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29 de Abril de 2024

CRIME - dirigir Veículo sem placa

O que esqueceram de te contar?

Publicado por Gabriel Gouvêa
há 11 meses

Resumo do artigo

Opinião pessoal baseada na melhor doutrina penal e entendimentos dos Tribunais Superiores


A chegada da nova Lei 14.562/23, relacionada à placa de identificação veicular está sendo motivo de muita preocupação para os motoristas, especialmente frente a notícia de possiblidade de prisão em flagrante delito para quem for flagrado com veículo automotor sem placa.

Muito antes da publicação da nova lei o artigo Art. 311 do Código Penal já previa como crime a conduta de "Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa."

Com o advento da nova lei o Art. 311 foi alterado em 27/04/2023, e passou a prever que é crime “suprimir” número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, sem autorização do órgão competente. Veja como ficou.:

"Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir NÚMERO de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, OU QUALQUER SINAL IDENTIFICADOR de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023) Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: (Redação dada pela Lei nº 14.562, de 2023) III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar ADULTERADO ou REMARCADO. (Incluído pela Lei nº 14.562, de 2023)

Com inclusão do verbo SUPRIMIR, muitos passaram a afirmar categoricamente que" andar "sem placa agora passou a ser considerado crime e o condutor pode ser PRESO em flagrante delito. Contudo, conforme brevemente passaremos a demonstrar, tal afirmação por si só não é verdadeira, quando interpretada segundos os ditames Constitucionais e Princípios basilares norteadores do Direto Penal brasileiro.

De certo que a palavra traz algumas interpretações e pode induzir pessoas a erro. Mas, se observada a melhor doutrina penal nossa jurisprudência dos Tribunais Superiores, chegaremos ao entendimento segundo o qual não configura crime a conduta de" andar "sem placa.

No que tange a interpretação penal, tem-se que esta é regida pelo princípio da legalidade. Tal princípio pode ser dividido em quatro subprincípios, comumente definidos por uma expressão em latim: Legalidade escrita (nullum crimen, nulla poena sine lege scripta), Legalidade estrita (nullum crimen, nulla poena sine lege stricta), Anterioridade (nullum crimen, nulla poena sine lege praevia) e Taxatividade (nullum crimen, nulla poena sine lege certa).

Nesse ponto nos importa o princípio da Taxatividade. Esse último subprincípio corresponde a uma necessidade de que a lei penal seja por si só suficientemente, que ela seja clara em seus termos para que não se promovam injustiças por meio de interpretações subjetivas e exageradamente alargadas por parte dos aplicadores do direito ou da população pra quem é direcionada.

Decorrente desse princípio vem a vedação do que chamamos de interpretação maléfica, ou seja, aquela que de alguma forma prejudique o indivíduo, entendendo aquilo que a lei não disse ou quis dizer.

Começando pela leitura básica do novo delito temos.:

"Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir NÚMERO de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, OU QUALQUER SINAL IDENTIFICADOR de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações.."

Veja que a própria lei narra que seu objetivo é punir quem adulterar, remarcar ou suprimir o NÚMERO ou SINAL identificador, ou seja, apenas características da placa, em nenhum momento aduz sobre a inexistência/supressão da PLACA em sua integra, muito menos a conduta de dirigir veículo automotor sem placa.

Corroborando isso temos o próprio e principal significado da palavra SUPRIMIR para o dicionário Aurélio brasileiro."bitransitivo - tirar (uma parte) de (um todo); cortar, retirar."Veja, PARTE de um TODO.

Ratificando ainda mais não ser crime a conduta de" andar "sem placa, devemos trazer/relembrar o conhecimento do princípio norteador do Direito Penal Brasileiro: princípio da Intervenção Mínima.

Temos que o poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado por esse princípio. Significa dizer que o Direito Penal deve preocupar-se com a proteção dos bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Por cuidar de tamanha relevância, é o ramo mais gravoso do Direito, ou seja, o ramo do qual decorrem restrições, punições avassaladoras, capazes de privar o indivíduo de sua Liberdade através da prisão.

Por isto, servindo como um parâmetro não só para o julgador mas também para o legislador quando da elaboração de normais penais, deve ele ater-se à tutela de questões que sejam realmente ofensivas e lesivas, sendo então caracterizado como ultima ratio (ultima hipótese), ou seja, última opção de controle, somente aplicável quando não houver outra forma igualmente eficaz de solucionar o dado problema e com menor tipo sancionatório.

