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17 de Maio de 2024

Breves considerações sobre o concurso de pessoas

Publicado por Laianne Costa
há 8 anos

O ser humano é um ser social e, como tal, necessita viver em conjunto com seus semelhantes para que juntos alcancem objetivos comuns. O instinto associativo é importante para a construção de uma sociedade sadia, desde que as condutas individualmente tomadas sejam consideradas corretas do ponto de vista moral e a união seja voltada para o bem de todos.

Entretanto, verifica-se que ao longo da história o ser humano também buscou unir-se a outros com o objetivo de realizar condutas distintas das socialmente aceitas, a exemplo da concorrência para a prática de infrações penais ou concurso de pessoas – do latim concursum, “competição, ato de correr junto”, de com, “junto”, mais cursum, “corrida, deslocamento” –, hipótese na qual o instinto associativo constitui verdadeiro obstáculo ao processo civilizatório.

Nesse sentido, o crime pode ser cometido por apenas uma pessoa, caso em que será classificado como monossubjetivo e, se houver concurso, este será meramente eventual. Mas também por duas ou mais pessoas, caso em que será classificado como plurissubjetivo e, em regra, o concurso será necessário, pois tal condição manifesta-se como elemento do tipo penal.

É certo que a maioria dos delitos conhecidos prescindem do envolvimento de mais de uma pessoa, sendo, pois, monossubjetivos. Mas, seja pela possibilidade de sucesso da empreitada criminosa, pela garantia de impunidade dos envolvidos, pelo aproveitamento conjunto do resultado do crime ou tão somente para satisfazer a interesses individuais, as pessoas eventualmente o praticam em concurso. Logo, são a esses casos que se dirige o presente instituto, uma vez que nos delitos que necessitam de mais de um sujeito ativo e, portanto, plurissubjetivos, o concurso de pessoas já se apresenta como conduta legalmente prevista.

Com efeito, o concurso de pessoas refere-se a um fenômeno social relativo ao caráter gregário do ser humano, sujeito a modificações à medida que a sociedade evolui. O direito, por sua vez, avança simultaneamente a fim de adaptar-se a essas mudanças. No caso em tela, assim o faz para acompanhar novas formas de associação para a prática delituosa, como no caso da pessoa que pratica um crime através de outra pessoa.

Nesse contexto, uma série de questões vem à tona, do conceito de concurso de pessoas à identificação de quem é autor e quem é partícipe, por meio de critérios estabelecidos, bem como a punição atribuível a cada um deles.

Portanto, partindo do posicionamento doutrinário e jurídico conferidos à matéria, buscar-se-á, no decorrer deste artigo, responder, em síntese, a cada uma dessas questões.

1. Conceito

O atual Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940) adota, no Título IV, Parte Geral, a expressão “Do Concurso de Pessoas” para referir-se à situação em que duas ou mais pessoas concorrem para a prática de uma mesma infração penal. Conforme visto, essa terminologia é uma inovação trazida pela reforma de 1984 em contraposição às utilizadas pelos códigos anteriores, “co-autoria” e “concurso de agentes”.

Assim sendo, entende-se, particularmente, aqui, o concurso de pessoas como sendo a associação humana livre e dolosa destinada à prática de uma infração penal em comum.

2. Teorias

Conhecido o conceito acima exposto, indaga-se: aqueles que concorrem para a prática de uma mesma infração penal serão todos por ela responsabilizados ou cada participante responderá somente por sua conduta, diferenciando-se autor de partícipe?

Para responder a essa pergunta, surgem as teorias sobre o concurso de pessoas, que buscam, em última análise, determinar a punibilidade que recairá sobre cada um dos envolvidos.

