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3 de Maio de 2024

Análise jurídica da tipificação entre usuário e traficante de drogas frente ao principio da igualdade.

Publicado por Renan Ribeiro
há 3 anos

ANÁLISE JURÍDICA DA TIPIFICAÇÃO ENTRE USUÁRIO E TRAFICANTE DE DROGAS FRENTE AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Artigo Científico apresentado ao Centro Universitário Estácio de Sá, Curso de Direito, como requisito parcial para a conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso.

Boa Vista- 2019

RESUMO

O presente trabalho busca apresentar a inobservância do princípio igualdade na aplicação da lei 11.343/2006, tendo em vista a lacuna na tipificação entre usuários e traficantes, evidenciando o caráter da seletividade penal da lei ao utilizar-se de parâmetros subjetivos para esta classificação, por vezes ligados a estigmas preexistentes na sociedade. Sendo o Estado, criador dos tipos penais, ciente das situações sociais existentes, este por sua vez deve criar leis sem destiná-las a grupos ou classes sociais, mas ao não oferecer parâmetros específicos para essa diferenciação, afasta de si a responsabilidade de diferenciar e a transmite para os agentes policiais ou juízes. Perpetua-se a ideia de um direito penal de igualdade, mas a aplicação da lei utiliza-se de características ligadas classes marginalizadas, gerando um sentimento de que nem todos estão expostos a aplicação da lei penal.

Palavras-chave: Seletividade Penal. Tipificação. Igualdade. Estigmas.

SUMARIO

Introdução. 2.1 TIPOS PENAIS. 2.1.1 Conceito de Entorpecente 2.1.2 Conceito de usuário de entorpecentes 2.1.3 Conceito de traficante de entorpecentes. 2.1.4 A diferença entre usuário e traficante de entorpecentes. 2.1.5 A classificação do tráfico privilegiado. 2.2 A EQUIPARAÇÃO A CRIME HEDIONDO. 2.2.1 O crime de tráfico de entorpecentes equiparado a crime hediondo. 2.3 OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS A LEI DE DROGAS. 2.3.1 A aplicação de pena alternativa para o tráfico de drogas privilegiado a luz da constituição. 2.3.2 Fundamentação jurídica do princípio da igualdade. 2.3.3 A inobservância do princípio da igualdade frente seletividade penal entre usuários e traficantes. 2.4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS. 2.4.1 Do direito à privacidade. 2.4.2 O direito à privacidade frente ao art. 28 da lei de drogas. CONCLUSÃO. REFERENCIAS

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento deste artigo tem como objetivo principal analisar a lei de 11.343/2006, em especial a classificação de usuários e traficantes. Neste âmbito avalia se a lei possui caráter seletivo ao não criar parâmetros específicos para esta classificação.

O tema a ser debatido surge da redação da lei que é ponto de questionamento, pois ao mesmo tempo em que traz novos tipos penais com medidas punitivas diferentes, dividiu os mesmos verbos nucleares para a consumação do delito. Neste sentido, proporciona prisões errôneas de por falta de parâmetro específico para a tipificação.

Na falta destes parâmetros usou-se de estigmas sociais, como condições sociais e econômicas do infrator, ligadas ao preconceito presente na sociedade. Assim o agente policial ao entrar em contato com o infrator é o primeiro filtro e por sua vez perpetua o estigma ao ligar o crime de tráfico ao negro, pobre e periférico, enquanto perpetua a imagem do usuário como branco e rico.

A primeira parte do trabalho aborda o conceito de droga, como substância capaz de alterar o comportamento de seu usuário, e as classificações quanto aos tipos de substâncias uma vez que elas existem drogas lícitas. Conceitua também os tipos penais criados e suas diferenças, que estão e analisa os verbos nucleares que causam a confusão de tipos deixando a mercê do julgador a definição de quem será preso como usuário e quem será preso como traficante, tendo este como parâmetro os estigmas sociais.

Por seguinte, analisa os princípios constitucionais da igualdade e da individualização da pena que estão intrínsecos a aplicação da lei penal, uma vez que a observância destes, influencia no tratamento dado ao cidadão na condição de infrator. Em questão é apresentado o direito a privacidade e como o art. 28 da lei de drogas, pode ser inconstitucional ao não ser respeitado o direto do agente de utilizar ilícitos em seu meio privado.

