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17 de Maio de 2024

STJ Jan 23 - Absolvição em Estupro - Testemunhas (indiretas) que ouviu dizer e elementos de informação

ano passado

Decisão Monocrática

HABEAS CORPUS Nº 791649 - PE (2022/0397321-8)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

PACIENTE : J A R DE O (PRESO)

INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de J. A. R. DE O. contra acórdão do Tribunal de Justiça de Pernambuco, assim ementado:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ESTUPRO. DEPOIMENTO FIRME DA VÍTIMA NA FASE INQUISITORIAL. TESTEMUNHAS QUE CONFIRMARAM OS FATOS NA FASE JUDICIAL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. IMPROVIMENTO DO APELO. DECISÃO POR MAIORIA.

1. Agiu bem o Juízo a quo em fazer uso da comunhão das provas com os elementos informativos, apontando a consonância entre eles, e, por meio de tal operação lógica, proferir decisão condenatória em desfavor do apelante, já que o art. 155 do Código de Processo Penal não veda a utilização de elementos de informação para formar o convencimento do Juízo, mas apenas proíbe que tal convencimento seja amparado exclusivamente nos elementos de informação, o que não é o caso dos autos.

2. Os depoimentos das testemunhas em Juízo confirmam de maneira uníssona o que a vítima afirmara quando contou ter sido estuprada, inclusive havendo perfeita correspondência de detalhes da narrativa.

3. Manutenção do édito condenatório.

4. Improvimento do apelo. Decisão por maioria. (e-STJ, fl. 442)

Alega o impetrante que o paciente foi condenado com base apenas em elementos de informação (depoimento da vítima em delegacia) e testemunhos de "ouvir dizer" (hearsay testimony). Por isso, pede a absolvição.

A liminar foi indeferida.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, é válido lembrar que "esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício." ( HC 529.507/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 12/09/2019).

De todo modo, passa-se ao exame do feito para o caso de eventual ilegalidade flagrante a ser reconhecida de ofício.

No caso concreto, verifica-se que a palavra da vítima não foi confirmada em juízo. Além disso, as testemunhas não presenciaram os fatos em si, apenas ouviram a vítima relatar que havia sofrido a violência (testemunhos de "ouvir dizer" ou hearsay testimony).

Ou seja, a fragilidade probatória é patente. Essa inclusive foi a conclusão do d. Desembargador Relator, vencido em 2a instância, que registrou:

Na Delegacia (fls. 08/09), a vitima declarou que o acusado havia parado a moto e dito à declarante que, caso ela não mantivesse relação sexual com ele, ele iria bater muito nela e passaria com a moto por cima dela. Diante dessa ameaça, a vítima manteve relação sexual forçada com o réu.

O depoimento da vitima, no entanto, não foi ratificado em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Embora de suma importância para o esclarecimento do fatos, já que o suposto crime foi praticado em local ermo e de madrugada, o Parquet dispensou a inquirição da vítima (fl. 195v) por não ter sido encontrada no endereço constante nos autos, quando poderia ter diligenciado a respeito.

As testemunhas de acusação, por sua vez, não presenciaram os fatos narrados na denúncia, razão pela qual suas declarações constituem meros indícios (art. 239 do CPP). Elas apenas souberam do ocorrido a partir do que fora contado pela vítima. Ademais, o exame traumatológico realizado na pessoa do acusado não constatou nenhuma lesão (fl. 42), constituindo forte indício de que não houve resistência ao ato por parte da vítima.

Vê-se, portanto, que a única "prova" existente no sentido de que a relação sexual não foi consentida seria o testemunho da vítima, o qual, como dito, não foi ratificado sob o crivo do contraditório. (e-STJ, fls. 420-421)

Note-se, a propósito, que esta Corte superior não tem admitido a condenação com base apenas no testemunho indireto e nos elementos de informação. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PEDIDO DE CONDENAÇÃO. SUPOSTA VÍTIMA QUE NEGOU EM JUÍZO A OCORRÊNCIA DO CRIME. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. ART. 155 DO CPP. NECESSIDADE DE RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O Tribunal local valeu-se principalmente dos depoimentos prestados pela suposta vítima e sua mãe à polícia, na fase extrajudicial, para concluir que a ofendida sofreu estupros e que o recorrente seria seu autor. Acontece que, quando ouvidas em juízo, essas duas testemunhas centrais negaram suas declarações anteriores, que não foram confirmadas sob o crivo do contraditório, como reconhece o acórdão recorrido.

2. O aresto apenas presumiu que as declarações da suposta vítima e de sua mãe em juízo seriam falsas, mas não apontou nenhum elemento de convicção nesse sentido. Foi necessária, por isso, a restauração da sentença absolutória.

3. É inviável a condenação lastreada unicamente em elementos informativos do inquérito, segundo o art. 155 do CPP.

4. "O testemunho indireto (também conhecido como testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu" (AREsp

n. 1.940.381/AL, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021.)

5. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no AREsp n. 2.127.586/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma,

julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022; grifou-se.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E CORRUPÇÃO DE MENORES. AGRAVADO SUBMETIDO A JULGAMENTO PLENÁRIO.

CONDENAÇÃO PELO CRIME CONTRA A VIDA EM VIRTUDE DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA BASEADA UNICAMENTE EM TESTEMUNHAS POR OUVIR DIZER. INSUFICIÊNCIA. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. "Não se desconhece que há o entendimento consolidado de que, na fase processual do judicium accusationis, eventual dúvida acerca da robustez dos elementos de prova resolve-se em favor da sociedade, consoante o princípio do in dubio pro societate. Ocorre, porém, que essa cognição vem sendo criticada por alguns doutrinadores, refletindo-se na jurisprudência, que ensina que, havendo dúvida quanto à materialidade delitiva ou em relação à existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve prevalecer a presunção constitucional de inocência." ( AgRg no HC n. 729.002/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/06/2022, DJe 29/06/2022).

2. Embora a via estreita do habeas corpus, ou do recurso que lhe faça as vezes, não seja adequada para examinar teses sobre ausência de provas ou sobre falta de indícios suficientes de autoria e de materialidade delitiva, esta Corte Superior possui entendimento no sentido de que não se admite que a pronúncia esteja lastreada exclusivamente em elementos probatórios colhidos na fase investigativa que não foram ratificados em juízo ou em depoimentos judiciais de testemunhas por "ouvir dizer".

3. No caso, a sentença de pronúncia se valeu dos depoimentos de três irmãos da vítima, que não presenciaram o delito, afirmando que teriam ouvido dizer que ele teria praticado o crime junto com diversas outras pessoas, que não foram identificadas, tampouco denunciadas ou pronunciadas. Um dos corréus do Agravado foi absolvido e o outro faleceu no decorrer do processo, não tendo as demais testemunhas arroladas sequer mencionado ter notícia da participação do Condenado na empreitada criminosa.

4. De fato, os indícios de autoria que justificaram a sentença de pronúncia, mantida pela Corte a quo, que resultou na condenação do Réu, são testemunhos de ouvir dizer que não foram corroborados por nenhuma prova judicializada , o que se mostra insuficiente para submeter o acusado ao Conselho de Sentença, que julga por íntima convicção, consoante a orientação do Superior Tribunal de Justiça na matéria.

5. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no HC n. 704.868/AL, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado

em 8/11/2022, DJe de 18/11/2022; grifou-se.)

Diante do exposto, não conheço do habeas corpus, porém, concedo a ordem de ofício, para absolver o réu J. A. R. de O. pelo delito do art. 213 do CP.

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(STJ - HC: 791649 PE 2022/0397321-8, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 13/01/2023)

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