de inquérito policial instaurado mediante portaria, para apurar a autoria e as circunstâncias de condutas previstas no art. 121, § 2º, I, c/c art. 14, II, do CPB, c/c art. , I, da lei 8.072/90, tentativa de homicídio (qualificado), e art. 163, parágrafo único, I e IV, do CPB, dano qualificado.

Segundo o relatado no procedimento inquisitorial

em epígrafe, no dia 23 de setembro de 2020, LXXXXXXXXXXXA, moradora de um sítio localizado no bairro Tabuba do Morro Branco, nesta cidade, recebeu a visita de um suposto advogado, que afirmava que as terras onde sua casa e as de seus filhos haviam sido construídas pertenciam a FRXXXXXXXXXXXILHO, um grande empresário que possui uma casa a poucos metros do sítio de LUCICLEIDE, e que tenta, há anos, expulsar os moradores daquela localidade. Pelo exposto nos autos, LUCICLEIDE pediu a ele o documento que comprovaria a propriedade das terras, e o mesmo teria afirmado que traria em momento posterior.

Ato contínuo, segundo o apurado nos autos, na madrugada do dia 26 de setembro de 2020, os moradores do referido sítio foram acordados pelo barulho de um trator, que, acompanhado por um veículo PAJERO, de cor preta, derrubava casas construídas no local.

De acordo com o relatado pelas vítimas e testemunhas nos fólios, havia cerca de cinco homens nos dois referidos veículos, e um deles seria o mesmo suposto advogado que visitou LUCICLEIDE dias antes. Pela narrativa das vítimas e testemunhas, tal suposto advogado dava ordens para que o trator derrubasse as casas, afirmando aos moradores que aquelas terras seriam de FRAXXXXXXXXIR.

Após derrubar duas casas, cujos proprietários são os irmãos JOXXXXXXXXXXXXRO, o trator seguiu em direção a um terceiro imóvel, de propriedade de JOICXXXXXXXXXXXXXO, onde dentro dormiam duas crianças e três adultos.

De acordo com o relatado, mesmo tendo sido informado de que havia crianças dentro da casa, o suposto advogado determinava ao tratorista, a todo momento, que a escavadeira derrubasse o imóvel, ‘COM TODO MUNDO DENTRO’.

Segundo o apurado, o trator não derrubou a casa, com as crianças e adultos em seu interior, porque os moradores entraram na frente do veículo, impedindo a ação criminosa que poderia ter ceifado a vida dos moradores do imóvel. Importante ressaltar que as crianças que lá estavam têm idade de 01 e 02 anos.

Ainda de acordo com os relatos constantes nos autos, foram realizados disparos de arma de fogo contra as vítimas, sendo que uma cápsula deflagrada de munição . 40 foi apresentada na Delegacia e apreendida no procedimento investigatório em tela. Ademais, os meliantes agrediram LUCICLEIDE e sua sogra MXXXXXXXXDA, de quase 80 anos, jogando-as no chão.

Durante as diligências investigativas, a vítima PACCCCCCCCCCXXXXXA apresentou na Delegacia um vídeo gravado por ela no momento da ação dos criminosos, fato este registrado em seu depoimento, que segue acostado aos autos. Pela análise do citado vídeo, que se encontra anexado no referido procedimento, percebe-se que no segundo 46 é possível identificar que a placa do veículo utilizado na consumação do delito é KXXXXXX, sendo o mesmo uma PAJERO, de cor preta, corroborando com o relatado pelos depoentes nos autos em análise.

Ato contínuo, em pesquisa realizada no SINESP INFOSEG no dia 13 de Outubro de 2020, constatou-se que o referido veículo pertence à empresa CXXXXXXXXXXXA, que tem em seu quadro societário FRXXXXXXXXXXXXX FILHO e sua esposa, MXXXXXXXXXXXXXTO, conforme documentos acostados ao procedimento investigativo que ora se finaliza" (eDoc. 4-5).

Essas conclusões arrimam-se nos depoimentos das supostas vítimas.

Vide:

"Pelo que se depreende da análise dos fólios, percebe-se que são robustos os indícios de que o indiciado agiu como mandante dos crimes de tentativa de homicídio qualificado e dano qualificado, perpetrados contra as vítimas XXXXXXXXXXXXXXXXO.

