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20 de Maio de 2024

[Artigo] A Equiparação Salarial antes e após a Reforma Trabalhista

Aborda aspectos atinentes à Lei nº 13.467/2017 e seus reflexos no atual cenário trabalhista brasileiro.

Publicado por Pedro Igor
há 5 anos

Consagrado por uma questão de justiça, o direito do trabalhador à equiparação salarial é norteado pelos princípios constitucionais da isonomia e da irredutibilidade do salário, sendo que para um trabalho igual deve corresponder igual salário, sem discriminação de qualquer espécie.

Tal compreensão é facilitada ao passo que admitimos que nossa Constituição Federal elencou a dignidade da pessoa humana como princípio condutor de todo o ordenamento jurídico, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Além de compreendida enquanto norma jurídica, a equiparação salarial também é entendida pelo próprio senso de justiça das pessoas, mesmo porque, a obrigação de pagar salários iguais a trabalhadores que desenvolvem atividades em iguais circunstâncias, certamente, evidencia uma questão de lógica.

A EQUIPARAÇÃO SALARIAL ANTES DA REFORMA TRABALHISTA

Por uma questão protecionista, a Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 461, estipulava que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.

Nesse sentido, o direito à equiparação salarial seria consagrado a partir da premissa de que trabalho de igual valor deveria ser aquele realizado com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica.

Além dos preenchimentos dos requisitos acima a lei estipulava que a diferença de tempo de serviço, no exercício daquela mesma função, não poderia ser superior a 2 (dois) anos.

Fato é que apesar da clareza da lei e do que ela visava proteger, o dinamismo das situações práticas obrigou a Justiça do Trabalho a sedimentar alguns posicionamentos que muitas vezes contribuíram para esclarecer a extensão da norma.

Sua finalidade máxima era a preservação protetiva da lei, que era igualar salários daqueles que realizavam a mesma tarefa. Obviamente que algumas empresas que insistiam em deixar salários desiguais para trabalhadores iguais usavam da denominação do cargo para tentar se livrar das condenações na justiça. De toda forma, o que realmente importava era a igualdade de funções e não nome que se dava ao cargo.

Como se não bastasse, outra questão que restou enfrentada pelos Tribunais da Justiça do Trabalho foi o entendimento pacífico de que é irrelevante a circunstância do desnível salarial originado em decisão judicial que beneficiou o paradigma (aquele a quem se pretende ter por equiparado o salário).

Apesar de não constar expressamente na lei, a jurisprudência entendeu que a razão do paradigma receber salário superior é irrelevante, pois o que importa para efetivação da equiparação salarial é apenas a identidade de funções e o tempo não superior a dois anos.

Em todos os seus posicionamentos acerca da matéria, a Justiça do Trabalho interpretou a lei elevando e considerando a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a repressão contra a discriminação salarial.

Por isso, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 6, com vista de unificar todo entendimento acerca da equiparação salarial e nortear o julgamento nas instâncias inferiores.

Se por um lado as posições judiciais atuavam no sentido de proteger o trabalhador e reprimir a discriminação, por outro, a adoção de planos de cargos e salários eram realizados de forma a que o desnível salarial tivesse amparo e justificativas plausíveis.

Assim, para evitar abusos em relação ao plano de cargos e salários e também evitar que as normas internas da empresa pudessem gerar discriminações, era exigido, para sua validade, que tal plano fosse homologado pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Tal exigência fazia parte da ampla proteção contra discriminação salarial existente antes da entrada em vigor na reforma trabalhista, que, indiscutivelmente, retirou proteções fundamentais nas relações contratuais trabalhistas.

Em verdade, a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) modificou inúmeros direitos trabalhistas previstos na CLT, implementou mudanças e novas regras na equiparação salarial que nitidamente visam enfraquecer o espírito de proteção contra a discriminação salarial.

A EQUIPARAÇÃO SALARIAL APÓS A REFORMA E O NOVO ARTIGO 461 DA CLT

Inicialmente salienta-se que a “nova” lei restringiu direitos que antes eram protetivos à classe trabalhadora, sendo a equiparação salarial um exemplo claro acerca dos verdadeiros interesses da “reforma” trabalhista.