Por fim, propõe a ligação do conceito da seletividade penal e como os princípios constitucionais são inobserváveis. Trazendo a lei 11.343/2006 como lei de caráter punitivo ao ser direcionada a classe social ou econômica. Este método para a discriminação entres as condutas, causou um aumento drásticos de prisões entres a população periférica, uma vez que casos de prisões entre outras classes sociais são muitas vezes brandas em condições em que a quantidade transportada caracterizaria a figura de um traficante. A prisão errônea de usuários e dependentes químicos em situações em que as prisões poderiam ter sido substituídas por penas preventivas como prevê a própria lei 11.343 torna possível perceber que a na mesma medida em que prende em demasia, superlota os presídios que geram uma constância de acontecimentos, fazendo assim um problema de saúde pública gerar problemas a nível social e de segurança.

Mas apenas a punição, e leis mais severas não inibem o tráfico de drogas, na mesma medida em que leis com pouco teor punitivo, fortalecem o crime organizado, uma vez que este acredita na impunidade. O uso de políticas sociais voltadas a educação poderia reduzir o fenômeno do tráfico, bem como políticas de saúde pública para reinserir os dependentes químicos na sociedade.

O presente artigo será realizado com base na metodologia de pesquisa qualitativa por meio de análise bibliográfica em obras literárias físicas, como também por meio de pesquisas em mídias digitais e artigos acadêmicos.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 TIPOS PENAIS

2.1.1 Conceito de Entorpecente

O termo entorpecente constitui qualquer substância capaz de alterar o comportamento do usuário. Para Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi (2006, p. 11) o conceito consiste em:

Venenos que agem eletivamente sobre o córtex cerebral, suscetíveis de provocar agradável ebriedade, de serem ingeridos em doses crescentes sem determinar envenenamento agudo ou morte, mas capazes de gerar estado de necessidade tóxica, graves e perigosos distúrbios de abstinência, alterações somáticas e psíquicas profundas e progressivas.

Por mais que que estejam presentes no âmbito popular, bebidas alcoólicas e cigarro, fazem parte deste grupo, todavia, são conhecidas como drogas lícitas, sendo então permitidas. Já as outras substâncias consideradas ilícitas, como maconha, cocaína e LSD, são restritas e reguladas por lei. Uma melhor definição das classes de drogas é citada por Henry Bergeron:

1) as drogas psicodepressores, que se caracterizam por sua ação calmante, soporífera e ansiolítica: o álcool, as drogas à base de ópio (ou opiáceos), barbitúricos, tranquilizantes (sedantes ou hipnóticos) ou solventes (éter e terebentina); 2) as drogas psicoestimulantes, como a cocaína e seu derivado, o crack, as anfetaminas, o ectasy, e até mesmo a cafeína, o khat ou a nicotina; 3) as drogas psicodislépticas, que apresentam efeitos alucinógenos, como o LSD, alguns cogumelos e o haxixe; 4) por fim, certos remédios com efeitos psicotrópicos.

2.1.2 Conceito de usuário de entorpecentes.

A criação da atual lei de drogas, trouxe avanço ao tentar diferenciar o usuário e dependente químico, da figura do traficante, amenizando a conduta dos usuários e dependentes, e agravando a pena para o traficante de entorpecentes, que o principal causador das mazelas relacionadas a droga.

A lei de drogas, conforme o seu artigo 28 caracteriza como usuário aquele que: “adquirir, guarda, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Sendo assim, a lei trouxe atualizações quanto ao modo de punir o usuário, tratando-o de maneira mais benéfica. Para Guilherme Nucci (2015, p. 313) “não cabe mais, em hipótese alguma, a sua condenação a pena privativa de liberdade”. Esta situação acaba abrindo um questionamento quanto a possibilidade da descriminalização da posse, para o uso pessoal. Uma vez que a conduta tipificada no artigo 28 não possui pena restritiva de liberdade, e não fica caracterizada como crime conforme o art. 1º do Decreto 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravencoes Penais).

Art 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Entretanto, o capítulo III, do Título III, da lei de drogas, onde está presente o artigo 28, trata dos crimes e das penas. Sendo assim, a conduta do usuário continua sendo crime. Conforme Cesar Mariano. (2016, p. 46).

Mesmo presente neste capítulo, o usuário acabou sendo despenalizado, não podendo mais ser imposto a penas privativas de liberdade, sendo essas, substituídas por penas alternativas, sendo importantes citá-las:

  1. Advertência sobre os efeitos das drogas;
  2. Prestação de serviços à comunidade: será aplicada pelo prazo de 05 meses, se primário, 10 meses se reincidente (cf. §§ 3º e 4º, do art. 28). Será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas (cf. § 5º). Não se aplica aqui a regra do art. 46 do CP;
  3. Medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo: será aplicada no prazo de 05 meses, se primário; 10 meses, se reincidente.

