Página 2371 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 14 de Agosto de 2014

de manutenção. Ocorre que o clube foi vendido em 2012 e encerrou suas atividades em janeiro de 2013, impossibilitando o acesso dos sócios. Sustenta que o título tem valor comercial e, portanto, as atividades do clube não poderiam ser encerradas sem a justa indenização aos sócios. Pede que o requerido seja condenado a pagar R$ 2.482,28 para reparação dos danos materiais (que corresponde ao valor atualizado do título) e R$ 14.480,00 a título de indenização para reparação dos danos morais (fls. 1/14), estando a resposta acompanhada dos documentos de fls. 15/98. Citada (fls. 197), a requerida contestou a ação sustentando que o título adquirido pelo autor não tem natureza patrimonial, e lhe concedia apenas o direito de uso das instalações do clube sem o pagamento de taxas ou mensalidades, serviço que lhe foi regularmente oferecido, tanto que ele utilizou por vários anos as instalações do clube. Afirma que os associados/frequentadores foram informados do encerramento das atividades do clube, o que se deu por razões financeiras. Também se insurge contra a pretensão indenizatória que entende indevida e excessiva (fls. 199/230), estando a resposta acompanhada dos documentos de fls. 231/322, sobrevindo a réplica de fls. 325/337. A requerida ainda se manifestou a fls. 105/106 e foram acrescentados os documentos de fls. 109/192. É o relatório. Decido: 1. A lide admite julgamento antecipado (art. 330, I, do CPC), e em que pese os abalizados precedentes colacionados pela ré a fls. 253/322, dignos do mais absoluto respeito, é caso de acolhimento parcial do pedido. 2. A relação jurídica que une as partes é atípica, e deve ser previamente delineada para adequado julgamento da causa: 2.1. A ré é pessoa jurídica de direito privado, de responsabilidade limitada (fls. 41/46), cujo objetivo social é o seguinte: A sociedade terá por objeto social a prestação de serviços na implantação e desenvolvimento de clubes recreativos para cultura física, artística, moral, intelectual, cívica, recreativa e esportiva (art. 3º do contrato social; fls. 42). 2.2. Ao invés de firmar contratos de prestação de serviços com pessoas interessadas nos serviços de lazer que oferece, optou por criar um clube social, com estatuto próprio, para funcionar em seu estabelecimento e sob sua gestão (fls. 41/46 60/92). 2.3. Toda estrutura patrimonial pertence à pessoa jurídica (art. 4º - fls. 42), destacando-se que o clube já estava pronto quando foram admitidos os interessados nos serviços de lazer, referidos impropriamente como “sócios”, equívoco terminológico que não tem o condão de alterar a relação jurídica que une as partes. Não houve venda de títulos patrimoniais, mas sim admissão de sócios usuários (mediante pagamento de taxas de manutenção; art. 14 - fls. 67) ou sócios usuários remidos (mediante pagamento de valor único, hipótese em que estavam dispensados do pagamento da taxa de manutenção; art. 9º, § 1º - fls. 63), caso do autor que foi admitido como “sócio remido” em 1984. 2.4. Os termos do estatuto do clube (fls. 60/92) não deixam margem de dúvida de que a relação jurídica que une as partes tem que ser tratada como contrato de prestação de serviços de lazer, e o valor que o autor pagou tem que ser considerado como contraprestação pelos serviços que lhe foram prometidos. 2.5. À luz de tais premissas é que a lide será decidida. 3. O valor que o autor pagou não pode ser restituído por inteiro porque tal implicaria em enriquecimento ilícito, o que o Direito não tolera, na medida em que ele usufruiu (ou ao menos teve à sua disposição) dos serviços de lazer oferecidos pela ré desde a data da aquisição do título (1984; fls. 20/23), até a data em que o clube encerrou suas atividades (01.03.2013; fls. 2). A relação jurídica que une as partes compreende verdadeiro contrato vitalício de prestação de serviços de lazer, que vigorou por 28 anos, cujo rompimento evidentemente não pode ter como consequência a obrigação de devolver a integralidade do valor recebido, como pretende o autor. O clube encerrou as atividades porque estava deficitário, o que legitimava a ré a pedir a resolução do contrato na medida em que a obrigação vitalícia tornou-se excessivamente onerosa, nos termos do art. 478 do Código Civil, que assim dispõe: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. 