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30 de Abril de 2024

A evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil

Publicado por Patrícia Brasil
há 5 anos

A evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente no Brasil

Desde a idade média aos dias atuais imensos avanços ocorreram no que diz respeito ao tratamento dispensado pela sociedade e pelo Estado às crianças e adolescentes, nas mais diversas culturas. Segundo Maciel (2014), a princípio, crianças e adolescentes não eram compreendidos como pessoas que necessitavam da proteção do Estado e da sociedade para a garantia de seu desenvolvimento saudável. Nem mesmo havia qualquer distinção entre pessoas de faixas etárias diferentes de forma a individualizar possíveis assistências ou punições.

Atualmente, especificamente no Brasil, vive-se uma transição do que esteja entre a afirmação da plena proteção e a aplicabilidade desta proteção. Para que se possa compreender todas essas conjecturas e os liames em que se passa a proteção integral da criança e do adolescente faz-se necessário uma breve retrospectiva da evolução social e jurídica no que se refere ao público infantojuvenil. Apesar de alguns retrocessos na caminhada pelo respeito à dignidade da criança e do adolescente, percebe-se contínuo avanço, mesmo que por vezes lento, de conquistas na preservação dos direitos individuais.

Na idade antiga, prevalecia uma sociedade patriarcal e religiosa onde as crianças, tidas como propriedade de seus genitores, não tinham qualquer direito ficando ao livre arbítrio de seus pais até mesmo a decisão sobre a permanência de suas vidas. Algumas civilizações possuíam ainda certas peculiaridades. Na Grécia, por exemplo, símbolo das épicas guerras, não havia tolerância para com as crianças que nasciam portadoras de deficiências. Para aquela civilização, as crianças eram compreendidas como guerreiros a serem treinados o que tornava inviável para os gregos a existência de uma criança com limitações. Dessa forma, estas eram arremessadas de despenhadeiros. Já no Oriente, comuns eram os sacrifícios de crianças com fins religiosos. Há também os que vendiam suas crianças como escravos, procedimento do povo hebreu. Aos filhos primogênitos, se pertencentes ao sexo masculino, eram-lhes reservados direitos sucessórios em detrimento dos demais irmãos.

Ainda segundo Maciel (2014), nos últimos tempos da idade antiga, iniciou-se um tímido interesse quanto à preservação das crianças e adolescentes passando alguns povos a determinar medidas como a proibição do infanticídio e a restrição à liberdade dos genitores em decidir sobre a vida e a morte de seus filhos. Da Grécia, veio a herança da distinção entre menores impúberes e púberes. A definição para menores púberes e impúberes encontra-se no Código Civil vigente. O art. 3º, I, trata dos menores impúberes que são as pessoas menores de 16 anos. E o art. 4º, I, trata dos menores púberes, pessoas maiores de 16 e menores de 18 anos.

A idade média foi marcada pela expansão e afirmação do cristianismo que, apesar dos muitos aspectos negativos, influenciou positivamente em certas garantias para o público infantojuvenil ao defender o direito de todos à dignidade. Nesse sentido, determinava punições aos pais que maltratassem seus filhos através do abandono ou exposições. Contudo, em claro desrespeito à dignidade da pessoa humana e à proteção integral da criança e do adolescente, excluía de qualquer direito os filhos nascidos fora do casamento alegando serem símbolos do desrespeito à sagrada instituição da família, assim compreendida.

No Brasil, o período colonial foi uma época em que não havia uma disposição para o respeito à criança e ao adolescente. Na colonização, os jesuítas, encontrando resistência para a catequização dos índios, perceberam nas crianças maior facilidade para realizarem sua missão de minar a cultura indígena através da imposição do catolicismo. Para a sociedade daquele tempo, era permitido aos genitores expor seus filhos a castigos físicos estando livres de quaisquer sanções caso estes viessem a falecer ou sofrer algum tipo de lesão por consequência da reprimenda.

A evolução sócio-normativa menorista brasileira de 1823 a 1988

Com as ordenações filipinas, já no período imperial, estabeleceu-se a imputabilidade penal a partir do 7 anos restando aos que se encontrassem na faixa etária dos 7 aos 17 anos uma atenuação da pena. De acordo com Maciel (2014), havia ainda a pena de morte a partir dos 14 anos para aqueles que cometessem o crime de falsificação de moeda e, nos demais casos, a partir dos 17 anos.

