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30 de Abril de 2024

Algumas linhas sobre o direito de acesso do advogado aos autos

Publicado por Rogério Tadeu Romano
há 8 meses

ALGUMAS LINHAS SOBRE O DIREITO DE ACESSO DO ADVOGADO AOS AUTOS

Rogério Tadeu Romano

O inquérito policial no ensinamento de Gustavo Henrique Badaró ( Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 134)) "(...) é um procedimento administrativo realizado pela Polícia Judiciária, consistente em atos de investigação visando apurar a ocorrência de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa exercê-la, bem como requerer medidas cautelares".

São características do inquérito policial:

a) Discricionariedade: a fase pré –processual não tem o rigor procedimental da persecução em juízo. Em verdade, o delegado de polícia conduz as investigações da forma que melhor lhe aprouver, ficando o rumo das diligências a cargo da autoridade policial;

b) Escrito;

c) Sigiloso: não cabe falar em publicidade no inquérito. Mas o advogado do investigado pode consultar os autos do inquérito policial, consoante o que estabelece o artigo , XIII a XV, e parágrafo primeiro, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB). Ensinou Aury Lopes Jr.(Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, 2001, pág. 312) que “não existe sigilo para o advogado no inquérito policial e não lhe pode ser negado o acesso às suas peças nem ser negado o direito à extração de cópias ou fazer apontamentos”. Mas, lembre-se, como acentuaram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (Curso de Direito Processual Penal, 7ª edição, pá. 106), o sigilo do inquérito é estritamente necessário ao êxito das investigações. Aliás, há posição sustentando o sigilo absoluto do inquérito policial, determinado pelo magistrado, a impedir até mesmo o acesso do advogado aos autos do procedimento em face da relevância do sigilo da investigação. Mas, esse entendimento negaria vigência ao Estatuto da OAB. A esse respeito, o STF editou o enunciado nº 14 de sua Súmula Vinculante, onde ali se diz:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Havendo documentação do material probatório, que faz parte dos autos do inquérito, não haveria razão para impedir o acesso. Aquilo que já integra o corpo do inquérito, sendo fruto de diligência empreendida, estará no espectro de acesso da defesa. Se houver arbítrio da autoridade policial poderiam ser ajuizados o mandado de segurança, a reclamação constitucional ou o habeas corpus (na defesa do direito de ir e vir) conforme o caso;

d) Oficialidade: o delegado de polícia de carreira, autoridade que preside o inquérito policial, constitui-se em órgão oficial do Estado (artigo 144, § 4º, da CF);

e) Oficiosidade: Havendo crime de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial pode instaurar de ofício o procedimento de inquérito;

f) Indisponibilidade: a persecução penal é de ordem pública;

g) Inquisitoriedade: não fase pré-processual não existem partes;

h) Autoritariedade: o inquérito é presidido por um delegado (artigo 144, § 4º, da CF);

i) Dispensabilidade: o inquérito policial não é imprescindível para a propositura de ação penal.

O valor probatório do inquérito é relativo, pois carece de confirmação de outros elementos colhidos durante a instrução criminal. Os vícios ali perpetrados não atingem a ação penal.

Pois bem.

O movimento da defesa do ex-presidente Bolsonaro e outros envolvidos na chamada investigação das joias será pedir acesso aos autos dessas falas. A esse respeito, Miriam Leitão, em artigo para o portal do jornal O Globo, em 4.9.23, disse: “A minha pergunta na conversa com o escritório constituído por Bolsonaro foi: e se o que disseram for parte de uma investigação sigilosa, poderão ter acesso? Eles dizem que sim, que a lei assim determina, já que o cliente deles é investigado e são os advogados constituídos para defendê-lo.”

O acesso do advogado aos autos precisa ser assegurado. Veja-se: STF (HC 88.190-4, RJ, 2ª Turma, relator Cezar Peluso, 29.8.2006, DJ de 6.10.2006).