Segundo o apurado, há profunda nitidez e congruência entre os relatos das vítimas e testemunhas, narrando detalhes do ocorrido na madrugada do dia 26 de setembro de 2020.

A vítima LUXXXXXXXXXXXECA afirmou que dias antes da primeira ação criminosa, recebeu em sua casa um indivíduo que aduzia ser advogado de FXXXXXXXXXXXXCIR, relatando que este seria o proprietário das terras onde as casas haviam sido construídas, e que o mesmo retomou no dia do atentado em companhia de mais cinco homens armados, que derrubaram duas casas no local. Afirmou, ainda, que a casa de sua filha LUANA, com crianças dentro, não foi derrubada pelo trator porque os moradores impediram a ação: (...) QUE ESSE SEGURANÇA CHEGOU A EMPURRAR A DEPOENTE E SUA SOGRA, que tem 78 anos; QUE a depoente caiu ao chão por duas vezes, após ser empurrada; QUE este segurança atirou três vezes, uma pro alto e duas em direção aos pés dos sogros da depoente (...)

(...)

A vítima SAXXXXXXXXXXXVA afirmou: (...) QUE os homens que estavam no carro e no trator estavam armados, e a depoente ouviu três disparos de arma de fogo; QUE encontrou a cápsula deflagrada posteriormente, sabendo que esta foi entregue à polícia por sua sogra; (...)

(...)

O depoimento da vítima JOXXXXXXXXXXXXEIRO corrobora com o aduzido por sua mãe, LUCICLEIDE: (...) QUE os homens portavam anuas de fogo; QUE se recorda de cinco homens tio local, todos de blusa preta e encapuzados; QUE um dos homens empurrou sua mãe c sua avó, que caíram ao chão; QUE um deles atirou em direção aos pés de seus avós e pai (...)" (eDoc. 5 - grifos nossos).

Por sua vez, a exordial acusatória do Ministério Público do Ceará narrou os fatos da seguinte forma:

"Depreende-se dos inclusos fólios policiais que, no dia 26 de setembro de 2020, por volta das 01h00min, na Tabuba do Morro Branco, distrito de Beberibe/CE, FXXXXXXXXXo, em comunhão de desígnios e unidade de propósitos com indivíduos ainda não identificados, por motivo fútil, tentou ceifar a vida de JoXXXXXXXXXXXeiro e Maria XXXXXXXXxxa, não consumando os atos por circunstâncias alheias à sua vontade e, no mesmo contexto, destruiu, mediante violência a pessoa e grave ameaça, imóveis pertencentes a JoXXXXXXXXXXXXiro.

Consoante restou apurado, no dia 23 de setembro de 2020, LuXXXXXXXXXXXa, proprietária de um imóvel localizado na Tabuba do Morro Branco, distrito de Beberibe/CE, recebeu a visita de uma pessoa que se identificava como advogado, afirmando, em tom ameaçador, que seu imóvel, bem como outros ali situados, estariam fincados irregularmente em gleba de terra pertencente a FXXXXXXXXXXX Filho, ora denunciado. Naquela ocasião, LuXXXXXXXXXXXXseca solicitou que lhe fossem apresentadas provas das alegações, tendo o suposto advogado afirmado que apresentaria documentação comprobatória em momento posterior, deixando o local em seguida.

Apenas para contextualizar os fatos dirimidos nessa inicial, vê-se, a partir da análise dos autos que FXXXXXXXXilho, ora denunciado, é um grande empresário que possui uma propriedade a poucos metros da residência de LuXXXXXXXXXXXXXeca, e que tenta, há anos, expulsar moradores daquela região, sob alegativa de que as residências ali existentes foram inseridas irregularmente em gleba de terra que lhe pertence.

Tanto é que, na madrugada do dia 26 de setembro de 2020, os moradores daquela região, dentre eles LXXXXXXXXXXXXa, foram acordados pelo barulho de um trator, que, acompanhado por um veículo Pajero, iniciaram a derrubada de imóveis residenciais construídos no local. De acordo com os relatos dos presentes, havia cerca de 05 (cinco) homens nos referidos veículos, todos portando ostensivamente armas de fogo, e um deles seria o suposto advogado que visitou LuXXXXXXXXXXXXXeca, dias antes e, que, no cenário ora retratado, liderava os demais criminosos no processo de destruição dos imóveis, bradando reiteradamente que aquela gleba de terra pertencia a FXXXXXXXXXXXXilho.

