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7 de Maio de 2024

Da tentativa

Conceito versus momento

Publicado por Helio Martins
há 3 anos

Sem a mais remota pretensão de esgotar o tema, tampouco verticalizar a temática, questão pertinente afeta à teoria geral do crime consiste na distinção entre o conceito de tentativa e o momento em que ocorre a tentativa.

A tentativa (conatus), prevista no art. 14, inciso II do Código Penal, ocorre quando, iniciada uma conduta, o delito não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Assim sendo, o inciso II do art. 14 esclarece o momento ou quando ocorre a tentativa, mas não estabelece o que é a tentativa (conceito).

De efeito, conceitua-se a tentativa como uma hipótese de adequação típica por subordinação mediata, através de uma norma de extensão da tipicidade penal (conceito), que ocorre quando, iniciada uma conduta, o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente delituoso (momento).

Dogmaticamente, fala-se em hipótese de subordinação mediata, uma vez que a punição da tentativa é possibilitada justamente em razão do disposto no inciso II do art. 14 do Código Penal:

Diz-se o crime: [...] - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A tipicidade é o juízo de adequação entre a conduta e a norma prevista em abstrato. Portanto, tomando-se como exemplo o homicídio, crime por excelência, tentar matar alguém não é a conduta prevista no art. 121 do Código Penal, isto é, a redação do legislador impõe a necessidade de pena em relação ao homicídio quando o agente pratica o núcleo do tipo "matar alguém", ceifando a vida do ofendido.

Entretanto, não consta na redação originária do dispositivo (art. 121) a redação "tentar matar alguém" (portanto, correta a premissa: não existe crime tentado, mas tentativa de crime):

"[...] somente a partir da apreensão do sentido de um tipo de ação é possível definir a tentativa, já que não existe uma tentativa em si, mas sim uma tentativa de algo. Logo, esse algo, que é o tipo, deve ser percebido através da ação realizada, para que se identifique concretamente a presença de uma tentativa" (BUSATO, Paulo César. Direito Penal Parte Geral. Vol. 1. 5ª Ed. Gen. 2020. p. 509).

Nesse sentido, é possível concluir que no crime tentado não há a subordinação imediata: o art. 14, II, ao estabelecer o momento da tentativa, cria uma norma de extensão temporal da tipicidade penal: se a conduta não se adequar à totalidade dos elementos constitutivos do tipo (subordinação imediata), deve ser punida ainda que o crime não venha a se consumar, desde que a execução tenha sido iniciada, conforme art. 14, inciso II (subordinação mediata), em que pese a não consumação do ilícito por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo.

Com efeito, não fosse o art. 14, inciso II do Código Penal, a tentativa de crime restaria impune. Portanto, trata-se da norma penal que estende a punição do delito aos casos em que o agente tenta consumar o crime, mas não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade.

A norma é de basilar importância na análise dogmática e analítica do conceito de crime e suas nuances, já que o dolo de quem tenta matar é o mesmo daquele que consegue matar.

Para caracterização da tentativa, portanto, estabelece a doutrina a necessidade dos seguintes elementos: a) início da conduta; b) a não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente; c) dolo de consumação; d) resultado possível (SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. Juspodivm. 2015. p. 338).

Nesse sentido, pontifica Paulo César Busato (Ibid. p. 510), que "o tipo tentado, não existe, posto que não há tentativa em si, mas sempre tentativa de algo, o que obriga a conjugar o tipo da parte especial com um elemento da parte geral, caracterizando a chamada tipicidade indireta".

O agente criminoso que pratica conduta finalisticamente direcionada à ceifar a vida de outrem, logrando êxito em seu intento, pratica o crime com a mesma vontade e consciência (dolo) daquele que tenta matar alguém e não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade.

Portanto, diante da menor ofensa ao bem jurídico tutelado, o legislador pune a tentativa com a mesma pena do crime consumado, mas em todo caso, reduzida de 1/3 a 2/3.

A previsão legal é justa, uma vez que o agente que apenas tenta matar, a despeito de apresentar o mesmo dolo do agente que consegue matar, não lesiona de forma tão grave o bem jurídico tutelado (i.e.: vida), motivo pelo qual merece a redução de pena, por uma questão de política criminal.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (HC 162416/DF), o critério para redução de pena (1/3 a 2/3) da tentativa, é o percurso percorrido pelo agente no iter criminis: quanto mais próximo de consumar o crime, menor deve ser a redução da fração à título de tentativa.

De outro vértice, quanto menor a proximidade do agente em relação à consumação do crime, maior deve ser a fração aplicada à título de tentativa. Para a doutrina majoritária, cuida-se da adoção da teoria objetivo-subjetiva: se de um lado, pune-se a tentativa com a mesma pena do crime consumado; por outro, deve-se reduzir a pena em razão da menor ofensa ao bem jurídico protegido pela norma penal, conforme delineado alhures.

De arremate, é preciso atentar-se à indagação: se o questionamento se refere a quando ocorre a tentativa, o conceito legal inscrito no inciso II do art. 14 será suficiente.

Todavia, se o questionamento se refere ao conceito de tentativa, é preciso atentar-se que o disposto no inciso II do art. 14 do Código Penal não é suficiente para a resposta, sendo necessário mencionar que a tentativa é uma hipótese de subordinação mediata possibilitada por uma norma de extensão temporal da tipicidade penal.


SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 3ª Ed. Juspodivm. 2015).

BUSATO, Paulo César. Direito Penal Parte Geral. Vol. 1. 5ª Ed. Gen. 2020).

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 9ª Ed. Impetus. 2015).

  • Sobre o autorDelegado de Polícia Civil/ES. Especialista em Direito Penal.
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