Página 539 da Caderno 2 - Entrância Final - Capital do Diário de Justiça do Estado da Bahia (DJBA) de 5 de Março de 2015

semáforo havia fechado e os carros encontravam-se parados, o mesmo não conseguiu executar o freio e parar o veículo, tendo inciado uma série criminosa apavorante que culminaria na morte da vítima". Ato contínuo, segundo a denúncia,"estando em local de grande circulação, o denunciado direcionou o veículo para o estacionamento, atingindo inicialmente 02 (dois) veículos. Logo após, a vítima, que se encontrava próxima ao seu veículo, foi subitamente atingida, sendo pressionada e arrastada contra a traseira de outros 02 (dois) veículos. Em seguida, o veículo do denunciado atingiu mais 02 (dois) automóveis, percorrendo aproximadamente 46,50 (quarenta e seis metros e meio". E que, conforme" conclusão do laudo pericial nº 200818PC0004001 (fls.46-53), o pedal do freio do veículo conduzido pelo denunciado travou "em razão do péssimo estado de conservação do veículo, com pneus sem antiderrapante e comprometimento do sistema de freios devido a vazamento na região do compartimento do filtro de ar do hidrovácuo fazendo com que o mesmo levasse mais tempo que o normal para encher e efetuar frenagens eficientes". Narra, ainda, o Parquet que o acusado tentou evadir-se do local do delito e que a vítima, apesar de conduzida com vida ao hospital, não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Desta maneira, entendeu o órgão ministerial que o acusado estaria incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, IV, do CPB (homicídio qualificado pela surpresa, na modalidade do dolo eventual). Denúncia recebida em 18/04/2008, às fls.79. Acusado citado às fls.126. Saneamento do feito às fls.131, diante da mudança procedimental trazida pela lei 11689/2008. Resposta à Acusação às fls.132-133. O feito seguiu os trâmites normais, com instrução encerrada sem qualquer mácula. Em sede de Alegações Finais (fls.151-1553), o Ministério Público pugnou pela Pronúncia do acusado, nos termos da Denúncia. A defesa do acusado, por sua vez, em suas alegações derradeiras (fls.186-192), asseverou que: 1- O delito deveria ser desclassificado para homicídio culposo na direção de veículo automotor (Art. 302 do CTB); 2- Subsidiariamente, deveria ser decotada a qualificadora referente à surpresa, já que esta pacificado no STF que tal qualificadora é incompatível com o dolo eventual, tese desenvolvida pelo Ministério Público na Denúncia. Trasladação de Cadáver da vítima às fls.30. Ato de embalsamamento do cadáver às fls.31. Laudo de Exame cadavérico às fls.122-124. Laudo de Exame Pericial realizado no local do acidente às fls.50-57. Quadro fotográfico do local às fls.58-61. Croqui descrevendo o acidente às fls.62-63. Em seguida, os autos vieram conclusos para Sentença.

É o relatório. Segue decisão. II- Fundamentação. A presente Ação Penal Pública Incondicionada fora instaurada com o intuito de apurar a responsabilidade criminal do acusado pela prática da conduta delitiva descrita no artigo 121do Código Penal Brasileiro, na forma do artigo 14, II, do mesmo diploma legal. Reza o art. 413 do Código de Ritos Penais que, in verbis: "O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação". Por outro lado, o artigo 418 do mesmo diploma legal dispõe que"O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave". A materialização de definição jurídica diversa da apontada pelo Ministério Público na Denúncia nesta etapa processual deve ser vista com cautela, sob pena de subtração da competência constitucional do Tribunal do Júri. Portanto, especialmente para a desclassificação delitiva ser operada, neste momento processual, ela necessita estar cabalmente configurada. No presente caso, porém, restou, sim, comprovado de plano, que o delito praticado pelo acusado diverge do apontado pelo Ministério Público durante o transcurso processual. Ressalto, ainda, que esta 1ª Vara Criminal possui competência para apreciar, processar e julgar o delito para o qual a desclassificação delitiva será operada doravante, por isso inaplicável na espécie o artigo 419 do CPP. Portanto, sem maiores delongas, nos moldes do artigo 418 do CPP, e - comprovadas autoria e materialidade, como será demonstrado em seguida - desclassifico o delito atribuído ao acusado, condenando-o nas tenazes do artigo 302 do CTB, conforme suplicado por sua própria defesa, em suas razões derradeiras, às fls.186-192. 1) Considerações técnicas sobre dolo eventual, culpa consciente e a narrativa entabulada na Denúncia. Na verdade, com a devida vênia da brilhante representante ministerial que confeccionou a vestibular acusatória, a descrição fática do que a Denúncia chama de dolo eventual corresponde ao que doutrinariamente se denomina como "culpa consciente", consistindo justamente no negligenciar quanto ao possível resultado, que era objetivamente previsível, diante da situação fática apresentada e entabulada pelo próprio agente. Note-se, a propósito, que em matéria de dolo eventual, como se infere da leitura do inciso I do artigo 18 do Código Penal, o Brasil adotou a teoria da assunção e não a teoria da representação, sendo certo que a imputação ministerial claramente está assentada na teoria da representação, que não é a adotada em nosso ordenamento jurídico. O ilustrado Professor Juarez Tavarez, com a agudez doutrinária de sempre, põe luzes lunares e, mais ainda, solares, sobre a matéria em apreço: A questão primordial do dolo eventual não reside proporcionalmente nas expressões de formulação legal ou nas expressões usadas pela doutrina, mas no ponto em que, no dolo, qualquer que seja sua espécie, há uma vontade do agente no sentido de realizar o resultado e, assim, lesar o bem jurídico. Para que se possa sustentar a existência do dolo eventual ainda que dentro da estrutura do dolo, como forma de direção consciente e voluntária da sua conduta, assim como vontade de manobrar ou conduzir essa atividade, será preciso partir de dois fundamentos: a) o agente deve ter consciência de que, com sua atuação, pode seriamente lesar ou pôr em perigo um bem jurídico; b) atua com indiferença diante dessa séria possibilidade de lesão ou colocação em perigo do bem jurídico, de modo a assumir o risco de sua produção. O que assinala, portanto, a base do dolo eventual é a relação recíproca de seus elementos constitutivos. Primeiramente, o agente deve dirigir sua conduta com consciência da seriedade das possibilidades de lesão e de perigo de lesão ao bem jurídico e, ademais, com indiferença a essa possibilidade de lesão ou colocação de perigo que ele admitiu como séria, isto é uma possibilidade efetiva, concreta, atual. Em segundo lugar, que essa indiferença se traduza numa aceitação do resultado de dano ou de perigo. A indiferença não se pode satisfazer simplesmente com uma decisão sobre a direção da conduta, mas pressupõe, para servir de base ao dolo, que o agente inclua na sua consciência que essa modalidade de atuação está sendo conduzida no sentido de uma séria possibilidade de lesão ou colocação em perigo do bem jurídico."(in"Teoria do Injusto Penal", 2ª edição, Del Rey, 2002, pág. 346/351). Nesse mesmo diapasão, vejamos alguns julgados referentes a casos semelhantes a este, que explicitam bem o busilis da questão, deixando claro que o que o Ministério Público descreve na denúncia é uma possível conduta culposa e não dolosa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL - HOMICÍDIO SIMPLES (CP, 121, CAPUT)- DECISÃO DESCLASSIFICATÓRIA PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 302)- ALMEJADA PRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - TRECHO DE RODOVIA ESTADU

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