Evidenciou-se que, após destruir pelo menos 02 (dois) imóveis, cujos proprietários foram identificados como JoXXXXXXXXXXXXXXXiro, o trator rumou em direção a uma outra residência, pertencente a JXXXXXXXXXXXteiro, onde dormiam 02 (duas) crianças e 03 (três) adultos, outrossim para destruí-la. Mesmo tendo sido informado de que existiam pessoas no local, o suposto advogado determinava ao tratorista, a todo momento, que derrubasse aquela estrutura, bradando ‘com todo mundo dentro’. Com efeito, o trator não derrubou o imóvel em questão, com as crianças e adultos em seu interior, porque os moradores entraram na frente do veículo pesado, impedindo a consumação da ação criminosa que poderia ter ceifado a vida dos que ali estavam.

Há um vídeo gravado por PXXXXXXXXXXXta, também moradora da região em discussão, no qual registra parte da ação dos criminosos. Da análise detida das imagens, é possível identificar a placa de um dos veículos utilizados pelo bando, qual seja, KLY4595, correspondente a Pajero fartamente retratada (cf. fl. 67). Em pesquisa realizada no SINESP INFOSEG, constatou-se que o referido veículo pertence à empresa COXXXXXXXXXXXXXIS LTDA, que tem em seu quadro societário FrXXXXXXXXXXho e sua esposa, MXXXXXXXXnto (cf. fls. 68/71).

Assevera a Testemunha JXXXXXXXXa, fls. 57, que no dia 27.11.2020, avistou o referido trator do lado de fora da casa do denunciado e, no dia 28.11.2020, o mesmo trator se encontrava no interior daquela casa, tendo juntado fotos/vídeos, conforme certidão fls.73/74/75 e 97 (vídeo).

Desse modo, há indícios da participação de FrXXXXXXXXXXXXXX , ora denunciado, no cenário criminoso descrito alhures, agindo na condição de mandante dos crimes perpetrados, com fito de expulsar os moradores da Tabuba do Morro Branco, distrito de Beberibe/CE, privilegiando seus interesses econômicos.

Tal constatação robustecesse quando se verifica que em desfavor de FranXXXXXXXXlho, ora denunciado, já tramitam outros processos judiciais por questões semelhantes. A propósito, no bojo do processo nº 0016763-28.2016.8.06.0049, consta acusação de que este teria determinado a derrubada de outras casas na mesma localidade. Outrossim, nos autos nº 0015840- 02.2016.8.06.0049, há imputação análoga com agravante de que teria permanecido dentro de um veículo enquanto seus subordinados promoviam a destruição de diversos imóveis na localidade fartamente indicada.

II. DA TIPICIDADE

A partir da análise dos elementos informativos produzidos, verifica-se que FrXXXXXXXXXXXXXlho, ora denunciado, em comunhão de desígnios e unidade de propósitos com indivíduos ainda não identificados, tentou ceifar a vida de JoXXXXXXXXXXXXXXXXa, não consumando os atos por circunstâncias alheias à sua vontade.

(...)

De logo, considerando que o móvel do homicídio na modalidade tentada seria um litígio por terras, configura- se a qualificadora do motivo fútil.

Desse modo, vê-se que a conduta descrita alhures, efetivamente, harmoniza-se com as descrições típicas do ART. 121, § 2º, INC. II, C/C ART. 14, INC. II, DO CÓDIGO PENAL.

Outrossim, tem-se que o denunciado, no mesmo contexto, destruiu, mediante violência a pessoa e grave ameaça, imóveis pertencentes a JoXXXXXXXXXXXXXxo. Portando, há incursão também no crime disposto no ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. I, DO MESMO CÓDEX.

(...)

