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1 de Maio de 2024

STF Set23 - Acesso a Integra das Provas da Investigação - Não Cabe ao MP dizer quais Provas Interessam à Defesa

há 5 meses

RECLAMAÇÃO 61.894 SÃO PAULO RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

DECISÃO: Trata-se de reclamação em que articula violação à Súmula Vinculante 14.

Narra o reclamante que não teve acesso, antes da apresentação da defesa prévia, a elementos de prova documentados nos autos de inquérito policial, imprescindíveis ao adequado exercício do direito de defesa, bem como que o sigilo da apuração, quanto aos atos já documentados, não é oponível ao investigado.

Elucida que, conquanto a ação penal originária decorra de investigação criminal que tramitou em Comarca diversa, se o MPSP teve acesso ao caderno investigatório na íntegra, a fim de propor a denúncia, a mesma oportunidade deve ser franqueada ao reclamante, a fim de que execute adequadamente a defesa, como corolário do princípio da paridade de armas. Aduz que “não cabe à Polícia Civil de São Bernardo do Campo ESCOLHER a prova que remete ao Ministério Público de Diadema para que embase a Denúncia ora combatida. Cabe ao órgão policial, na verdade – e por óbvio que o é –, permitir que a íntegra da prova produzida naqueles autos seja acessada por quem tenha esse direito” e que “se as provas foram produzidas e documentadas em outro procedimento, AMILTON tem o direito constitucional de apresentar sua defesa apenas após ter efetivo acesso a elas.”

Assim, busca-se “a anulação da Defesa Prévia apresentada sem acesso à íntegra dos processos originários, a concessão de prazo razoável para análise daqueles autos em conjunto e a devolução do prazo para apresentação de nova Defesa Prévia, esta sim praticada após acesso a todas as provas.” Pugna pelo provimento da reclamação para que: “I) se promova a anulação do processo desde a intimação da Defesa para apresentar a defesa prévia; II) se conceda o prazo razoável de 30 (trinta) dias para análise e estudo conjunto, profundo e global dos cinco processos correlatos e suas relações com a ação penal em que o Reclamante é acusado (seis processos ao todo); III) se defira a devolução do prazo legal de 10 dias da Lei nº 11.343/06, para que AMILTON apresente sua defesa prévia em harmonia com o princípio da ampla defesa, agora mediante conhecimento pleno dos elementos de prova encartados nos autos da investigação originária IV) se determine a URGENTE revogação da prisão preventiva, que se protrai já há 103 (cento e três) dias, considerando que a concessão da ordem levará ao refazimento de atos processuais que levarão, além do tempo do trâmite da Reclamação, ao menos 40 dias, e, portanto, aumentará o tempo total de tramitação processual até a sentença final, por motivo ao qual o Reclamante não deu causa, mas, sim, o juízo.”

É o relatório. Decido.

O cabimento da reclamação, instituto jurídico de natureza constitucional, deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência, que somente a concebem para preservação da competência do Tribunal e para garantia da autoridade de suas decisões (art. 102, I, l, CF), bem como contra atos que contrariem ou indevidamente apliquem Súmula Vinculante (art. 103-A, § 3º, da CF). Portanto, a função precípua da reclamação constitucional reside na proteção da autoridade das decisões de efeito vinculante proferidas pela Corte Constitucional e no impedimento de usurpação da competência que lhe foi atribuída constitucionalmente. A reclamação não se destina, destarte, a funcionar como sucedâneo recursal ou incidente dirigido à observância de entendimento jurisprudencial sem força vinculante. 2. No caso dos autos, à vista do quadro probatório, o apontado desrespeito ao comando da Súmula Vinculante 14 pode ser aferido de pronto.

No caso dos autos, consoante depreende-se da documentação acostada, o ora reclamante solicitou, desde o primeiro momento, em sua defesa preliminar (eDOC.03, p. 133), acesso aos autos de investigação que subsidiaram a propositura da denúncia, mas tal providência foi negada pela Juíza de 1º grau sob o seguinte fundamento:

“Em relação ao pedido de acesso aos autos n.º 1506745- 73.2023.8.26.0564, n.º 1507536.42.2023.8.26.0564 e n.º 1506815- 90.2023.8.26.0564, deverá a d. defesa solicitar diretamente nos referidos procedimentos, juízo diverso.” (eDOC.05).

