Página 452 da Judicial - 2ª Instância do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 10 de Fevereiro de 2016

45/46). Paulo Calheiros, em seu artigo A Relação entre as Empresas em Recuperação e a Atividade Bancária, ressalta a prática de se inserir a cessão de créditos recebíveis como garantia do adimplemento do contrato: “Em troca da disponibilização do valor à empresa em empréstimo, o banco vincula ao cumprimento do contrato o livre acesso aos recebíveis da empresa. Os devedores da empresa recebem a instrução de pagamento em determinada conta operada pelo banco, sendo estes recebíveis do banco em caso de inadimplência ou mesmo utilizados como forma de pagamento da dívida, pois pelo contrato celebrado com garantia fiduciária, tais pagamentos restaram alienados à instituição financeira.” (Recuperação de empresas e falência, Aspectos práticos e relevantes da Lei n. 11.101/05, Coordenado por Alexandre Alves Lazzarini, Thais Kodama e Paulo Calheiros, Quartier Latin, 2014, p. 116). Referido autor critica o fato de que a garantia é incerta, já que o pagamento dos títulos pelos devedores da empresa, no caso a recuperanda agravada, podem ou não quitar a dívida (idem, p. 117). Este Tribunal, considerando o crédito como bem móvel (art. 83, III, CC), admite sua cessão fiduciária. A questão é objeto do enunciado da Súmula 59: “Classificados como bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de créditos podem ser objeto de cessão fiduciária.” O Superior Tribunal de Justiça considera que tais recebíveis, quando observados os requisitos legais, não se submetem à recuperação judicial: “2. Os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis não se sujeitam à recuperação judicial, a teor do que dispõe o art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005. 3. No caso concreto, foi determinado nos autos de recuperação judicial que instituição financeira devolvesse, diretamente à empresa recuperanda, os créditos recebidos por cessão fiduciária. Tal decisão representa violação frontal à norma jurídica, uma vez que os créditos garantidos por cessão fiduciária não se subsumem aos efeitos da recuperação judicial (art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005), impondo-se, em consequência, a sustação de seus efeitos lesivos ao direito do embargante.” (EDcl no RMS 41646/PA, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 24.9.2013). “RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO GARANTIDA POR CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITOS CREDITÓRIOS. NATUREZA JURÍDICA. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. NÃO SUJEIÇÃO AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ‘TRAVA BANCÁRIA’. 1. A alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, possuem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitando aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 2. Recurso especial não provido.” (REsp n. 1.202.918/SP, relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 7.3.2013). Os direitos de crédito, conhecidos por “recebíveis”, sujeitam-se aos efeitos do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/05, quando as circunstâncias do caso permitirem. Em exame superficial, a propriedade resolúvel de recebíveis transferida ao agravante não exclui seu crédito da recuperação judicial. De acordo com o art. 66-B, § 4º, da Lei n. 4.728/65, a cessão fiduciária exige a individualização das garantias como pressuposto formal de validade em aplicação aos requisitos definidos pelo Código Civil (art. 1.362, IV) e pelo art. 18, IV, da Lei no 9.514/97. O contrato prevê, expressamente, a necessidade de “indicação dos dados constantes das respectivas faturas”, cujos créditos passariam a integrar a garantia e serviria para liquidar o empréstimo por meio da alienação dos “créditos registrados em cobrança” (fs. 110/111, 121/122, 132/133, 143/144 e 153/154). E nem se alegue que a prática impede que a individualização aconteça, pois os contratos estabelecem que o agravante está autorizado a “selecionar, entre os créditos registrados, os que servirão de base para o cálculo” do percentual mínimo e até mesmo admitir que sejam “registrados novos créditos naquelas condições, sempre assegurada a liquidação do empréstimo”. A individualização do crédito, representado pelas faturas, é previsão expressa no contrato e, portanto, de observância pelas partes. Entretanto o agravante negligenciou a apresentação das faturas individualizadas e que integrariam a garantia fiduciária. Não comprovou também que os créditos que ingressaram na conta são vinculados aos referidos contratos. Ao que parece, ele optou por exercer disposição contratual distinta. Aquela que autoriza, em