Diante do exposto, vem o Representante do Ministério Público oferecer denúncia contra FXXXXXXXXXXXXXO, como incurso nas sanções do ART 121, § 2º, INC. II, C/C ART. 14, INC. II, DO CÓDIGO PENAL E ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INCS. I E IV, DA MESMA LEGISLAÇÃO, requerendo, uma vez recebida e autuada esta, citação do acusado para apresentação de defesa, designando-se, em seguida, audiência de instrução e julgamento, momento para o qual devem ser intimadas as testemunhas e vítima abaixo arroladas, seguindo o processo seus termos ulteriores até a prolação de sentença condenatória" (eDoc. 2).

O Juízo da 1a Vara Criminal de Beberibe-CE recebeu a denúncia nos seus exatos termos, ou seja, por suposta prática dos crimes de dano qualificado e de tentativa de homicídio. In verbis:

"O Ministério Público com assento neste Juízo, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, e lastreado no incluso Inquérito Policial, oferta denúncia em desfavor de FXXXXXXXXXXXXXXXHO, devidamente qualificado, incursando-o nas penas do art. 121, § 2º, II c/c art. 14, II, e art. 163, parágrafo único, I e IV, todos do Código Penal. Efetivamente, o juízo aqui proferido é, segundo a melhor doutrina, de mera admissibilidade da acusação.

Compulsando-se os autos, verifica-se que a peça delatória atende aos requisitos do art. 41, do CPP, eis que contém a exposição de fato que em tese constitui crime, realçando-lhe as circunstâncias, notadamente quanto ao sujeito ativo, sua suposta conduta, o bem jurídico penalmente protegido e pretensamente afetado, o tempo e o lugar do fato, trazendo, ainda, a qualificação do denunciado, a classificação do crime que lhe é imputado e o rol de testemunhas.

Não se vislumbra, nesta oportunidade, quaisquer das hipóteses do art. 395 do referido diploma legal, sendo certo que o Ministério Público se perfaz como o titular da ação penal, assim como inexiste, até o momento, qualquer causa de extinção da punibilidade, não se cogitando, em primeira análise, de falta de justa causa para a provocação do jus puniendi.

Assim, entendo que a análise preliminar dos autos revela a presença das condições da ação penal e dos pressupostos processuais.

Por último, considerando o ofício de pgs. 899/928, deixo de conhecer o pedido formulado pelo Ministério Público (pgs. 483/485), ante a perda superveniente do objeto, restando prejudicada a sua análise.

Isto posto, satisfeitos os requisitos elencados no art. 41 e ausentes quaisquer das hipóteses de rejeição a que alude o art. 395, ambos do CPP, RECEBO A DENÚNCIA ofertada pelo Ministério Público contra FXXXXXXXXXXXXXHO, por infração ao art. 121, § 2º, II c/c art. 14, II, e art. 163, parágrafo único, I e IV, todos do Código Penal" (eDoc. 17).

Como visto, a imputação constante da exordial acusatória diz respeito à tentativa de homicídio, tendo-se esclarecido que a ação praticada pelo paciente, em comunhão de desígnios e unidade de propósito com terceiros, teve o escopo de "ceifar a vida de JXXXXXXXXXXXXXXXa, não consumando os atos por circunstâncias alheias à sua vontade".

Contudo, não há por parte da denúncia a descrição mínima de quais circunstâncias alheias à vontade dos agentes, caracterizadora da tentativa imperfeita, teriam impedido os agentes, se dolo houvesse , de consumar o delito de homicídio.

Observe-se que a suposta vítima JXXXXXXXXXXXXXo nada disse em seu depoimento a respeito de disparos de arma de fogo contra sua pessoa (eDoc. 5).

Por sua vez, a suposta vítima MXXXXXXXXXXXa narrou que um dos seguranças do paciente "atirou três vezes, uma para o alto e duas em direção aos pés da depoente e do seu esposo" (eDoc. 5, p. 11 - grifos nossos)

Não se pode inferir, portanto, da narrativa apresentada na denúncia, quando associada aos depoimentos das vítimas e testemunhas, a existência do animus necandi necessário à configuração de crime doloso contra a vida, já que os disparos de arma de fogo foram efetuados, um para o alto e dois para o chão na direção dos pés das vítimas, parte na qual a taxa de mortalidade é praticamente nula.