Neste sentido a lei de drogas abriu margem para a criação de uma infração penal, que não está prevista na classificação de crime, nem de contravenção. Dando origem a uma infração inominada, sendo punida por penas alternativas.

[...] a Lei Antidrogas criou uma infração penal, que não se enquadra na classificação legal de crime, nem de contravenção penal. Criou, simplesmente, uma infração penal inominada, punida com novas alternativas penais e isto não contraria a diretiva genérica de classificação das infrações penais, emanada do referido dispositivo da Lei de Introdução ao Código Penal. (LEAL, 2006)

2.1.3 Conceito de traficante de entorpecentes.

O tráfico de entorpecentes é um crime de perigo abstrato, pois não precisa oferecer risco real e concreto ao bem jurídico tutelado, uma vez que independe da prova de gerar dano, pois descreve uma conduta ou comportamento do agente. Neste sentido Gilmar Mendes (2015, p.12) completa, “produzem efetiva lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico digno de proteção penal, ainda que concretamente essa lesão ou esse perigo de lesão não venham a ocorrer.”

A mesma medida em que a lei de drogas atualizou os entendimentos sobre usuário e despenalizou a sua conduta. Ela tipificou o crime do tráfico de ilícitos em seu artigo 33, utilizando de 18 verbos nucleares para caracterizar o crime, e criando de forma implícita a figura do traficante de entorpecentes, como o agente que pratica ação prevista no artigo 33.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Com o objetivo de melhorar o entendimento sobre os elementos contidos neste artigo, Nucci transcreveu uma análise sobre este tema:

Importar (trazer para dentro do Brasil), exportar (levar para fora do Brasil), remeter (enviar a algum lugar), preparar (obter algo por meio da composição de elementos), produzir (dar origem a algo antes inexistente), fabricar (produzir em maior escala, valendo-se de equipamentos e maquinas próprias), adquirir (comprar, obter mediante certo preço), vender (alienar por determinado preço), expor à venda (apresentar, colocar à mostra para alienação), oferecer (ofertar como presente), ter em deposito (manter em reservatório ou armazém), transportar (levar de um lugar a outro), trazer consigo (transportar junto ao corpo), guardar (tomar conta de algo, proteger), prescrever (receitar, indicar), ministrar (aplicar, administrar), entregar a consumo (confiar a alguém para gastar), fornecer (abastecer). (NUCCI, 2015, p. 338-339)

O crime referido no artigo 33, dada a sua quantidade de verbos que tipificam a prática do tráfico, acabam por ampliar o sentido do tráfico de drogas, que fica mais amplo do que o entendimento de comercio ilegal, pois a conduta é punida desde os atos preparatórios até as práticas mais estritamente ligadas ao tráfico. Conforme Guimarães (2007)

A lei equipara ao tráfico aquele que também fornece maquinário para desenvolver a atividade, mesmo que este não obtenha lucro fornecendo este maquinário.

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

O artigo 33 configura o pratica fundamental ao ser caracterizado o crime, sendo os outros tipos, decorrentes deste.

2.1.4 A diferença entre usuário e traficante de entorpecentes.

Desde a entrada em vigor da lei de drogas, o número de prisões relacionadas as drogas no Brasil, teve um gigantesco aumento, levando inúmeras pessoas ao cárcere. Essas prisões estão ligadas a lacuna criada na lei, ao ausentar-se de aplicar uma tipificação clara para a distinção entre usuário e traficante, dando ao juiz a função de fazer essa diferenciação. Para Sergio Seibel em seu artigo, o número de prisões por crimes relacionados a droga dobrou no Brasil, desde a aplicação da lei de drogas, segundo ele:

A falta de clareza na lei está levando à prisão milhares de pessoas que não são traficantes, mas sim usuárias. A maioria desses presos nunca cometeu outros delitos, não sendo criminosos a priori, não tendo relação com o crime assim chamado “organizado” e portavam pequenas quantidades da droga no ato da detenção para seu próprio consumo.

Nota-se então uma falta de sintonia ao legislador quando cria o tipo penal e não cria critérios específicos para a sua aplicação em um todo. Sendo assim, Gilmar Mendes completa.