Conforme já visto no tópico anterior, antes da reforma o parágrafo 2º do artigo 461 da CLT exigia que os planos de cargos e salários fossem homologados pelo Ministério do Trabalho.

Ocorre que essa exigência que visava proteger excessos de normas internas quanto à formação de quadro de pessoal organizado foi simplesmente excluída. Com a reforma as empresas vão poder criar normas internas com estipulação de cargos e salários, sem qualquer fiscalização e essas regras serão válidas sem o crivo da homologação estatal.

Obviamente que esse plano de cargos e salários não pode se sobrepor às leis, nem tão pouco estipular livremente a discriminação salarial, sendo perfeitamente passível de impugnação judicial.

Sem dúvida alguma haverá uma maior dificuldade em se pleitear equiparação salarial quando o empregador tiver formulado plano de cargos e salários, haja vista que está dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.

Por uma questão de avaliação lógica, podemos afirmar que, com menor rigor na fiscalização, a tendência é flexibilizar a legislação que proíbe a discriminação salarial, o que contraria de forma veemente as previsões constitucionais de proteção ao trabalhador.

Houve também substancial alteração no que tange aos requisitos para se pleitear equiparação salarial na justiça, uma vez que o atual § 1º do artigo 461 altera os requisitos na legislação anterior decretando que trabalho de igual valor consistirá naquele que for executado com igual produtividade e mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.

É cristalino que a reforma trabalhista criou novos requisitos que dificultam a luta contra a discriminação salarial. Não haverá possibilidade de pleitear a equiparação salarial quando a diferença de tempo de serviço prestado pelo equiparando e paradigma para o mesmo empregador seja superior a quatro anos, bem como a diferença de tempo na função seja superior a dois anos (§ 1ª do artigo 461 da CLT).

Tal regra não existia e sua criação teve um objetivo evidente: aumentar a possibilidade da existência de discriminação salarial, fomentar a competitividade interna e dificultar aos trabalhadores que se sintam injustiçados em pleitear o restabelecimento de seus direitos na Justiça do Trabalho.

Ainda sobre análise do § 1º do artigo 461, constata-se que a equiparação salarial só poderá ser permitida quando o serviço de igual valor for prestando para o mesmo empregador, excluindo assim, a possibilidade de se pleitear equiparação salarial entre trabalhadores que tenham salários desiguais dentro do mesmo grupo econômico.

Nesse sentido existe ainda mais uma nova restrição aos trabalhadores, tendo em vista que, além de mesmo empregador, passou a exigir que o trabalho seja prestado no mesmo estabelecimento, estando teoricamente superado o que estava consagrado no item X da súmula 6 do TST editada antes da reforma trabalhista que estipulava: “O conceito de "mesma localidade" de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo Município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana.”

Finalmente, mas não menos importante, o § 5º do artigo 461 passa a estabelecer que o direito em tela somente será possível entre empregadores contemporâneos no cargo ou na função, estando proibido a indicação de paradigmas que tenham obtido a vantagem em ação judicial própria.

Ainda que realizando um esforço interpretativo para entender esse tópico da reforma na legislação que trata a equiparação salarial, é impossível qualquer entendimento divergente do que a simples constatação de retirada explícita de direitos e a tentativa em esvaziar o instituto com um número substancialmente menor de reclamações trabalhistas que visam à igualdade salarial.

Importante ressaltar que além de estipular o novo requisito para equiparação salarial no sentido de estabelecer o critério de quatro anos para o mesmo empregador, a atual legislação manteve a determinação complementar que o tempo na mesma função deve ser de no máximo dois anos.

Agora, além dos dois anos na mesma função deve o trabalhador demonstrar que não existe diferença superior a quatro anos para o mesmo empregador, enfim, se somou uma exigência a mais para se desfazer uma injustiça em relação aos valores salariais.

Como se não bastasse, a reforma trabalhista acrescentou o § 6º no artigo 461 que estipula multa no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do RGPS em casos em que for comprovada a discriminação por motivo de sexo ou etnia.

