Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
6 de Maio de 2024

STJ 2023 - Estupro de Vulnerável - Na Ausência de Vara de Proteção à Infância, a Competência é da Vara de Violência contra a Mulher

mês passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 856847 - SP (2023/0347525-3)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em benefício de D S (ou D S P), em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, no julgamento do HC n. 3005311-18.2023.8.26.0000.

De acordo com os autos, entre 2015 e 2019, o paciente teria praticado atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra a menor J F S, razão pela qual o Ministério Público ofereceu denúncia, imputando a prática do crime descrito no art. 217- A do Código Penal.

A peça acusatória foi recebida em 19 de maio de 2023 pelo Juízo da 3a Vara Criminal de Guarulhos (e-STJ, fls. 81-82). Contra essa decisão, impetrou-se habeas corpus perante a Corte estadual, aduzindo, em síntese, a incompetência do mencionado juízo de primeiro grau, considerando a previsão contida no art. 23, parágrafo único, da Lei n. 13.431/2017, que estabelece como competente para o julgamento e execução de causas decorrentes da prática de crimes contra crianças e adolescentes as varas ou juizados especializados em violência doméstica e temas afins.

A Corte estadual, contudo, denegou a ordem (e-STJ, fls. 162-167), ensejando a impetração deste writ , no qual o impetrante aduz que o foro competente para o processamento e julgamento da ação penal movida em desfavor do paciente é o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, nos termos do já citado art. 23 da Lei n. 13.431/2017.

Assevera que as varas criminais comuns não possuem estrutura de Setor Técnico para auxiliar o Juízo na colheita de provas e no deslinde do feito, trazendo ao processo outros conhecimentos técnicos que são fundamentais para a elucidação de casos dessa delicadeza . Por isso, tramitar o feito pela vara criminal teria, infelizmente, os mesmos embrutecidos efeitos de se tramitar uma ação de guarda e regulamentação de visitas ou uma ação de destituição do poder familiar na vara criminal, sem acesso a um Setor Técnico e recursos interdisciplinares que se destinem à garantia de direitos de réus e de vítimas. (e-STJ, fl. 8)

Informa que a comarca de Guarulhos possui Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e que, no caso sob apuração, havia, de fato, vínculo de natureza familiar, tendo em vista a relação de parentesco entre a mãe da ofendida e a companheira do agressor (e-STJ, fls. 9-10).

Diante disso, requer, liminarmente, a suspensão do andamento da ação penal até o julgamento de mérito deste habeas corpus , por meio do qual pretende a concessão da ordem para que seja reconhecida a incompetência da vara criminal, determinando-se a remessa do feito ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

É o relatório. Passo a decidir.

O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.

De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, a, da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação, recurso em sentido estrito ou agravo em execução, como é o caso, é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, na medida em que o referido dispositivo faz menção expressa a causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais (...) .

Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 27/5/2015.

Cito, ainda, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. MODUS OPERANDI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).

II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. [...] Habeas corpus não conhecido. ( HC 320.818/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 27/5/2015).

HABEAS CORPUS . SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da Republica, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra o

improvimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o que implicaria retorno à fase anterior. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. [...]. (STF, HC n. 113890, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJ 28/2/2014).

Quanto ao rito, tem-se que as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus , a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria ( AgRg no HC 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1/7/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).

Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental ( AgRg no HC 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).

Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).

Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica ( AgRg no HC 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).

Neste caso, constata-se que a matéria trazida a exame tem entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito desta Corte Superior de Justiça, o que torna possível a análise do mérito já nesta oportunidade.

O tema debatido neste habeas corpus diz respeito à prevalência da competência da Vara especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher na hipótese de não existir na comarca vara especializada para o processamento e julgamento de casos envolvendo crimes contra crianças e adolescentes, nos termos do art. 23, parágrafo único, da Lei n. 11.431/2017.

A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento conjunto do HC n. 728.173/RJ e do EAREsp n. 2.099.532/RJ, uniformizou a interpretação a ser conferida ao art. 23, caput e parágrafo único, da Lei n. 13.431/2017, fixando a tese de que, após o advento desta norma, "nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar".

Segundo outro precedente desta Corte, a amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção ( REsp 1550166/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 18/12/2017).

Em arremate, a Sexta Turma desta Corte se manifestou no sentido de ser descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei Maria da Penha, desconsiderando o que, na verdade, importa, é dizer, a violência praticada contra a mulher (de qualquer idade), no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto (RHC n. 121.813/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 28/10/2020).

Com a devida vênia, ao contrário do afirmado pela Corte estadual, é possível extrair dos autos a presença de relação íntima de afeto entre os envolvidos, apta a caracterizar ambiente doméstico para os fins da Lei n. 11.340/2006. Para tanto, necessário levar em consideração o parentesco entre a mãe da vítima e a companheira do acusado e, ainda, a presença de laços de afinidade suficientemente sólidos entre o grupo familiar do qual faz parte o agressor e o núcleo formado pela vítima e sua mãe, a ponto de permitir a permanência da criança durante certo período, sob os cuidados do casal.

Portanto, considerando as circunstâncias descritas nesses autos, verifica-se que a situação se enquadra nas hipóteses previstas nos precedentes citados acima, sobretudo no julgamento do EAREsp n. 2.099.532/RJ, sob a relatoria do eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, segundo o qual nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei 13.431/2017, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas após a data da publicação do acórdão deste julgamento, deverão ser obrigatoriamente processadas nos juizados/varas de violência doméstica e, somente na ausência destas, nas varas criminais comuns.

Diante do exposto, não conheço deste habeas corpus. De ofício, concedo a ordem para determinar a remessa dos autos da ação penal movida em desfavor do ora paciente para a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Guarulhos.

Intimem-se.

Brasília, 27 de setembro de 2023.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

(STJ - HC: 856847, Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: 29/09/2023)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

  • Publicações1084
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações9
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-2023-estupro-de-vulneravel-na-ausencia-de-vara-de-protecao-a-infancia-a-competencia-e-da-vara-de-violencia-contra-a-mulher/2264464165

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciasmês passado

STJ 2023 - Advogado Absolvido por uso de Documento Falso - Endereço e Atestado de Hipossuficiência Falsos do Cliente descritos da Peça Processual

Thais Monteiro, Advogado
Notíciasmês passado

Privacidade no Pix

Daniële Vieira, Advogado
Notíciasmês passado

Importantes considerações sobre a devolução em dobro

Ponto Jurídico, Advogado
Notíciasmês passado

Receita Federal oferece oportunidade de regularização do pagamento de contribuição previdenciária antes do início dos procedimentos de fiscalização

Kemil Aby Faraj, Advogado
Notíciasmês passado

Supremo Tribunal Federal Derruba A "Revisão Da Vida Toda"

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)