Esse quadro decorre, sobretudo, da seguinte antinomia: a Lei 11.343/2006 conferiu tratamento distinto aos diferentes graus de envolvimento na cadeia do tráfico (art. 33, § 4º), mas não foi objetiva em relação à distinção entre usuário e traficante. Na maioria dos casos, todos acabam classificados simplesmente como traficantes. (MENDES, 2015, p. 18)

Os elementos subjetivos, utilizados para a classificação entre usuário e traficante de drogas, acabam por criar uma lacuna. Conforme Salo de Carvalho

Identifiquei como vazios (ou lacunas na linguagem da teoria geral do direito) e dobras de legalidade as estruturas incriminadoras da Lei 11.363/2006 que permitem um amplo poder criminalizador às agências de persecução criminal, notadamente a agência policial. Estruturas normativas abertas, contraditórias ou complexas que criam zonas dúbias que são instantaneamente ocupadas pela lógica punitivista e encarceradora. (CARVALHO, 2014, p.114-115)

A lacuna na tipificação do usuário e do traficante existe em dois momentos, o primeiro quando o legislador utilizou os mesmos verbos para tipificar as duas práticas, sendo eles, adquirir, guardar, tiver em deposito, transportar ou trouxer consigo. Assim, o usuário habitual, que pratica um destes atos, acaba ficando na linha tênue que o separa do crime de tráfico de droga caso não consiga provar o seu consumo pessoal, ou não atenda os critérios do § 2 do artigo 28 da lei de drogas. Estes critérios são avaliados por um delegado ou juiz, quando for identificar a destinação da droga, seja consumo ou tráfico. Estes requisitos estão dispostos no § 2º, do art. 28, da Lei 11.343/06.

§ 2º Para determinar se a droga se destinava a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Dada a circunstância criada, o legislador deixou em aberto, pontos com critérios subjetivos, como a natureza e a quantidade da substância apreendida, portanto, ao não definir uma quantia de droga para caracterizar o consumo pessoal, causa injustiças ao enquadrar pessoas com quantidades ínfimas de ilícitos, Conforme Gabriela Godoy (2014, p. 03)

Este é um fator fundamental para que os tipos penais sejam diferenciados. Como já exposto acima, não temos um parâmetro numérico para configurar se o agente se trata de um mero usuário ou um traficante, e com isso, na prática acabam ocorrendo inúmeros erros grosseiros quanto à essa caracterização. O ideal seria que a lei o fizesse. A subjetividade judicial resta alargada e a jurisprudência ficará encarregada dos contornos da pequena quantidade.

A política proibicionísta afetou os países em desenvolvimento que sofrem com a desigualdade e a exclusão social, podendo também ser vista em países desenvolvidos.

Conforme Zaffaroni e Pierangeli (2007, p.69)

Há uma clara demonstração de que não somos todos igualmente "vulneráveis" ao sistema penal, que costuma orientar-se por "estereótipos" que recolhem os caracteres dos setores marginalizados e humildes, que a criminalização gera fenômeno de rejeição do etiquetado como também daquele que se solidariza ou contata com ele, de forma que a segregação se mantém na sociedade livre. A posterior perseguição por parte das autoridades com rol de suspeitos permanentes, incrementa a estigmatização social do criminalizado.

A atual lei de drogas perpetua a mesma redação das leis anteriores, mantendo a sua indefinição na descrição, o que gera distorções em seu entendimento, pois a crime de tráfico, pode ser caracterizado pela atividade comercial, envolvendo lucro para o agente que o pratica, como também pode ser entendido como o simples passador do elemento, que não tem intenção de lucro. Abrindo possibilidades para prisões injustas que acabam por superlotar o sistema prisional brasileiro.

Para Guilherme de Nucci (2015, p.341) “o tráfico ilícito de entorpecentes deveria ser bipartido- com e sem intuito de lucro, gerando o Sousa natural aprimoramento da descrição das condutas do usuário de drogas.”.

O crime de tráfico deveria ter um duplo sentido para punir o traficante que visa lucro com a prática, e para o que não tem o intuito do lucro.

2.1.5 A classificação do tráfico privilegiado.

O novo tipo penal contido na lei drogas, está presente no artigo 33, § 3º, aparece como maneira de diminuir a punição do agente que pratica o tipo penal, em detrimento de seu uso com pessoa de seu vínculo, em caráter eventual e sem lucro, sendo o agente primário, bons antecedentes e não apresenta ligação com organização criminosa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

Portanto, aquele que pratica esta modalidade do crime, não é enquadrado como traficante. Sendo assim, configura-se como traficante privilegiado apenas aquele que caráter eventual oferece droga a um amigo sem o intuito de lucro e para o uso conjunto. Este recebe uma pena inferior a cinco anos, como é prevista a mínima da pena do artigo 33, caput. Todavia, segundo Nucci (2015, p. 357):

Se um indivíduo oferece droga, em uma festa, por exemplo, a alguém que acabou de conhecer, mesmo que não haja finalidade de lucro e seja uma atitude isolada, não se aplica o disposto no § 3º do art. 33. Por outro lado, se oferecer droga a um amigo, desde que tal situação ocorra com frequência, também não se beneficiaria da figura privilegiada. Seria punido com base no art. 33 (tráfico ilícito).

