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15 de Junho de 2024

Divórcio unilateral liminar: uma nova realidade?

Qual o tempo que se espera para a decretação de um divórcio unilateral?

há 2 anos

 Esse questionamento não é fácil de se responder. Basta, para termos uma breve ideia, que imaginemos o tempo necessário para o cumprimento das fases e atos processuais. Ajuizamento, autuação, despacho inicial, citação, endereços incompletos, locais de difícil acesso, requerido que não é encontrado, citação por edital, feriados, recesso forense, remarcação de audiência, e por ai se escoa um ano ou até mais.

 Com o advento da Emenda Constitucional número 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, houve a supressão da exigência de se observar o decurso do lapso temporal da separação de de maneira que resta, unicamente, a aplicação do direito, desnecessária, inclusive, a instrução probatória em audiência.

 Nesse passo, vê-se que o objeto cognitivo do divórcio litigioso é extremamente restrito: é vedada a discussão de culpa ou qualquer descumprimento de obrigação conjugal e inadmissível que controvérsias outras, como a partilha de bens e os alimentos, se interponham como óbice para o reconhecimento da dissolução do vínculo matrimonial.

 Colhe-se a precisa lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“Seguindo a linha facilitadora do divórcio e lembrando do requisito único exigido pela Lei das Leis, não se pode deixar de perceber que o objeto cognitivo do divórcio litigioso é extremamente restrito, pois o acionado não mais poderá alegar a culpa ou o descumprimento de obrigações conjugais, em sua defesa de mérito, em razão da vedação de tais discussões. Não se admite, assim, que controvérsias outras sirvam de óbice ao reconhecimento da dissolução do vínculo matrimonial, perdendo-se o juiz no meio de discussões relacionadas, por exemplo, à fixação de alimentos ou à reparação de danos morais.” (Curso de Direito Civil - Famílias. Vol.6. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012 p.437)

 Não há sentido em se manter o casal, cujo afeto ruiu, matrimonialmente unido enquanto se espera a citação do requerido ou sua manifestação, ainda quem em sede de audiência conciliatória – que já se sabe infrutífera nessa questão.

 Os inc. II e IV do art. 311 do CPC preveem:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil ao processo, quando:
(…)
II – As alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em sumula vinculante;
(…)
IV – A petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

 Trata-se de direito potestativo [1] da parte, não há, assim, possibilidade de contestação, trata-se de verdadeira antecipação dos efeitos definitivos incontroversos da sentença.

 Por outro lado, inexiste perigo de dano ou risco ao útil resultado do processo.

 No divórcio, por se tratar de direito potestativo, não há falar em oposição ou necessidade do contraditório.

 Respaldado por norma constitucional, que o autoriza independentemente de qualquer prova ou condição, porque é dispensada, inclusive, a formação do contraditório, uma vez que o único elemento necessário à sua concessão é a manifestação de vontade de um dos cônjuges.

 Neste sentido, temos o recente julgado que se empresta para o caso.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIVÓRCIO LITIGIOSO – Inconformismo contra decisão que indeferiu a tutela de urgência requerida – Possibilidade de decretação de divórcio em sede liminar – Direito potestativo – Tutela de urgência versus tutela de evidência – Decisão reformada – Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2109708-24.2018.8.26.0000; Relator (a): José Carlos Ferreira Alves; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Comarca de São José dos Campos - 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 09/08/2018).

 A Súmula n. 197 do STJ já prevê que o divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens, e com a entrada em vigor do CPC de 2015, tem-se a possibilidade da antecipação provisória da tutela, com caráter de evidência, quando pode ser garantido o direito pleiteado liminarmente pois se verifica apenas o caráter protelatório de qualquer alegação que por ventura venha a ser levantada.

 Nestes casos o juiz pode decidir quanto ao divórcio, de modo a determinar o desfazimento da relação conjugal e permanecer em debate, dependente de prova a ser constituída, a partilha de bens, pensão de alimentos, guarda e visita de filhos menores.

 Em sede de agravo de instrumento, temos as seguintes ementas dos recentíssimos julgados que respaldam o presente entendimento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIVÓRCIO LITIGIOSO – Inconformismo contra decisão que, dentre outros comandos, indeferiu o pedido de decretação do divórcio antes da realização da partilha solicitado pela autora – Possibilidade de decretação de divórcio em sede liminar Direito potestativo – Tutela de urgência versus tutela de evidência – Decisão reformada em relação ao tema trazido pelo cônjuge virago – Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2167862-98.2019.8.26.0000; Relator (a): José Carlos Ferreira Alves; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Comarca de São José dos Campos - 1ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 08/10/2019)

 É de se entender que, no caso, a antecipação do divórcio é importante para a realização da felicidade afetiva dos cônjuges, de modo a reduzir o nível de litigiosidade nos processo, evitar a manutenção dos vínculos e, ainda, permitir aos envolvidos resolver de pronto seus problemas afetivos.

 Constata-se, portanto, que a cognição da ação de divórcio já se inicia com maturação suficiente para o deferimento da antecipação dos efeitos do pleito de dissolução do vínculo conjugal, de modo que não é razoável impor ao demandante o ônus de suportar a morosa tramitação do feito para que, só ao final, tenha apreciada sua pretensão, quando já houver manifestado inequívoco interesse em se divorciar.

 Em razão disso, é plenamente possível a concessão da tutela da evidência para que seja, liminarmente, decretado o divórcio entre as partes, com fundamento no art. 311 do CPC, visto que é inconteste a evidência do direito material do demandante, por se tratar de alegação comprovada documentalmente, e com respaldo em norma de índole constitucional.

 Cumpre finalizar com o entendimento de Maria Berenice Dias: “(...) salutar a prática de o juiz, ao despachar a inicial, decretar o divórcio e determinar a expedição do mandado de averbação após a citação do réu e o decurso do prazo de recurso. Afinal, trata-se de direito potestativo. Pretendido por um dos cônjuges, o outro não pode se opor. Tal não ofende o princípio do contraditório até por ser admitida sentença parcial antecipada ( CPC 356)”. Manual de Direito das Famílias – 12ª. Ed. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2017 p.241.

  1. “Poder que uma das partes se reserva de alterar determinada relação jurídica” – CUNHA, Sérgio Sérvulo da Cunha. Dicionário compacto do direito. 9 ed. São Paulo: Saraiva.

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