Na sequência, à vista de nova menção pelo Ministério Público (eDOC.04, p. 142) quanto a documentos a que a defesa não teve prévio acesso (documentos transladados de autos sigilosos 1506923-22.2023.8.26.0564, no bojo do qual foram deferidos mandados de prisão temporária e de busca e apreensão do corréu que foi processado naqueles autos), a defesa insistiu no reconhecimento de nulidade da primeira defesa prestada e devolução do prazo processual respectivo, o que foi novamente indeferido pela Juíza singular, nos seguintes termos:

“Em que pese a manifestação da d. Defesa Constituída do réu, mantenho a juntada lícita da documentação de fls. 336/352. Isso porque já consta desde (e no) boletim de ocorrência de fls. 08/11, que a partir de autorizada, e portanto lícita, apreensão do aparelho celular e acesso aos seus dados referente a outro indiciado (Diogo) em outro feito criminal (que tramita na comarca de SBC), se teve notícia de que o réu Amilton seria um dos integrantes de uma organização voltada à traficância de drogas, o que ensejou a lavratura do presente IP, a apurar essa nova notitia criminis envolvendo terceira pessoa (Amilton) diversa àqueles autos, a quem, portanto, não se impunha o segredo de justiça, sob pena de todos os delitos descobertos por meio de prova lícita, ainda que em autos sob sigilo, não poderem ser apurados à esse pretexto.
Dito isso, já era de conhecimento da Defesa a causa originária da instauração do presente IP, de modo que a prova documental ora juntada pelo Ministério Público só se tratou de outro tipo da mesma prova já produzida oralmente e que trouxe, mais detalhadamente, o mesmo conteúdo, qual seja, das conversas telefônicas e por aplicativo entre o acusado Amilton e Diogo (indiciado em outro processo), prova esta, inclusive, que passará sob o crivo do contraditório, em momento oportuno. Não bastasse isso, tem-se ser o MP órgão estatal, incumbido da persecutio criminis in judicio de ações penais de natureza pública, com prerrogativas ínsitas a poderes de condução e investigação penal, e acesso a sistemas de inteligência e de registros criminais a autos que tramitem em qualquer comarca do Estado de SP (Lei n. 13.964/19). Ademais, os feitos que tramitam perante à Comarca de São Bernardo do Campo, em que foi determinada à expedição dos mandados de busca e de prisão, foram mencionados às fls. 09, juntados às fls. 336/352, e o d. Defensor constituído após (fls. 301). Por fim, anoto que a prova é necessária e útil ao feito para ser analisada com o contexto probatório e provas a ainda serem produzidas em juízo.
2. No mais, aguarda-se a realização da audiência designada às fls. 145/146, solicitando trato de urbanidade entre as Partes” (grifei).

Finalmente, em resposta a pedido de informações formulado por esta Suprema Corte, a autoridade reclamada justificou, quanto ao ponto ora sob controvérsia:

“Diante de todo o explanado, entendo que o acesso aos autos com segredo de justiça e que tramita em comarca diversa (São Bernardo do Campo), não tem este juízo competência para deferir requerimento de acesso irrestrito àquelas provas, devendo tal pleito se feito junto ao juízo competente. Assim como a transcrição da totalidade dos áudios e seu contexto, que provavelmente já devam constar naqueles autos, dado que nesse nosso feito há apenas o trecho da conversa de Diogo com o acusado desses autos, Amilton, identificado pelo número do telefone, culminando com a descoberta de seu endereço, no qual foram localizadas justamente as drogas por ele citadas no áudio, e apreendidas. E com relação ao processo em tela, o acesso sempre foi integral à Defesa,inclusive com acesso ao áudio do QR-Code de fl. 41, juntado aos autos desde o dia 11/05/2023 e à disposição das Partes e do juiz. Neste, inclusive, se ouve claramente o conteúdo que o d.Advogado ora pleiteia seja transcrito: "...tava na mão (viado), tô com pedaços de maconha tudo parado, 15 litros de lança parado, só esperando entrar dinheiro e nada", sendo desnecessária,portanto, perícia para isso, data venia. Ainda, argumenta o d. Advogado que sem prova pericial não há como saber se avoz da pessoa que faz tais alegações seria mesmo a do réu, seu cliente. Contudo, para tanto, faz-se necessário que o acusado forneça material (sua voz) para que a perícia possa analisar, e a Defesa não se manifestou sobre a concordância de colaborar nesse sentido. Assim, após colheita de prova e verificação da imprescindibilidade de outras provas a ainda serem produzidas, aguardou-se aaudiência já designada para o dia 18 de setembro p.f. , sendo esta a fase na qual os autos se encontram.”