Em que pese as novas regras do texto acrescido no artigo 461, nosso ordenamento já previa a possibilidade de condenação por danos morais, em valores muito superiores a 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, além de ser considerado crime pelo Código Penal.

CONCLUSÃO

A legislação trabalhista brasileira sempre desempenhou um importante papel em equilibrar as relações do trabalho, através da proteção de direitos fundamentais do trabalhador, principalmente fazendo valer o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

A proteção do trabalhador é fundamental em um estado democraticamente organizado, principalmente em um país com uma desigualdade social tão elevada. Essa proteção é importante para que a relação de trabalho seja harmônica, justa e que os excessos não sejam tolerados.

Contudo, a reforma trabalhista vem na contramão dos interesses da classe trabalhadora, posto que cria barreiras aos direitos destes e também impedimentos, dificultando o acesso à justiça, o que, inapropriadamente viola princípios fundamentais da constituição federal.

Em relação especificamente à equiparação salarial, verifica-se que houve claramente uma diminuição de direitos, houve uma flexibilização do que se deve ser rigoroso.

Evidente que como toda legislação antiga, algumas reformas devem ser realizadas para adaptar as realidades sócio contemporâneas, entretanto, valores como discriminação, não mudam e não devem ser reformados. A luta contra a discriminação de qualquer espécie deve ser constante e qualquer norma que diminua os preceitos fundamentais dos trabalhadores, deve ser considerada nula e inconstitucional.

REFERÊNCIAS

  1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
  2. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho.
  3. BEZERRA LEITE, Carlos Henrique (Coord). Novo CPC: Repercussões no Processo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2015.
  4. BRANDÃO, Claudio. Reforma do sistema recursal trabalhista: comentários à Lei. 13.015/2014, 2. Ed. São Paulo: LTR, 2016
  5. BUENO, J. Hamilton (Coord.). Curso de direito processual do trabalho. Em homenagem ao Ministro Pedro Paulo Teixeira Manus. São Paulo: LTr, 2008.
  6. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2010.
  7. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2012.
  8. DONIZETTI, Elpídio; JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Redigindo a Sentença Trabalhista. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
  9. MALLET, Estevão. Repercussões do Novo CPC: Processo do Trabalho. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
  10. MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 14.ed. São Paulo: Atlas, 2012.
  11. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 39.ed. São Paulo: LTr Editora, 2014.
  12. SÜSSEKIND, Arnaldo. MARANHÃO, Délio. VIANNA, Segadas. TEIXEIRA, Lima. Instituições de Direito do Trabalho. 19 ed. São Paulo: LTr, 2000.
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4 Comentários

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Artigo esclarecedor e muito bem escrito, Pedro! Devemos combater sempre, usando os meios disponíveis, qualquer medida discriminatória! continuar lendo

Obrigado pelas palavras, doutor. Feliz em saber que compartilhamos do mesmo entendimento.
Forte abraço! continuar lendo

Bom dia, Pedro

Primeiramente gostarias de parabeniza-lo pelo texto.

Tenho muitas dúvidas em como aplicar ou não a equiparação salarial.

Poderia me indicar alguma matéria explicativa, com exemplos de equiparação salarial, para meu melhor entendimento. continuar lendo

Olá, Roselene Proni. Muito obrigado!

O Direito como um todo é conhecido por ser dinâmico. Nesse sentido, cada caso tem suas peculiaridades e deve ser cuidadosamente analisado à luz da lei, da jurisprudência e da doutrina contemporânea.
Ademais, lembremo-nos dos atuais requisitos para se pleitear a equiparação salarial, previstos no art. 461/CLT:

- Identidade Funcional;
- Mesmo empregador;
- Mesmo estabelecimento empresarial;
- Diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador menor que 4 (quatro) anos e diferença de tempo na função menor que 2 (dois) anos;
- Inexistência de quadro de carreira;
- Simultaneidade na prestação de serviços.

Sucesso nos estudos! continuar lendo