Por ser de menor potencial ofensivo, pode-se haver transação penal de privativa de liberdade, para restritiva de direito. Assim recebe os benefícios da lei 9.099/95.

Em suma, o tipo penal não soluciona o problema, pois apresenta condições muito restritivas em rol. Mas retira deste tipo o caráter hediondo aplicado ao crime tráfico.

2.2 A EQUIPARAÇÃO A CRIME HEDIONDO

2.2.1 O crime de tráfico de entorpecentes equiparado a crime hediondo

Os crimes hediondos, são aqueles de caráter repugnante a sociedade, e a equiparação do crime de tráfico tem origem constitucional no artigo 5, XLIII.

XLIII – a lei considera crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitem;

Não somente na constituição, mas a própria lei de drogas estabelece em seu artigo 44, que os crimes previstos nos artigos 33, § 1º, 34 e 37, da mesma lei, são equiparados a hediondos e estabelece a possibilidade do livramento condicional ao fim do cumprimento de dois terços da pena.

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 e 37 desta lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, induto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos

Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada a sua concessão ao reincidente específico

2.3 OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS A LEI DE DROGAS

2.3.1 A aplicação de pena alternativa para o tráfico de drogas privilegiado a luz da constituição.

Com o objetivo de relaxar a pena por meio de transação penal do agente classificado como traficante privilegiado, uma vez que criado a figura privilegiada do tipo, não pode ignorar os fatores pessoais da prisão. Fica evidente a necessidade da observância do princípio da individualização da pena prevista pela constituição. Neste sentido o princípio da individualização da pena garante que as penas sejam aplicadas de maneira proporcional, levando em conta os aspectos objetivos e subjetivos. (NOVELINO, 2017)

O princípio da individualização pode ser divido em momentos: No primeiro momento o legislador utiliza durante a criação do tipo penal, ao estabelecer os valores mínimo e máximo das penas. O segundo momento é feito pelo juiz ao utilizar os valores criados para definir a pena aplicada ao caso concreto, levando em conta as características pessoais de cada réu. O terceiro momento seria o da execução onde seguindo as condições anteriores serão avaliadas para a definição da unidade prisional onde será cumprida a sentença do apenado. (NOVELINO, 2017).

Nas circunstâncias estabelecidas para o tráfico privilegiado, seguir um padrão de regime vai contra o princípio da individualização, uma vez que restringe ao juiz estabelecer a pena, a lesão a sociedade e as características do agente.

Assim, individualizar a pena não significa que todas as penas de tráfico privilegiado passarão por transação, mas abre a possibilidade ao juiz de poder estabelecer pena diferente, conforme o caso em questão.

2.3.2 Fundamentação jurídica do princípio da igualdade

O princípio da igualdade, é uma das bases da Constituição brasileira, onde é previsto a igualdade de aptidões, sendo assim todos os cidadãos são iguais perante a lei e não devem receber tratamento idêntico pela lei.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Para Rui Barbosa (2003), “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, uma vez que “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” Desta forma, Novelino (2017) completa, “ a concepção material pressupõe a adoção de critérios distintivos justos e razoáveis”. Sendo esta, a forma de que deve ser interpretada o princípio da igualdade.

Este princípio tem funcionamento em dois âmbitos, sendo o primeiro perante o legislador, que ao criar leis, atos normativos e medidas provisórias, vendando a criação de tratamentos desigualmente abusivos a pessoas que se encontram na mesma situação, já o segundo perante a autoridade pública ao interpretar, a leis e atos normativos de maneira igualitária, sem utilizar-se de diferenciação em face do sexo, raça, religião, convicções filosofias, políticas e classe social.

Deve haver simetria ao aplicar o igual tratamento e o tratamento desigual, sendo que este deve ser fundamentado para a sua aplicação, conforme Alexy (2008b)

O princípio da igualdade está presente também na Declaração Universal dos Direitos Humanos Da Organização das Nações Unidas.