No caso em estudo temos sim norma eficaz e que não aplica pena tão grave ao cidadão. Isso porque há muito o Código de Trânsito Brasileiro, considera a prática de transitar sem placa como infração de trânsito gravíssima, punida com multa de R$ 293,47 (art. 230, IV, do CTB), não como crime.

"Art. 230. Conduzir o veículo: Infração - gravíssima; Penalidade - multa e apreensão do veículo;"

Assim, na eventualidade de prisão em decorrência da interpretação aqui combatida, deve ser arguida a ilegalidade do ato, frente a atipicidade da conduta. Não configura CRIME andar sem placa, mas sim mera infração.

Aliás, ainda que considerássemos que a prática de andar sem placa configure crime, jamais configuraria o delito previsto no Art. 311 do Código Penal, mas sim o previsto do Art. 180 do Código Penal, crime de receptação.

Considerando crime, se estaria entendendo que o art. 311 do Código Penal prevê que suprimir a placa de identificação, sem autorização do órgão competente, é crime. Suprimir é retirar, eliminar. Logo, quem retira a placa pratica o crime previsto no art. 311 do CP. Consequentemente, quem conduz o veículo sem placa pratica o crime de receptação (art. 180 do CP), por ser o veículo “produto de crime”. Caso o condutor do veículo seja o indivíduo que retirou a placa haverá somente o crime do art. 311 do CP, sendo a condução pós-fato impunível (princípio da consunção).

Veja que o delito previsto no Art. 311 passou a ter pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa, enquanto o delito do Art. 180, 1 a 4 anos.

Sobre o crime de receptação para quem dirige veículo com sinal de identificação adulterado:O veículo automotor com sinal de identificação adulterado insere-se no conceito de “produto de crime” e, portanto, deve ser considerado apto a configurar o objeto do delito de receptação.

TJ-SP – APL: 00004499520068260050 SP 0000449-95.2006.8.26.0050, Relator: Airton Vieira, Data de Julgamento: 14/04/2014, 1ª Câmara Criminal Extraordinária, Data de Publicação: 15/04/2014.

De todo modo, exposto o acima apenas por amor ao debate já que mesmo considerando o delito do Art. 180 a interpretação seria datada de tamanha ilegalidade conforme já fundamentado. Em que a atual previsão do art. 311 do Código Penal, em razão da subsidiariedade do direito penal, da intervenção mínima e do princípio da legalidade, corroborados por já ser essa conduta considerada infração de trânsito (art. 230, IV, do CTB) e tal infração ser bastante para “punição” de forma proporcional da conduta, não há crime.

Por fim, é importante frisar que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes do advento da lei, já entendia, que a conduta de “suprimir” está abarcada pela conduta de “adulterar”, sempre ressaltando que a vedação é a retirada/supressão das características, nunca da conduta de “anda” sem, até porque, o CTB ( Código de Trânsito Brasileiro) já punia essa conduta como infração administrativa.

(A conduta de raspar ou suprimir OS CARACTERES gravados no chassi, também denominado de Número de Identificação do Veículo – NIV, dos veículos automotores, subsume-se ao crime previsto no art. 311 do Código Penal.3. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp: 1035710 SP 2008/0044128-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 21/06/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2011)

Espero que com este artigo seja possível combater afirmação seca e pura de que tal conduta configura crime, vez que vem causando temor de prisão ao psicológico do cidadão que passa pela eventualidade de andar sem placa, de forma a propiciar meios de autodefesa e trazer fundamentos jurídicos aos profissionais que se deparem com essa situação na prática forense.

É certo que, mesmo entendendo desnecessária a discussão e a existência da dúvida, não se pode negar sua existência. Com a alteração recente da lei teremos que esperar a manifestação dos Tribunais Superiores acerca da interpretação de tal delito, para que de forma definitiva possamos espancar qualquer interpretação maléfica.

Gabriel Gouvêa Neno Reiff

Advogado Criminalista


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2 Comentários

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Muito esclarecedor. Parabéns pelo artigo! continuar lendo

Muito bom Dr., obrigado pelo conteúdo. continuar lendo