Vejamos, respectivamente, cada uma delas.

a) Teoria pluralista: para essa corrente há tantos crimes quanto forem o número de pessoas que concorrram para sua prática, isto é, a cada pessoa uma conduta, a cada conduta um crime, a cada crime uma autoria e a cada autoria uma punição, ainda que se convirja para um resultado em comum. Cuida-se de uma teoria de caráter subjetivo – ao contrário da monista, que é objetiva – e não difere, de plano, autoria de participação.

b) Teoria dualista: para essa corrente há dois planos de condutas, que corresponderão, respectivamente, a dois crimes distintos e, com isso, a duas punições diversas, um praticado pelo (s) autor (es) e outro praticado pelo (s) partícipe (s). No primeiro plano encontram-se aqueles que executam a conduta descrita no núcleo do tipo penal e, portanto, principal; no segundo, estão todos os que executam condutas que não se inserem naquela descrita no núcleo do tipo penal, mas que são secundariamente relevantes para o sucesso da infração.

c) Teoria unitária: para essa corrente o foco está no resultado da infração penal, considerado único e indivísivel, e não necessariamente na conduta do sujeitos, devendo ser responsabilizados pelo mesmo crime todos aqueles que contribuíram para a sua prática. Ao contrário da teoria pluralista, é de cartáter objetivo, mas também não difere autor de partícipe.

Pois bem. Importa saber qual dessas teorias foi a adotada pela legislação penal brasileira.

A resposta encontra-se no artigo 29 do Código Penal (CP), segundo o qual: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, que demonstra, claramente, a preferência do legislador pátrio pela teoria unitária, de modo que, em princípio, todos os concorrentes respondem por um só crime.

3. Requisitos

Sabendo o que é concurso de pessoas e a forma pela qual aqueles que dele participam merecem ser responsabilizados – se como autores ou como partícipes – resta compreender quais os requisitos ou pressupostos necessários para a sua constituição.

De modo geral, há cinco elementos indispensáveis à existência do concurso de pessoas: a) pluralidade de participantes e de condutas; b) relevância causal de cada conduta; c) vínculo ou liame subjetivo entre os participantes; d) identidade da infração penal ou de fato.

Vejamos um por um.

a) Pluralidade de participantes e de condutas: é um requisitos indispensável dada a própria razão de ser do concurso de pessoas, que exige a soma de condutas puníveis provocadas por mais de uma pessoa e dirigidas a um resultado comum.

b) Relevância causal de cada conduta: significa dizer que não basta a presença de mais de uma pessoa praticando cada qual uma conduta punível, é necessário, para que se configure o concurso de pessoas, que todas as ações sejam relevantes para a ocorrência do resultado, ensejando, possibilitando ou, ao menos, influenciando a conduta principal.

c) Vínculo ou liame subjetivo: refere-se ao elemento psicológico que une os participantes a um objetivo comum, isto é, deve haver entre ele o animus de agir em conjunto e o conhecimento da participação das demais pessoas que também buscam aquele fim.

Há autoria colateral quando duas ou mais pessoas decidem praticar o mesmo fato criminoso, porém não combinam entre si, ou seja, não há entre eles qualquer vínculo psicológico ou liame subjetivo que os levem a conhecer a intenção dos demais. Da autoria colateral decorre a autoria incerta, quando além de não haver qualquer relação entre as pessoas que atuaram na prática de um mesmo crime, não se pode definir com certeza qual delas foi a responsável pelo resultado almejado. Ambas diferem da autoria desconhecida, em que sequer se conhece os autores que sem nenhum liame subjetivo venham a causar o mesmo resultado.

d) Identidade da infração penal ou identidade de fato: é a vontade plural voltada ao alcance de um mesmo objetivo, o desejo de cada participante de praticar o mesma infração.

Realmente, apenas se presentes tais pressupostos é que há de se falar na caracterização do concurso de pessoas.

4. Autoria

4.1 Conceitos

A doutrina aponta duas teorias que tomam pra si a responsabilidade de, juridicamente, conceituar a autoria, as quais incidem nos conceitos restritivo e extensivo de autor.

a) Conceito restritivo de autor: autor é quem pratica diretamente a conduta descrita no núcleo do tipo penal e partícipe é quem pratica condutas secundárias à central. Extrai-se desde logo a possibilidade de distinguir objetivamente autor de partícipe, razão pela qual esse conceito se aproxima de uma teoria objetiva de participação, que pode ser: teoria objetivo-formal – relaciona-se à literalidade do tipo penal e a conformidade da ação com os verbos ali descritos, considerando autor quem os executa e partícipe quem contribui de outra forma para o resultado final; e teoria objetivo-material – em vista dos defeitos constantes da teoria objetivo-formal no que se refere a nem sempre haver uma descrição clara do injusto da ação, surge essa segunda vertente que se baseia no grau de perigosidade que caracteriza a ação do autor com relação a do partícipe, isto é, autor é quem pratica ação de maior importância para o sucesso da infração penal, enquanto partícipe é quem contribui para ela, mas com menos relevo.