Em 1551, foi fundada pelos jesuítas a primeira casa de recolhimento com o objetivo inicial de “proteger” crianças negras e indígenas na alegada má influência de seus pais. Também era crescente a quantidade de crianças abandonadas, normalmente filhos ilegítimos de escravos. Essas crianças eram deixadas nos mais diversos pontos das cidades. A solução encontrada foi a Roda dos Expostos, instrumento trazido da Europa, onde essas crianças passaram a ser depositadas.

Em 1830, com o Código Penal do Império, a imputabilidade passou a ser estabelecida aos maiores de 14 anos. Contudo, caso fosse constatado a capacidade de discernimento do infrator, este poderia ser encaminhado às casas de correção desde os 7 anos onde poderiam permanecer até que completasse 17 anos de idade.

Em 1890, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil não trouxe grandes avanços nesse sentido. Surgiu a imputabilidade a partir dos 9 anos de idade e a verificação da capacidade de discernimento entre 9 e 14 anos. Nesse momento histórico, crianças e adolescentes eram apenados com 2/3 da pena que seria aplicada aos adultos.

No período republicano a população do país, principalmente nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, aumentou consideravelmente, principalmente devido a libertação dos escravos. O aumento da população de forma desestruturada trouxe com ela problemas sociais como analfabetismo, condições precárias de saúde, moradia, higiene, doenças e, como consequência desse quadro social, aumentou a delinquência infantojuvenil. Foram criadas as primeiras casas de recolhimento a partir do ano de 1906 objetivando abrigar, educar ou regenerar menores. Contudo, a maior preocupação não era a proteção dos menores, mas sim, proteger a própria sociedade das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Nesse período os movimentos internacionais para a proteção da criança e do adolescente começavam a trazer influências para o Brasil sendo percebidos na publicação de leis e decretos com a perspectiva de se proteger os menores, como o Código de Menores do Brasil (Decreto 5.083), publicado em 1926. Entretanto, apesar da compreensão de que caberia ao Estado a assistência às crianças e adolescentes, esse atendimento era considerado como estando acima do respeito aos direitos individuais.

"Na vigência do Código de Menores, não havia a distinção entre criança e adolescente (havia apenas a denominação “menor”) e não havia obediência aos direitos fundamentais, admitindo-se, p. ex., a apreensão fora da hipótese de flagrante ou de busca e apreensão." (ISHIDA, V. K., 2014, p. 5)

Tinha-se por norte a Doutrina do Direito do Menor, vigente àquela época. Esta doutrina, estabelecida pelo Decreto 17.943-A - Código de Mello Mattos-1927 era direcionada aos menores considerados em vulnerabilidade. Àqueles até 14 anos de idade eram determinas medidas educativas. Os que estavam na faixa entre 14 e 17 anos já eram punidos, mas de forma atenuada. Não se pensava na criança de um modo integral, como ser humano de direitos, independente de sua classe social. Havia a preocupação em regenerar menores infratores, delinquentes ou carentes e prevenir delitos. Era, portanto, a Doutrina do Direito do Menor fundada no binômio carência/delinquência.

Ainda para Maciel (2014), a partir da Constituição Federal de 1937, influenciada pelos movimentos socais em defesa dos direitos humanos surgidos após a 2ª guerra mundial, passou-se a compreender que não bastava tratar da marginalização dos menores sem buscar a prevenção através da assistência social. Nesse sentido, além da criação do Serviço de Assistência ao Menor – SAM, iniciaram-se os trabalhos em 1934 para que o Código de Mello Matos fosse revisado objetivando que nele fossem inseridos não apenas aspectos jurídicos, mas também aspectos sociais. Infelizmente, essa iniciativa foi interrompida com o Golpe Militar.