A ementa é a que segue:

EMENTA: ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5º, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. , XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76 Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte

Com o advento da Lei nº 13.245/2016, que alterou o art. da Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, há o entendimento de que ficou mais evidente, por parte do legislador, a prerrogativa do defensor de examinar os autos investigatórios, como regra, mesmo sem procuração (inciso XIV), exigida a sua apresentação quando decretado sigilo (§ 10).

A autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. (artigo 7º, § 11).

Sobre o tema da Súmula Vinculante nº 14 disse Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, 16 ª edição, pág. 62):

“A de se observar que, a) precipitada enunciação da Súmula, porquanto ausentes, os elementos justificadores da súmula vinculante (jurisprudência consolidada); b) passível de leituras equivocadas, quanto à pretensão do texto; elementos indiciários já documentos nos autos podem servir de base a requerimento de novas diligências cautelares, das quais se deva guardar sigilo. Nem sempre se pode afirmar que a juntada de elemento de prova implique a desnecessidade de sigilo; e c) a referência ao exercício do direito de defesa parece-nos impertinente. Afinal, não se exige o contraditório na investigação, não é mesmo? Impedir a prática de investigações sigilosas ou em estado permanente de segredo é uma coisa; outra é confundir modelos de investigação adotadas na ordem jurídica e referenciados pelo próprio Supremo Tribunal Federal.”

Trago, outrossim, outra importante decisão, desta feita do STJ:

“O acesso conferido aos procuradores não é irrestrito, restringindo-se aos documentos já disponibilizados nos autos que se refiram apenas aos clientes específicos, sendo vedado o acesso a dados pertinentes a outras pessoas. A concessão sem quaisquer reservas ofenderia o direito de terceiros à intimidade e a inviolabilidade de sua vida privada e prejudicaria a satisfatória elucidação dos fatos supostamente criminosos ainda em apuração."( HC nº 65.303/PR, relator Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ de 20.5.2008).

Ora, o direito à informação do investigado, e, consequentemente, do advogado, não é absoluto e devem ser conciliados para preservar as garantias constitucionais de terceiros. Para o caso há a necessidade de melhor análise do pedido feito pelo ex-presidente Bolsonaro e outros envolvidos no caso em tela para acesso ao depoimento de outros investigados, tenente-coronel Mauro Cid, e seu pai, Mauro Lourena Cid, que falaram longamente à PF nessa rodada de depoimentos. As garantias constitucionais destes últimos devem ser preservadas dos demais que querem ter o acesso a seus depoimentos. Aliás, fala-se, que não teria havido colaboração premiada. O próprio advogado do ex-ajudante de ordens, Cezar Bitencourt, já afirmou que Cid somente se acusou, ou seja, fez confissão. Deve ser preservada a intimidade e a imagem daqueles que ainda entenderam por depor e não silenciar.

Fala-se que investigados negaram-se a depor, alegando que não estavam perante um juízo competente para tal.

Mas, o juiz natural é uma garantia constitucional a ser respeitada e preservada.

Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um"juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei".

E certo que, segundo a doutrina, o princípio do juiz natural se refere à existência de juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência. Em razão disso, o silêncio do ex-presidente e de seus aliados diante das perguntas que lhes seriam feitas pelo investigador. Mas, dir-se-á que o STF já fixou a competência para tal. Cabe à Justiça e não aos investigados definir a competência para investigá-los e julgá-los.

Tenha-se em mente que a proteção dos interesses públicos levados à efeito na investigação criminal, justifica de sigilo na elucidação dos fatos.

Esse o limite que é dado a atuação da defesa nos autos daquele procedimento administrativo investigatório, que é o inquérito policial.

De toda sorte a palavra final em sede da investigação é do Parquet, dentro do sistema acusatório, pois a ele é dado o ônus de colher a prova e apresentar a devida acusação, se assim entender.

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