Tais fundamentos, como se pode observar, divergem da compreensão desta Corte a respeito do alcance do enunciado 14 da Súmula Vinculante. Primeiramente, a meu ver, não cabe à autoridade judicial ou ao Ministério Público selecionar quais das provas colhidas, incorporadas aos autos referentes aos fatos objeto de investigação são ou não úteis ao desenvolvimento da estratégia defensiva no trâmite da ação penal.

Como os órgãos incumbidos da investigação e da acusação tiveram amplo acesso aos elementos apreendidos e selecionaram aqueles que, relacionados ao caso, seriam úteis para o oferecimento da denúncia, entendo, em razão da paridade de armas e do princípio da comunhão da prova que deve ser concedida à defesa idêntica oportunidade a fim de que ela própria possa verificar os eventuais dados probatórios que possam ser utilizados em seu benefício.

Nesse sentido, destacam-se as valiosas lições do eminente Ministro Celso de Mello em primoroso voto proferido na Segunda Turma desta Suprema Corte:

“Cabe assinalar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema ora em análise, considerados os diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes já formalmente incorporados. Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à ‘informatio delicti’, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais. Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica. É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado. Essa compreensão do tema – cabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, ‘Da Prova no Processo Penal’, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, ‘O Princípio da Comunhão da Prova’, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19- 33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184): ‘E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência.(...).’ [...] É por tal razão que se impõe assegurar, à pessoa investigada, por intermédio dos patronos que constituir, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal em causa, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a sua própria defesa. É fundamental, no entanto, como salientado, que os elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos no autos da persecução penal. O que não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é impedir que o indiciado (ou aquele sujeito a investigação penal) tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados),veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo.” ( HC 90.099/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 27.10.2009, grifei)

No ponto, consigno que o fato de ter a investigação criminal originária tramitado em Comarca diversa não é justificativa hábil a limitar o acesso a material indispensável ao direito de defesa. Trata-se, a rigor, de entrave facilmente contornável, seja mediante determinação de translado formulada pela própria Juíza a quo, seja mediante determinação de que o órgão responsável pela persecutio criminis o faça.

Ora, se a investigação já estava concluída a ponto de ensejar a propositura de denúncia, cumpria ao MP instruir a exordial acusatória com toda documentação necessária a demonstrar os fatos e a imputação que à Juíza de primeiro grau dirigiu. Não se está a tratar aqui, - é importante que se esclareça- de prova vetorial, que guarda interesse unicamente à defesa.

Do que se depreende da narrativa processual, a documentação que tramitou na Comarca de São Bernardo, e a qual a defesa teve acesso extemporâneo, foi o essencial à propositura da denúncia, de modo que é adequado que o Juízo possa examiná-la, já na gênese processual, e também franquear o seu acesso à defesa. O exame de recebimento de denúncia, conquanto prelibatório, não é despido de conteúdo, e por isso os indícios de materialidade e autoria devem ser cotejados, desde essa fase, à luz do produzido em sede inquisitorial.

Evita-se, com esse atuar diligente, dar continuidade a eventual abuso no exercício de jus puniendi irregular ou excessivo, bem como logra-se sanar eventuais nulidades praticadas em sede investigatória, a fim de que não contaminem o trâmite da ação penal.

Desse modo, valendo-me das palavras do Min. Andrê Mendonça, em recente, julgado “é certo que não se confundem os requisitos para o recebimento da denúncia —providência baseada em juízo de mera delibação, jamais de cognição exauriente—, com o juízo de procedência da imputação criminal, realizado tão somente ao final do processo-crime, após encerrada a instrução criminal. Contudo, a submissão do paciente ao processo-crime, sem que haja narrativa embasada no respectivo suporte probatório mínimo, acarreta, para além do constrangimento ilegal da inclusão em polo passivo de ação penal, efeitos negativos sobre a personalidade da pessoa acusada, implicando dúvidas a respeito, por exemplo, da própria reputação, do nome e da imagem, elementos que compõem o patrimônio inalienável do ser humano.” ( HC 211853 / PB, Relator (a): Min. ANDRÉ MENDONÇA. Dje Publicação: 05/06/2023)

