Página 153 da Jurisdicional - Primeiro Grau do Diário de Justiça do Estado de Alagoas (DJAL) de 29 de Agosto de 2014

do delito, como leciona Luiz Flávio Gomes, remete à questão da criação ou incremento de risco proibido (juízo de desaprovação da conduta), assim como da ofensa ao bem jurídico (juízo de ofensividade). Em mesmo sentido, assim elucida Luiz Regis Prado (2002, p. 32/33): O bem jurídico ponto central da estrutura do delito constitui, antes de tudo, uma realidade válida em si mesma, cujo conteúdo axiológico não depende do juízo do legislador. (dado social preexistente) (...) O injusto penal compreende a conduta culpável e ilícita. Do ponto de vista formal, é ilícita quando significa transgressão de uma norma estatal (mandato ou dever) e, em sentido material, quando opera uma lesão ou perigo de lesão a um interesse vital garantido pela norma (bem jurídico). No que tange, entretanto, à tipicidade material, verifico que o fato praticado pelo acusado, em verdade, não trouxe à vítima consequências que justifiquem a intervenção do Estado especialmente porque a própria vítima não compareceu em Juízo para mostrar seu interesse na condenação da ré , sobretudo em se tratando de ramo do Direito orientado por princípios como o da intervenção mínima, o da fragmentariedade, o da subsidiariedade e o da lesividade (ofensividade). Sabidamente, ao dedicar capítulo especial no Código Penal ao tratamento dos crimes contra a liberdade pessoal, pretendeu o legislador resguardar o direito à integridade moral e psicológica da vítima, a quem foi também conferido tratamento especial pela Lei Maria da Penha no âmbito domiciliar. Sem se desvencilhar do fim social a que se propõe a lei, como recomenda a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, cumpre-nos perquirir acerca da ofensividade da conduta praticada pelo réu, contrapondo-a sempre com as consequências advindas de eventual condenação criminal. Nesse contexto, para apurar a tipicidade material, comumente se valem os doutrinadores dos princípios da intervenção mínima, subsidiariedade e fragmentariedade, os quais se relacionam ao mesmo alicerce, bem como do princípio da lesividade (ofensividade). Há de se compreender o princípio da intervenção mínima do Estado como gênero do qual são espécies os princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade. Quanto àquele, tem-se que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção do legislador para dirimir conflitos existentes na sociedade, os quais, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. Em relação ao princípio da subsidiariedade, o Direito Penal só intervém em abstrato tipificando comportamentos quando ineficazes os demais ramos do direito. Já quanto ao princípio da fragmentariedade, pode-se dizer que o Direito Penal só intervém no caso concreto quando houver relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. No que diz respeito ao princípio da ofensividade, cabe destacar que se trata da imprescindibilidade de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico para a própria configuração do delito, que não pode ser admitido em aspecto meramente formal. Enquanto os três primeiros decorrem diretamente da missão fundamental do Direito Penal, este último relaciona-se com o fato e com a própria configuração do delito. É de se ver, contudo, que o princípio da ofensividade está diretamente relacionado com todos os outros citados anteriormente, em especial porque limitam a

atuação do jus puniendi. Reportando-me ao que consta nos autos, e valendo-me do sistema de livre apreciação de provas e da persuasão racional, adotados pelo Código de Processo Penal Brasileiro, entendo ser de notória percepção, sob a égide do princípio da ofensividade, que não há que se falar em lesão ou ameaça de lesão infligida ao bem jurídico tutelado, sobretudo porque a própria vítima, em momento algum demonstrou ter interesse na condenação do acusada. No mais, em que pese encontrar-se respeitado o princípio da subsidiariedade, ante a previsão típica do fato, evidenciada através da tipicidade formal anteriormente demonstrada, imperioso reconhecer que, por força do princípio da fragmentariedade, não demanda o caso intervenção do Estado na seara criminal, vez que, como dito, a vítima não tem demonstrado interesse na condenação da ré, pois não compareceu a este Juízo na audiência de instrução e julgamento. Decorre de tal ilação, logicamente, que diante do caso em tela, recomenda igualmente o princípio da intervenção mínima a desvaloração pelo Estado da conduta praticada pela ré, pois irrelevante aos interesses aos quais o Direito Penal visa tutelar. Há de se reconhecer que a norma jurídica apenas pode ser vista e admitida como instrumento destinado à implementação de decisões justas e adequadas, solucionando os mais variados conflitos emergidos de uma sociedade aberta, plural e multifacetária, observando-se em qualquer caso a finalidade social da norma e os reflexos sociais de cada decisão. Tais fundamentos levam à conclusão de que, tendo em conta o critério teleológico de interpretação da lei, não houve, no caso concreto, violação do bem jurídico a ponto de justificar a intervenção jurisdicional, não podendo o Estado insurgir-se de forma desmedida contra o exercício de direito inerente à própria condição humana, como, no caso, o direito à integridade psicológica. Levando-se, portanto, em consideração o desvalor atribuído pela vítima ao fato em questão, seu desinteresse na punição da ré e, por conseguinte, a recomendável desvaloração do fato no âmbito criminal, como acima demonstrado, entendo se tratar de medida de inteira justiça a absolvição da ré em razão da demonstrada ausência de tipicidade material do fato, elemento que exclui o fato típico e, por conseguinte, o próprio crime. 3. Dispositivo Expostas, portanto, as razões de fato e de direito que lastreiam a presente Decisão, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, ABSOLVENDO A RÉ WILIANE BRITO DOS SANTOS DA ACUSAÇÃO QUE LHE É IMPUTADA, com fulcro na expressa disposição do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. 8. Das disposições finais 8.1.Em atenção ao que dispõe o artigo 387, inciso VI, do Código de Processo Penal, publiquese a presente Sentença em seu conteúdo integral no Diário de Justiça Eletrônico do Estado (DJE); 8.2.Intimem-se pessoalmente a ré e a vítima (esta em atenção ao disposto no artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal) seguindo-lhes cópia integral da Sentença; 8.3.Intimem-se o Promotor de Justiça e o Defensor Público com vista dos autos; 8.4.Caso alguma das partes interponha recurso contra a presente, certifique-se acerca da realização de todas as intimações e, em seguida, voltem-me os autos em conclusão para realização do juízo de admissibilidade do recurso; 8.5.Caso, no entanto, decorram os prazos sem interposição de recurso, apesar de devidamente intimadas todas as partes, certifique-se o trânsito em julgado, oficie-se ao Cartório Eleitoral desta cidade para fins do disposto no artigo 15 da Constituição Federal, encaminhe-se cópia de seu Boletim Individual, devidamente preenchido, ao Instituto de Identificação, a teor do § 3º do artigo 809 do Código de Processo Penal, e lance-se o nome do condenado no rol dos culpados, atendendo ao previsto no artigo , inciso LXIII, da Carta Magna; 8.6.Cumpridos integralmente todos os comandos, arquivem-se os autos com as cautelas legais; 8.7.Custas processuais pelo réu, ficando, todavia, suspensa sua exequibilidade pelo período de até 05 (cinco) anos, em razão da situação de pobreza indicada nos autos, podendo ser cobradas as custas a qualquer tempo, dentro deste interregno, desde que o réu venha a possuir condição financeira para arcar com as custas, no todo ou em parte; 8.8.Registre-se e cumpra-se. Arapiraca (AL), 24 de março de 2014. Sóstenes Alex Costa de Andrade Juiz de Direito

ADV: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA FREIRE (OAB 6941/SE) - Processo

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