Art. 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)

Assim, fica possível dividir o princípio da igualdade em duas formas, podendo ser uma igualdade formal ou material. A primeira segue de forma literal os tipos penais descritos na lei, esta portanto sendo insuficiente pois desconsidera as peculiaridades inerentes as pessoas do fato. A segunda em sua forma, tem por finalidade igualar os desiguais, pois dada as diversidades que não podem ser superadas ao passar pelo crivo de uma mesma lei, faz-se necessário que ao aplicar a lei seja levado em conta as características diferenciadoras existentes a aquele fato. (JORIO, 2008)

Apenas deve-se reconhecer que ele exerce função garantidora formal e material, isto é, que seus efeitos se estendem desde a exigência de uma série de requisitos formais para que um comportamento seja proibido e uma pena seja imponível até a estipulações de parâmetros materiais (de conteúdo) para a criação dessas proibições e dessas penas. (JORIO, 2008, p.19)

Este princípio é por vezes violado, ao ser aplicado sem a observância das desigualdades e igualdades para aplicação da lei. Portanto, a aplicação da lei age de forma direcionada para a classe de menos favorecidos, em geral, a parte pobre e negra da população, e assim a seletividade ao aplicar a lei penal, ao atingir somente uma parcela da população, gera desconforto e descontentamento com a lei. Conforme Carvalho:

(...) não é de sistematizar e reelaborar as normas do ordenamento dando-lhes coerência e plenitude que efetivamente não possuem, mas, ao contrário, explicitar a incoerência e a falta de plenitude mediante juízos de invalidade às inferiores e correlativamente de inefetividade em relações superiores. (CARVALHO. p. 70, 2010)

É necessário lembrar que este princípio tem ligação direta com o princípio da dignidade da pessoa humana, não podendo o estado ultrapassar o limite da integridade física e moral. Neste sentido o direito penal que visa a segurança pública e a ordem, não pode atingir a dignidade. Conforme Bitencourt (2014, p. 70)

Portanto, é necessário a aplicação conjunta do princípio da igualdade com o princípio da dignidade da pessoa humana. Seguindo assim o pensamento de Jório.

“Com o crescente amadurecimento da compreensão do homem em si próprio, sedimentou-se a noção da inerência da dignidade e dos direitos que ela abarca a condição humana. [...] A dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente a sua essência e que o ser humano é digno por que é. (JORIO, 2008, p.13)

2.3.3 A inobservância do princípio da igualdade frente seletividade penal entre usuários e traficantes.

A seletividade penal é definida pela criminalização primaria que é feita durante a criação do tipo penal, no qual o legislador define a pena e o bem jurídico tutelado por aquele tipo, sendo assim não destina a lei a nenhuma classe. Por seguinte a criminalização secundaria ocorre durante a aplicação da lei penal por policiais e pelo juiz, levando em conta os estigmas carregados pelo infrator. O sistema penal deve agir razão da proteção da sociedade, de modo igual, sendo direcionado de maneira igualitária, aplicando sanções penais aos que romperem as regras.

As prisões efetuadas no âmbito de assuntos relacionados a drogas, refletem os estigmas criados pela sociedade, para com qualquer pessoa que apresente características presentes a grupos marginalizados pela sociedade, sendo elas, negras, pardas, homens e periféricos. Apresenta-se então que as condições sociais criam no “individuo estigmatizado, uma tendência a permanecer no papel social no qual a estigmatização o introduziu” (BARATTA, p.90, 2002).

A lei de drogas brasileira abre margem para a seletividade penal, ao usar critérios subjetivos presentes no § 2º, do art. 28 da lei de drogas para a classificação do usuário e do traficante de drogas. O delegado ou juiz, usa desses critérios para identificar se o destino da droga seria o consumo ou tráfico.

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Ao utilizar critérios como a natureza e quantidade da substância, não estabelece valor numérico para ser utilizado como parâmetro para a efetividade da classificação de um usuário ou traficante.

Dentre os outros critérios estão o local da apreensão, se a droga apreendida apresentavas características de mercancia, e a circunstâncias sociais e pessoais do agente. Por esta ótica, a apreensão feita numa favela ou bairro nobre, se o infrator é negro ou branco, se é pobre ou rico, estabelecem se o infrator será classificado como usuário ou traficante. Neste âmbito, conforme Nara Machado estes fatores mantem a seletividade:

Voltando os olhos agora para a dogmática penal, pela leitura do artigo 28, da Nova Lei de Drogas, que estabelece critérios para diferenciar o usuário do traficante, não causa surpresa verificar que uma das coisas a serem consideradas pelo juiz é o local (onde foi feita a apreensão) e as condições pessoais e sociais do sujeito encontrado com drogas ilícitas. A seletividade primária aqui é incontroversa.