Verifica-se, portanto, que a denúncia não preencheu os requisitos mínimos de validade, notadamente a justa causa para a persecução penal, o que sinaliza evidente excesso de acusação em relação ao paciente, no que diz respeito à tentativa de homicídio imputada.

O repertório jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal admite o trancamento de ação penal por falta de justa causa, diante da ausência de lastro probatório mínimo de autoria e/ou materialidade do crime (v.g. HC nº 89.398/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia , DJ de 26/10/07; HC nº 108.748/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski , DJe de 27/6/14).

Ao Poder Judiciário, em sua precípua função de garantidor de direitos fundamentais, cabe exercer rígido controle de legalidade da persecução penal, e mantê-la, nas apontadas condições, constituiria manifesto constrangimento ilegal .

Não é preciso rememorar, com Francesco Carrara e sua célebre "As misérias do processo penal", o constrangimento que representa, por si só, a deflagração da persecução penal .

Como ressaltado pelo Ministro Gilmar Mendes , redator do acórdão do HC nº 84.409/SP, em lição pertinente à espécie,

"[q]uando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, que, entre nós, tem base positiva no artigo , III, da Constituição" (Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa , DJ de 19/8/05).

Ainda sobre o tema, Sua Excelência, ao citar os comentários de Günther Dürig ao art. 1º da Constituição alemã, sublinhou que

"a submissão do homem a processo judicial indefinido e sua degradação como objeto de processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana [" Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs. "] (MAUNZ/DÜRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, München, Verlag C.H.Beck , 1990, 1 18). Não é difícil perceber os danos que a mera existência de procedimento penal impõe ao indivíduo. Daí, a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa de persecução e daqueles que podem decidir-lhe o curso" (HC nº 159.697/RJ, Segunda Turma, DJe de 10/11/20 - grifos nossos).

Consigno, por fim, que não estou a reexaminar fatos e provas, o que é vedado na via eleita, segundo larga jurisprudência (HC nº 145.562-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso , DJe de 21/5/18; HC nº 152.118-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux , DJe de 17/5/18; HC nº 149.255-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 8/5/18; HC nº 149.954-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria , DJe de 6/2/18; e HC nº 105.022, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia , DJe de 9/5/11).

Com efeito, a análise verticalizada dos autos levada a cabo situa-se no campo da revaloração de matéria fática bem retratada nos autos pela denúncia, de modo que estou a emprestar a ela a correta consequência jurídica.

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a nova valoração de elementos fático-jurídicos não se confunde com a reapreciação de matéria probatória (v.g. HC nº 82.219/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 19/12/02).

No mesmo sentido, vide os seguintes precedentes:

"O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Rio Grande do Sul, atribuiu nova valoração dos elementos fático-jurídicos existentes nos autos, qualificando-os como caracterizadores do crime de tráfico de entorpecentes, razão pela qual não procedeu ao revolvimento de material probatório para divergir da conclusão alcançada pelo Tribunal de Justiça. No caso em tela, não houve julgamento contrário à orientação contida na Súmula 07, do STJ, eis que apenas se procedeu à revaloração dos elementos admitidos pelo acórdão da Corte local, tratando-se de quaestio juris, e não de quaestio facti" (HC nº 95.282/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 7/11/08).

"Habeas corpus . Penal e Processual Penal. Recurso especial. Revaloração do conjunto fático-probatório. Admissibilidade.Hipótese que não se confunde com reexame de provas. Precedentes. Estupro (art. 213, § 1º, do CP). Pena. Dosimetria. Continuidade delitiva (art. 71, CP). Majoração da pena no máximo legal de 2/3 (dois terços). Admissibilidade. Delitos praticados durante 6 (seis) anos contra a mesma vítima. Imprecisão quanto ao número de crimes. Irrelevância. Dilatado lapso temporal que obsta a incidência do aumento em apenas 1/6 (um sexto). Ordem denegada" (HC nº 127.158/MG, Segunda Turma, de minha relatoria , DJe de 27/8/15).

Por fim, relativamente à prisão preventiva, não se verifica nenhum dado novo apto a afastar a conclusão anteriormente lançada, a qual foi reforçada com o exame de mérito.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

PRIMEIRA TURMA

(STF - HC: 205206 CE, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 26/06/2023, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10-07-2023 PUBLIC 11-07-2023)

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