No período da ditadura militar houve a extinção do Serviço de Assistência ao Menor - SAM por ser considerado ineficiente ao que se propunha quanto à assistência, educação e recuperação de menores. Dessa forma, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), apresentada como uma proposta social e pedagógica. Na verdade, servia aos interesses militares à época. O foco centrava-se em combater a delinquência juvenil através da coação coibindo qualquer ameaça ao sistema político vigente. Nesse período, com a instituição do Código Penal em 1969, a inimputabilidade foi restringida aos menores de 16 anos. Essa lei esteve vigente por 4 anos, até que em 1973 a Lei 6.016 restabeleceu para 18 anos a idade limite para a inimputabilidade penal.

Da década de 60 à Constituição Federal de 1988 não se revelam significativas mudanças no tratamento dirigido aos menores, mesmo diante dos debates para a necessidade de reforma ou criação de uma nova legislação menorista. O código de Menores, instituído através da Lei 6.697 de 1979 apenas consolidou a Doutrina da Situação Irregular, doutrina esta que desconsiderava a proteção a todas às crianças e adolescentes restringindo-se aos que se encontravam em situação de vulnerabilidade.

A Proteção Integral do Menor na Constituição Federal de 1988

Com o fim do período da ditadura militar no país houve uma busca pelo resgate de intenções e iniciativas minadas pelo regime repressor. Nesse momento, documentos internacionais exerceram destaque na defesa da proteção dos direitos humanos expressos na Constituição Federal de 1988. Para Cury (2010, p. 18), “O espírito e as leis desses documentos internacionais constituem importante fonte de interpretação de que o exegeta do novo Direito não pode prescindir.” Dentre outros, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, a Declaração dos Direitos da Criança de 1959, e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, influenciaram o legislador constituinte para um direito que valorizasse a dignidade da pessoa humana.

Com a inserção do art. 227 na Carta Magna de 1988 foi consolidado o compromisso da prioridade absoluta à criança e ao adolescente. Tal artigo foi fruto de movimentos populares que se sobressaíram às tensões geradas pela resistência de alguns setores.

Nesta nova perspectiva de sociedade não mais caberia a excludente doutrina da situação irregular sendo adotada a doutrina da proteção integral abraçando todas as crianças e adolescentes e não apenas os que se encontravam em situação de necessidade ou delinquência.

Desse movimento foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que representa um marco do direito infantojuvenil no Brasil. Pelo documento,

"De acordo com suas premissas, a criança e o adolescente não mais ostentam a condição de meros objetos de proteção, conforme dispunha o revogado Código de Menores. Ao contrário, são considerados sujeitos de direitos, que, além de serem titulares das garantias expressas a todos os brasileiros, também ostentam direitos especiais, como é o direito de brincar." (ROSSATO, LÉPORE e CUNHA, 2014, p. 45)

Na época, houve certa polêmica quanto ao termo “Estatuto” em detrimento do termo “Código”. Contudo, adotou-se a primeira nomenclatura ao compreender o referido documento como um conjunto de diretrizes, objetivos e normas que refletem não apenas regras jurídicas, mas também as políticas públicas que objetivam oferecer as bases e meios para a efetiva garantia dos direitos humanos infantojuvenis.

A adoção da Doutrina da Proteção integral no Estatuto da Criança e do Adolescente defendida como novo modelo político colocou o Brasil como referência de legislação infantojuvenil. Contudo, ainda há o grande desafio que é efetivar estas garantias diante dos problemas sociais que são realidade no país.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acessado em 04 de março de 2019.

BRASIL., Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/ constituicaocompilado.htm. Acessado em: 05 de março de 2019.

CURY, M. (Org.), Estatuto da criança e do adolescente comentado. Comentário Jurídicos e Sociais. 11ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2010.

ISHIDA, V. K., Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência., 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2014.

LIBERATI, W. D. Direito da criança e do adolescente, 2ª Edição, São Paulo: Rideel, 2008.

MACIEL, K. R. F. L. (coord.), Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014.

MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. a da Constituição da Republica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência., 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2011.

NUCCI, G.de S., Código penal comentado, 13ª Ed., São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2013.

SILVA. A. F. A., CURY, M. (Coord.), In: Estatuto da criança e do adolescente comentado. Comentário Jurídicos e Sociais. 11ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2010.

ROSSATO, L. LÉPORE, P. E.; CUNHA, R. S., Estatuto da criança e do adolescente comentado artigo por artigo. 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014

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