A lei de drogas apresenta seletividade desde a sua criação ao deixar critérios subjetivos como parâmetros para que os julgadores definam a figura do usuário e do traficante, indo de frente ao princípio da igualdade no qual todos devem receber o mesmo tratamento perante a lei. Conclui então Gabriela Godoy:

Quando a lei previu o local e as condições sociais do agente para determinar a diferença entre usuários e traficantes, ela já aplicou a seletividade primária, pois com isso, determinou-se que são as populações mais pobres as responsáveis pelo tráfico de drogas no Brasil. Desta forma, se uma pessoa da classe média (circunstancias sociais), num bairro também de classe média (local), for encontrada com determinada quantidade de droga, poderá ser mais facilmente identificada como usuário (e, portanto não será submetido à prisão) do que um pobre, com a mesma quantidade de droga, em seu bairro carente, confirmando assim a seletividade secundária. A Nova Lei de Drogas demonstra que realmente o direito penal é seletivo, que está longe de defender a todos de maneira igualitária e que pune, de maneira desigual, aqueles que são submetidos ao sistema penal.

Neste sentido, os critérios espalham os estereótipos presentes na sociedade, onde cria-se imagens e representações desses estigmas, que serão utilizados por policiais que são o primeiro contato com fato, por fim acabam por atingir a um grupo ou classe social vulnerável, em geral composta por jovens, negros, pobres e periféricos. (CARVALHO, p. 4, 2013).

A caráter seletivo pode ser visualizado ao passo que, apenas pequenos e médios traficantes são presos, poucos são os casos de relevância nacional, causando um acumulo de destes no sistema prisional, atitude esta, que não soluciona o problema do tráfico, tão somente gera mais uma prisão, pois a prisão de um pequeno ou traficante, que faz aquilo por manutenção do vicio não afeta o funcionamento do tráfico de entorpecentes.

A perpetuação destes estigmas acaba por preencher o sistema prisional com a parte da população que se encaixa no parâmetro, nesse sentido a situação do caso concreto é ignorada e por vezes os estigmas são levados em conta. Conforme Gilmar Mendes.

O padrão de abordagem é quase sempre o mesmo: atitude suspeita, busca pessoal, pequena quantidade de droga e alguma quantia em dinheiro. Daí para frente, o sistema repressivo passa a funcionar de acordo com o que o policial relatar no auto de flagrante, já que a sua palavra será, na maioria das vezes, a única prova contra o acusado. (MENDES, 2015, p.19)

É inegável a atualização da lei de drogas, trazendo mecanismos de transação penal ou despenalização do usuário, mas sua aplicação segue caminho contrário ao esperado, uma vez que encarcera e não se utiliza destes artifícios para minimizar a prisão de crimes relacionados a drogas. Desta forma, a aplicação de penas privativas de liberdade, antes de medidas reeducativas para o agente, consolida o estigma e o levam a entrada no mecanismo do crime. (BARATTA, p.90, 2002)

2.4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS

2.4.1 Do direito à privacidade

O direito à privacidade tem origem na dignidade da pessoa humana, garantindo a inviolabilidade da integridade física e moral.

CF, art. , X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A intensidade da proteção tem que variar conforme o âmbito afetado, quanto mais próximo for o direito ao indivíduo, maior será a proteção ao direito à privacidade. (NOVELINO, 2017)

2.4.2 O direito à privacidade frente ao art. 28 da lei de drogas.

Conforme Gilmar Mendes (2015, p. 38) “A criminalização da posse de drogas para uso pessoal conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário”

A previsão de crime para posse com intuito de uso pessoal, fere o âmbito privado do cidadão uma vez que o estado age dentro da esfera pessoal, vedando a utilização de um ilícito que não gera danos ao pessoas alheias a prática, sofrendo com o ato somente o usuário do ilícito. Neste âmbito, Luiz Flavio Gomes (2006) esclarece:

A posse de droga para o consumo pessoal configura uma das modalidades do chamado delito de posse (“delitos de posesión”), que retrata uma categoria penal singular no Direito Penal. Mister se faz, para a consumação da infração, constatar a idoneidade ofensiva (periculosidade) do próprio objeto material da conduta. Se a droga concretamente apreendida não reúne capacidade ofensiva nenhuma, em razão da sua quantidade absolutamente ínfima, não há que se falar em infração (pouco importando a sua natureza, penal ou “para-penal”). Não existe, nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante.