Adianta-se que o conceito restritivo não goza de preferência entre os doutrinadores uma vez que deixa de contemplar a figura do autor mediato, já que ele não seria capaz de realizar, por si só, a conduta descrita no núcleo do tipo, nem, eventualmente, uma co-autoria em que não houvesse uma contribuição mais importante.

b) Conceito extensivo de autor: autor é quem colabora de alguma forma para a prática criminosa, não importando se realiza ou não o núcleo do tipo. Desde logo, pode-se perceber que não é possível distinguir objetivamente autor de partícipe, o que se faz crer que essa corrente segue atrelada à teoria subjetiva de participação, em que se busca a distinção entre autor e partícipe por meio da valoração do animus do sujeito quanto ao resultado do crime, isto é, se o desejou como fato próprio (animus auctoris) ou como fato alheio (animus socii).

Novamente, o conceito extensivo do autor não foi o escolhido pela doutrina majoritária. Isso porque a sua utilização acabaria se tornando justificativa para a não punição de sujeitos que viessem a praticar conduta típica descrita no núcleo do tipo penal tão somente por não terem a vontade de tomar para si o fato como próprio.

Contudo, o artigo 29, caput, do Código Penal Brasileiro, ao prever que: “quem de qualquer modo concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas” volta-se para um conceito extensivo de autor, ainda que a pena se baseie “na medida da culpabilidade” e que se possa reduzi-la para a participação de menor importância (artigo 29, § 1º).

O fato é que a demasiada amplitude do conceito extensivo acabou por ocasionar inúmeras críticas a essa ideia.

5. Participação

5.1 Teorias

As teorias da participação são utilizadas para determinar a punição do partícipe com base na conduta tomada pela autor. São quatro as teorias que buscam atribuir relevância jurídica à conduta do partícipe:

a) Teoria da acessoridade mínima: para que o partícipe seja punido basta que o autor realize uma conduta típica;

b) Teoria da acessoriedade limitada: a participação só é punível se o autor levar a efeito uma conduta típica e ilícita;

c) Teoria da acessoriedade máxima ou extrema: o partícipe somente será responsabilizado penalmente se o autor vier a praticar uma conduta típíca, ilícita e culpável.

d) Teoria da hiperacessoriedade: a participação somente será punida se o autor der causa a um fato típico, ilícito, culpável e punível.

Considera-se a teoria da acessoriedade limitada como a mais aceita pelos doutrinadores e, portanto, a adotada pela legislação penal pátria.

5.2 Participação de menor importância

Cumpre destacar o teor do artigo 29, § 1º, do Código Penal, segundo o qual “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”, tratada, portanto, pelo legislador penal como causa geral de diminuição de pena.

Lembre-se que apesar do vocábulo “pode”, a pena, nesse caso, “deve” ser diminuída. A faculdade diz respeito tão somente ao quantum da diminuição.

5.3 Participação em crime menos grave

De acordo com o § 2º do art. 29 do Código Penal: “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada de até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Significa dizer que não havendo acordo mútuo, aquele que, por conta própria resolve cometer crime mais grave, deve sozinho, por ele ser responsabilizado.

5.4 Participação impunível

No que se refere à participação, o já visto artigo 29, § 1º, do Código Penal, que trata da diminuição da pena quando a participação é de menor importância, é também consequência da maneira pela qual se dá a punibilidade no concurso de pessoas, pois quanto maior a contribuição para o crime, maior a pena; quanto menor a contribuição para o crime, menor deverá ser a repressão penal.

E, ainda, merece destaque o artigo 31 do Código Penal, que versa sobre a participação impunível, já tratada anteriormente, de acordo com o qual “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Dessa forma, a punição do partícipe somente é punida se a conduta do autor chegar ao menos à fase de execução.

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