4. Não obstante, verifica-se que o contrato não foi formalmente rescindido, tanto que a demandada não comprovou sequer que tenha notificado o autor da resolução do contrato, ou que tenha fixado prazo razoável para encerramento das atividades, deliberada em reunião do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva, e não dos associados. O autor simplesmente teve que se sujeitar à cessação dos serviços de lazer, porque a ré deliberou encerrar as atividades do clube, fechando suas portas. Desta forma, embora a ré estivesse em situação que a legitimava a pedir a resolução do contrato, o rompimento prematuro e abrupto da prestação gerou desequilíbrio, que não pode ser desconsiderado, porque afronta os princípios que regem os contratos, destacando-se especialmente que o Código Civil de 2002 positivou a exigência da observância da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Nos termos do art. 421 do Código Civil, a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, e o art. 422 do mesmo Código estabelece que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O esforço para preservação do equilíbrio do contrato também tem amparo nos princípios da eticidade, igualmente adotado pelo Código Civil de 2002, e da equidade. Tratando das diretrizes que nortearam o Código Civil de 2002, Miguel Reale, discorrendo sobre a eticidade, um dos três princípios fundamentais do novo Código, afirmou com objetividade que não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono da técnica jurídica, que com aqueles deve se compatibilizar (Código Civil: diretrizes na elaboração do anteprojeto. Artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo. ed. de 19.08.2001, p. A-14). Por conta de tal princípio é que foi inserido no Código Civil de 2002 ao art. 187, que assim dispõe: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Quanto à aplicação concreta do princípio da equidade, cabível aqui lembrar a lição de Vicente Ráo: É na aplicação do direito que a equidade assume papel mais relevante, não só para determinar a solução mais benigna, senão, também, provocar o tratamento igual dos casos iguais e desigual dos casos desiguais, o que importa a apuração prévia de todas as condições pessoais e reais das relações de fato. É ainda aqui que intervém a Moral, para ditar a solução que melhor se lhe coadune; e a boa-fé, para reclamar respeito e preferência. (O Direito e a Vida dos Direitos. 5ª ed. São Paulo: RT, 1999, p. 521). A ré não estava impedida de vender seu estabelecimento, mas deveria, no mínimo, haver equacionado previamente a formal rescisão do contrato de prestação de serviços objeto da demanda, cumprindo destacar especialmente que não há no Direito hipótese de rompimento de contrato oneroso que não acarrete nenhuma consequência jurídica à parte que teve a iniciativa de romper a relação jurídica. A conduta da ré configura violação do art. 187 do Código Civil porque tem o condão de produzir no autor desalento derivado do abrupto encerramento de suas atividades, levando-a a se sentir agravada e injustiçada por fato alheio, na medida em que é ordinário o inconformismo frente à imposição do poder econômico. Como não há cláusula penal para nortear o rompimento do negócio jurídico, cabível o arbitramento judicial em 20% do valor que o autor despendeu, corrigido monetariamente pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo para cálculo dos débitos judiciais. Nos termos do art. 598 do Código Civil, não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo de serviço e sua qualidade, regra que admite aplicação invertida, para abarcar a indenização substitutiva da obrigação não prestada. A indenização é fixada com observância do prazo em que o contrato foi observado pela ré (28 anos), do principio da razoabilidade, e das regras de experiência comum. Destaca-se ainda que o objetivo maior da imposição é o de restaurar a ética, para que não impere apenas o poder econômico, o que o Direito contemporâneo repudia. Os grandes juristas e os maiores pensadores contemporâneos têm destacado que o Século XXI tem que ser o século da restauração da ética no mundo, sem o que de nada valeram para a humanidade os avanços tecnológicos e econômicos. 5. Não procede,

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