Havendo outras maneiras de configurar o uso para a posse, como quantidade específica. Temos na sanção penal uma medida fortemente repressiva que ultrapassa os limites da proporcionalidade em casos de posse de pequenas quantidades. Sendo assim, Gilmar Mendes (2015, p.39) completa “a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afigura-se excessivamente agressiva à privacidade e à intimidade”

3 CONCLUSÃO

A lei 11.343/2006 atualizou as antigas leis de drogas, trazendo diretrizes focadas na diminuição de danos e uma nova política na diferenciação entre usuários, dependentes químicos e traficantes. Neste sentido, foi omissa ao usar critérios subjetivos ligados a condições pessoais e sociais do infrator, para fazer essa diferenciação, proporcionando confusões jurídicas em dois sentidos, o primeiro por falta de parâmetros específicos para diferenciar um usuário de um traficante, e o segundo quando é seletiva ao ligar a figura do traficante ao estigma do homem negro periférico, enquanto o usuário pertence a classes sociais mais altas. Sendo assim, prende-se demais a uma classe social especifica, enquanto a outra não é atingida.

O dispositivo penal cria figuras ilícitas com sanções penais diferente, mas não os diferencia de maneira especificas, uma vez que mistura os verbos nucleares das práticas de tráfico e uso, causando prisões errôneas e preenchendo o sistema prisional com prisões desnecessárias. Neste sentido as prisões atingem aos mais vulneráveis, que poderiam ser enquadrados como usuário, mas acabam sendo caracterizados como traficantes dados suas condições pessoais e sociais. O motivo principal de ser tipificado como usuário, é a possibilidade de ser despenalizado, mas aplica-se medida socioeducativa ao infrator. Já a tipificação como traficante, garante prisão ao infrator por delito equiparado a hediondo.

Ligado a aplicação da tipificação entre usuários e traficantes está o princípio da igualdade, mas este parece invisível quando aplicado ao momento da prisão, pois negros e pobres são presos com quantidades pequenas de entorpecente seguem como traficante e brancos ricos com quantidades grandes de entorpecente são usuários. A efetividade do princípio mante-se ligada a estigmatização presente na sociedade, uma vez que a sociedade já tem características da figura do traficante que é mantida pela lei ao prender especificamente as pessoas estigmatizadas. A não observância do princípio da igualdade, e as condições na qual a sociedade brasileira está inserida, perpetua o preconceito existente na sociedade, quando a população carcerária é formada em sua maioria por homens negros, periféricos, relacionados a prisão de tráfico.

A tipificação do usuário caracterizado pela posse para consumo próprio, entra em conflito quanto ate o onde o estado pode entrar na privacidade do cidadão e o que este bem faz em sua intimidade. O usuário em seu âmbito privado não pode ser apontado como causador dos problemas acarretados pelo combate a drogas, uma vez que sua conduta não afeta a terceiros, por mais que o produto seja advindo do tráfico. Todavia, mantido ainda como crime, mas despenalizado, a presença do tipo penal corrobora para a manutenção da lacuna presente na lei, sendo assim ajuda a lei a continuar privando a liberdade de pessoas que se enquadrariam para como usuários.

É possível visualizar que as prisões por crime relacionados ao crime de tráfico de drogas aumentaram desde a aplicação da lei 11.343, tendo efeito contrário ao esperado. Sendo assim se tornou uma lei que puni em excesso, em especial a parte periférica das cidades, pune também os que deveriam ter medidas punitivas mais leves, como os usuários e dependentes químicos, que fazem parte das prisões relacionadas ao tráfico. Uma vez que a falta de uma tipificação exata entre as condutas apresentadas ao longo do trabalho, deixa na função do juiz, delegado ou força policial que fez a detenção decidir em qual conduta será classificado do detido.

Por fim, uma nova metodologia quanto ao tratamento da forma de abordar o problema das drogas na sociedade, deixando este de ser um problema de polícia e sim de saúde pública, trazendo o usuário ou dependente químico para possível reabilitação e não o afastando da sociedade. Por este caminho busca-se uma tipificação mais clara, para evitar confusões envolvendo usuários, traficantes e dependentes químicos, para assim suprir esta lacuna presente na lei 11.343/2006, fazendo valida a sua proposta ao ser criada para tornar a ferramenta da tipificação mais clara, procurando corrigir as prisões feitas na falta de observância de outros fatores presentes na sociedade.

O presente artigo foi realizado com base na metodologia de pesquisa qualitativa por meio de análise bibliográfica em obras literárias físicas, como também por meio de pesquisas em mídias digitais e artigos acadêmicos.

REFERENCIAS

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