Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
25 de Maio de 2024

Considerações sobre a possibilidade de aplicação da tutela de evidência nas ações de divórcio litigioso

Publicado por Bianca Machado
há 3 anos

Diante da morosidade do poder judiciário, causada pelo número excessivo de processos, em alguns casos é preciso que se antecipem os pedidos requeridos antes da análise de todas as eventuais provas processuais. Para dar celeridade e efetividade à justiça, o direito processual civil possui mecanismos que aceleram a concessão do direito quando presentes alguns requisitos essenciais a depender da tutela pretendida.

A tutela de evidência prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015 é espécie de tutela antecipada que tem como objetivo a concessão de pedido de direito certo antes do contraditório da parte adversa na ação. A particularidade da tutela de evidência é que o direito pleiteado, à primeira vista, mostra-se indiscutível e evidente. O artigo 311 do Código de Processo Civil apresenta um rol de possibilidades de concessão da tutela de evidência, in verbis:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em sumula vinculante;

III - Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental, suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável;

Parágrafo Único: Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.[1]

Diferentemente da tutela antecipada de urgência, para ser concedida, a tutela de evidência não exige como requisito o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, bastando a ocorrência de uma das situações citadas para a sua concessão. A tutela de evidência pode, inclusive, ser aplicada antes da citação da parte adversa na relação processual, inaudita altera pars, nos casos previstos nos incisos II e III do referido artigo, quando o juiz decide liminarmente sobre o pedido.

A Doutrina discute atualmente se o rol do artigo 311 do Código de Processo Civil seria taxativo ou exemplificativo. Por receio de parte dos julgadores em conceder a tutela de evidência, o entendimento atual dominante é de que o rol é taxativo, no entanto, alguns juristas defendem que a tutela de evidência possa ser aplicada em outros casos além dos previstos no rol do artigo 311, quando nestes casos esteja contemplada a real probabilidade do direito pleiteado.

Considerando a possibilidade de utilização da tutela de evidência em casos não previstos no artigo 311 do Código de Processo Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves em sua obra Manual de Direito Processual Civil, dispõe o seguinte (2016, p.927):

Conforme já criticado, o rol do art. 311 do Novo CPC não consegue contemplar todas as hipóteses de cabimento da tutela da evidencia, sendo criada pelo legislador a tutela da evidencia típica, prevista no art. 311 do Novo CPC, e a tutela da evidencia atípica, prevista expressamente pelo ordenamento legal. A observação não é meramente atípica, prevista esparsamente pelo ordenamento legal. A observação não é meramente acadêmica, porque sendo a tutela da evidencia atípica, os requisitos são específicos, e como será visto menos robustos do que aqueles previstos no art. 311 do Novo CPC.[2]

Talvez a mais relevante discussão sobre a aplicação do instituto processual da tutela de evidência se dê no âmbito do direito ao divórcio. A partir da Emenda Constitucional nº 66/2010 que alterou o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, houve a permissão pelo ordenamento da dissolução imediata do casamento pelo divórcio, sem a necessidade de prévia separação, estabelecendo que a vontade dos casados prevaleça e que eles não podem ser compelidos a permanecer em um contrato de casamento quando não há vontade de uma ou ambas as partes, ou seja, o único requisito para a decretação do divórcio passou a ser a vontade.

Diante desta previsão constitucional, fica claro o direito de os cônjuges, então casados, terem o divórcio por sua própria vontade, mesmo que seja exclusiva, revelando ser o divórcio um direito personalíssimo, potestativo e incondicionado.

Alavancada pela Emenda Constitucional nº 66/2010, a ideia de conceder antecipadamente o divórcio, a título de tutela de evidência, chegou aos Fóruns e Tribunais. O Tribunal de Justiça de Goiás decidiu recentemente sobre o assunto:

Agravo de Instrumento. Ação de Divórcio Litigioso. Concessão de divórcio em liminar. Possibilidade. Tutela de Evidência. Com a Emenda Constitucional nº 66/2010 - que deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da CF/88, o divórcio passou a depender somente da manifestação de vontade dos cônjuges, eliminando-se a exigência de comprovação de culpa e o decurso de tempo para a dissolução do vínculo matrimonial, ou seja, o direito ao divórcio passou a ser potestativo e incondicionado. Assim, preenchidos os requisitos do artigo 311, IV, do CPC, demonstrada a existência da relação matrimonial por meio de documento hábil e havendo pedido expresso de divórcio, é viável a sua imediata decretação, máxime quando as partes já não têm mais possibilidade de reconciliação. Agravo de instrumento conhecido e provido.[3]

Analisando a ementa acima colacionada é possível perceber que além do Tribunal ter enquadrado o divórcio no inciso IV, do artigo 311 do Código de Processo Civil, abriu mais uma possibilidade de concessão liminar, superando a previsão do parágrafo único do referido artigo, entendendo que o cônjuge requerido sequer precisa ser citado previamente para haver a decretação do divórcio. Para o Tribunal a concessão do divórcio diante de pedido unilateral é direito da pessoa casada, não sendo necessário que o seu cônjuge concorde com tal decisão.

Apesar do risco de dano ou ao resultado útil do processo não serem requisitos para a concessão de tutela de evidência, é importante frisar que o divórcio pode sim ser um direito considerado urgente. Seria o caso, por exemplo de alguém separado de fato que está muito doente ou idoso e teme morrer antes de efetivado seu direito, ou ainda, alguém que pretende casar-se novamente e tem pressa ao requerer seu divórcio.

Com base no exposto, podemos concluir que embora o texto normativo do artigo 311 do Código de Processo Civil descreva algumas situações em que a tutela de evidência pode ser concedida, há razões para abranger a aplicação da tutela de evidência, como nos casos de divórcio litigioso. Inegável que o direito precisa se adaptar ao mundo dos fatos e a decretação liminar do divórcio, a título de tutela antecipada de evidência, é uma maneira eficiente de se ter a efetivação do direito sem precisar enfrentar a morosidade do poder judiciário.


[1] Lei 13.105/2015, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília: Senado, 2015.

[2] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único. 8 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

[3] TJGO, Agravo de Instrumento (CPC) 5236114-42.2020.8.09.0000, Rel. Des (a). CARLOS ALBERTO FRANÇA, 2ª Câmara Cível, julgado em 04/08/2020, DJe de 04/08/2020.

  • Publicações5
  • Seguidores10
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações120
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/consideracoes-sobre-a-possibilidade-de-aplicacao-da-tutela-de-evidencia-nas-acoes-de-divorcio-litigioso/1149851831

Informações relacionadas

Artigoshá 3 anos

Breves considerações sobre tutelas de evidência e urgência

Freelancer Jurídico, Advogado
Modeloshá 2 anos

[Modelo] Ação de Divórcio Litigioso c/c Partilha de Bens com Pedido de Antecipação de Tutela Provisória de Evidência

Livio Nobre, Advogado
Modeloshá 4 anos

Modelo de Divórcio litigioso com pedido de antecipação de tutela de evidência

Djonatan Hasse, Advogado
Artigoshá 7 anos

Tutela provisória da evidência nas condenações ao pagamento de indenização por danos morais

Gabriel Villas, Bacharel em Direito
Artigoshá 5 anos

Você já sabe o que é Sub-rogação?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)