caso de “os direitos cedidos não propiciarem valor suficiente para a integral realização do montante exigível”, o financiador a “receber o saldo específico então disponível”. Não se pode aceitar a liquidação do empréstimo sem a individualização das faturas que representam os créditos cedidos nem tampouco - com mais razão - a utilização de saldo credor na conta vinculada sem que tais recebíveis representem os valores registrados como créditos: “Todavia, apesar de perfeitamente registrados os contratos em questão, padecem de vício quanto à necessária individualização, conforme preceitua o artigo 1.362, inciso IV do Código Civil. O argumento que apenas a recuperanda poderia identificá-los em nada abona o agravante; se assim o é deveria, quando da constituição de garantia, exigir a lista individualizada naquele momento das duplicatas cedidas fiduciariamente e, na hipótese de circulação, atualizar as informações, em consonância com o disposto no Código Civil.” (AI n. 220XXXX-25.2015.8.26.0000, rel. Des. Pereira Calças, j. 29.1.2016). “Referida garantia, é bem de ver, quando consistente na cessão de direitos creditórios deve ser constituída mediante o registro do respectivo contrato junto a Cartório de Títulos e Documentos sediado no domicílio do devedor, a teor da Súmula nº 60 deste E. Tribunal de Justiça, devendo o instrumento, que serve de título à propriedade fiduciária, indicar de maneira precisa os créditos objeto da cessão, nos termos do art. 18, IV, da Lei nº 9.514/97, aplicável por força do art. 66-B, § 4º, da Lei nº 4.728/65. Pois bem. Nota-se, no caso em apreço, que os instrumentos adjetos de cessão fiduciária (fls. 108/113 e 131/136) vinculados à cédula de crédito bancário celebrada pelas partes (fls. 101/107), ao contrário do quanto sustentando pelas agravantes, foram sim registrados perante cartório extrajudicial antes do ajuizamento da recuperação judicial, deixando todavia de discriminar os créditos cedidos ao banco impugnante a título de garantia...” (AI n. 209XXXX-72.2015.8.26.0000, rel. Des. Fabio Tabosa, j. 31.8.2015). “Por fim, anote-se que a decisão agravada se põe em consonância com a orientação que vem sendo adotada nas Câmaras Reservadas, exigindo em situações símiles, de cessão fiduciária de créditos, a sua identificação (TJSP, AI 2112204-65.2014, rel. Des. Maia da Cunha, j. 11.09.2014; AI 2050745-28.2015, rel. des. Fábio Tabosa, j. 18.05.2015; AI 0140020- 90.2013, rel. Des. Araldo Telles, j. 03.02.2014)” (AI n. 222XXXX-20.2014.8.26.0000, rel. Des. Claudio Godoy, j. 24.6.2015). Considerando que o inadimplemento contratual da agravada refere-se aos contratos XXX.401.9XX, XXX.401.9XX, 334.4025.075, XXX.502.8XX e XXX.401.9XX e os créditos cedidos não são considerados como fiduciários, logo, eles devem ser mantidos na recuperação judicial. A destinação dos recebíveis para o pagamento das parcelas do contrato é irregular como visto, exigindo a pronta restituição da quantia liquidada pelo agravante, como bem determinou a decisão agravada: “Ademais, a amortização ou retenção de recebíveis após o ajuizamento do pedido de recuperação judicial pelo banco implica obrigação de restituição dos valores a recuperanda.” (AI n. 040XXXX-11.2010.8.26.0000, rel. Des. Pereira Calças, j. 12.4.2011). Desse modo fica mantida a ordem de restituir as quantias irregularmente utilizadas pelo agravante para liquidar o seu crédito. Passa-se ao exame dos contratos n. 40/00236-5 (fs. 159/173) e 40/237-3 (fs. 174/188). Eles estabelecem que os bens adquiridos pela agravada com o dinheiro obtido com o empréstimo foram alienados fiduciariamente (cláusula décima quarta) e por isso não se sujeitam à recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/05. O agravante não comprovou o inadimplemento da agravada em relação a tais contratos, especialmente, porque ela nega qualquer inadimplência (fs. 95). Frise-se que os valores compensados de sua conta corrente não devem ser utilizados para amortizar os contratos referidos. Não é admitida a compensação com base na cláusula vigésima primeira e segunda (fs. 166 e 181), pois a propriedade resolúvel é representada, nestes contratos, pelo maquinário descrito, e não pelos créditos em conta. Assim sendo, os argumentos em que se baseiam o recurso de agravo de instrumento não são consistentes o bastante para a atribuição de efeito suspensivo, que fica indeferido. Intime-se, portanto, a agravada e o administrador judicial para a apresentação de resposta, bem como abra-se vista à D. Procuradoria de Justiça para opinar a respeito da pretensão do agravante. Int. São Paulo, 5 de fevereiro de 2016. HAMID BDINE Relator - Magistrado (a)

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