Consoante a essa diretriz, destoa também da compreensão construída por este Tribunal em torno do paradigma apontado como violado a ideia de que o mero contraditório diferido, tal como sugerido pela Juíza a quo, supriria eventual negativa de acesso aos elementos de prova antes da realização da audiência de instrução. Efetivamente, estando presentes os requisitos enumerados por esta Corte, tem a defesa o direito de acessar os autos correspondentes aos procedimentos investigativos em fase processualmente adequada, a fim de produzir novas provas - se necessário - bem como para fazer frente à acusação que contra o réu foi dirigida.

Nessa linha, destacam os seguintes julgados desta Corte: “12. A autoridade reclamada informa “que não foi negado acesso a qualquer elemento de prova, ao contrário, apenas atribuiu ao reclamante o dever de solicitar diretamente aos órgãos públicos as provas que reputa necessárias à defesa”. 13. Tais fundamentos não justificam a negativa de acesso às provas dos autos pelo advogado do autor, especialmente às imagens de um crime de que o reclamante é acusado e fundamenta a própria denúncia. 14. Dito isso, na ausência de motivo concreto para a negativa de acesso às imagens gravadas do fato criminoso, mencionadas pelo Ministério Público na denúncia, é caso de se reconhecer violação à Súmula Vinculante 14.” ( Rcl 57039 AgR / RS, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Publicação: 16/02/2023, grifei) “Reclamação. Penal e Processual Penal. 2. Interceptação telefônica e telemática. 3. Súmula Vinculante 14, do STF.Direito de defesa e contraditório. 4. Situação de dúvida sobre a confiabilidade dos dados interceptados juntados aos autos, embasada em elementos concretos. 5. Necessidade de preservação da cadeia de custódia. 6. Possibilidade de obtenção dos arquivos originais, enviados pela empresa Blackberry, sem prejuízo à persecução penal. 7. Procedência para assegurar à defesa o acesso aos arquivos originais das interceptações, nos termos do acórdão.” ( Rcl 32.722/MT, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07/05/2019 – grifei) “(...) IV - Deve ser viabilizado ao acusado o exercício do contraditóriopara repelir, se for o caso, tudo aquilo que venha a ser usado contra ele pela acusação, evitando abusos e a ocultação de elementos de prova, de modo a fazer valer o direito constitucional ao devido processo legal e à ampla defesa.” ( Rcl 33.543-AgR-AgR-ED-AgR/PR, Red. p/ acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2020 – grifei)
“INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. , INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal. - O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.” ( HC 87725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 18/12/2006)

É certo, de outro lado, que a Constituição da Republica estabelece como invioláveis “a intimidade e a vida privada (...) o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”, ressalvados, contudo, “no último caso por ordem judicial” e “fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (art. 5º, X e XII).

Nesse contexto, é necessário estabelecer um equilíbrio que possa equacionar de maneira adequada e razoável a garantia à inviolabilidade da intimidade e da vida privada com o direito à ampla defesa e ao contraditório para aqueles sujeitos à investigações e processos criminais. Reputo, como solução adequada ao caso concreto, o acesso integral e imediato a toda documentação relacionada aos autos de investigação que subsidiaram a propositura da denúncia, com a consectária renovação do prazo para resposta à acusação, e realização de nova audiência de instrução e julgamento (acaso já prolatada), bem como sentença (acaso já prolatada).

3. Diante do exposto, com fulcro no artigo 161 do RISTF, julgo procedente a presente reclamação para determinar que a autoridade reclamada franqueie à defesa do reclamante acesso integral a todos os documentos relacionados a investigação que subsidiou a denúncia (acaso a eles ainda não tenha tido acesso), renovando, ademais, todos os atos processuais havidos desde a fase de resposta à acusação (inclusive devolvendo o prazo respectivo para a apresentação, pela defesa, da respectiva peça processual). Comunique-se, com urgência, à autoridade reclamada, a quem caberá a implementação desta decisão.

Intimem-se. Brasília, 8 de setembro de 2023. Ministro EDSON FACHIN Relator Documento assinado digitalmente

(STF - RECLAMAÇÃO 61.894 , Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 08/09/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 12/09/2023 PUBLIC 13/09/2023)

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