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28 de Maio de 2024

EC nº 62/2009 e o regime especial de pagamento de precatórios

A inconstitucionalidade da emenda constitucional que institucionalizou o calote do poder público contra seus credores

Publicado por Karoline Olivio
há 8 anos

Há muito já se sabe que o Regime de Precatórios consiste em uma inovação técnica criada pelo ordenamento jurídico brasileiro a fim de satisfazer o credor frente à Fazenda Pública. No entanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 62/2009, não há mais como falarmos sobre Regime de Precatórios sem abordarmos a referida Emenda. Isto porque esta EC trouxe diversas alterações no art. 100 da Constituição e acrescentou o Art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. E o que isso significa? Significa que esta Emenda se contrapõe a inúmeras normas constitucionais, de tal forma que ficou conhecida como "PEC do calote". Há diversos pontos polêmicos nessa EC, mas abordarei apenas os que entendo serem mais relevantes para que o merecimento de tal “apelido”.

A primeira polêmica quanto à EC nº 62/2009 diz respeito à determinação de compensação dos débitos que o credor do precatório tem perante a Fazenda Pública, inscritos ou não em dívida ativa, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. Ou seja, ao emitir o precatório, dele deve ser abatido o valor dos débitos tributários que o credor possui perante a respectiva entidade pública.

Essa compensação torna-se uma forma coercitiva indireta para o pagamento de tributos, uma vez que esta medida impede que o contribuinte em débito perante a Fazenda Pública receba integralmente os precatórios a que faz jus. Neste entendimento, cabe ressaltar que em 2006 o STF proclamou a inconstitucionalidade do art. 19 da lei nº 11.033/2004, que continha disposição análoga, condicionando o pagamento de precatórios à apresentação de certidões de regularidade fiscal (ADI nº 3.453-7/DF). Verifica-se, então, que a Corte Constitucional adota posicionamento no sentido de vedar o uso de meios coercitivos para a cobrança de tributos, conforme é possível observar também pelas Súmulas nº 70, 323 e 547.

Outro ponto a ser mencionado acerca da "PEC do calote" diz respeito à correção monetária dos precatórios, visto que a referida EC deu a seguinte redação ao § 12 do art. 100 da CF:

"Art. 100, § 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios"

Ou seja, os valores passaram a ser atualizados com base na aplicação da Taxa Referencial – TR (remuneração básica da caderneta de poupança), acrescendo-se juros de 6% ao ano. Isto significa que os índices para atualização estabelecidos pela EC nº 62/2009 são inferiores aos que vinham sendo utilizados. O STF já assentou o entendimento de que o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda. Ora, uma vez que a atualização monetária serve justamente para preservar o valor real da obrigação de pagamento em dinheiro (manter o poder aquisitivo), não se poderia admitir que fossem adotados índices que não reflitam a real variação da inflação em determinado momento, como determinou a Emenda.

Logo, o § 12 do art. 100 da Constituição, inserido pela EC nº 62/2009, acabou por artificializar o conceito de atualização monetária, e com isto se verifica que há perdas para uma das partes que, quase invariavelmente, serão os credores de precatórios, além da violação à coisa julgada quanto ao valor real a ser pago ao particular, fixado pelo Poder Judiciário, uma vez que os valores ao serem atualizados pelos novos índices são corroídos pela inflação.

Apesar destas modificações, talvez a alteração mais polêmica trazida pela "PEC do calote" seja o estabelecimento do regime especial de pagamento de precatórios aplicável aos Estados, Distrito Federal e Municípios. Enquanto o regime geral de pagamento de precatórios, previsto no art. 100 da CF, determina que os valores dos precatórios apresentados até 1º de julho de um dado ano devem obrigatoriamente ser inclusos no orçamento do ano seguinte e pagos até o final deste exercício, o regime especial previsto pelo art. 97 da ADCT (acrescentado pela EC nº 62/2009) permite que os Estados, Distrito Federal e Municípios em mora no pagamento de precatórios vencidos até a data de publicação da Emenda (10/12/2009), inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo, optem por efetuar o pagamento de duas formas diferentes:

1º forma - depósito em uma conta especial de percentuais mínimos, entre 1% a 2%, conforme a região em que localizadas as unidades da Federação e o estoque de precatórios em atraso, que incidirão sobre a receita corrente líquida da entidade devedora, para efetuar o pagamento dos precatórios por prazo indeterminado enquanto o valor dos precatórios devidos for superior ao valor dos recursos vinculados para o seu pagamento.

Ou

2º forma – adoção do prazo de 15 anos para pagamento dos precatórios vencidos, hipótese em que os governos estaduais, distrital e municipais devem depositar, anualmente, na conta especial destinada a tal fim, o saldo total dos precatórios devidos dividido pelo número de anos restantes no regime especial de pagamento.

Argumenta-se que, com o fracionamento do pagamento das execuções contra o Estado, a Administração se tornaria praticamente imune aos comandos do Poder Judiciário, além de transformar o adimplemento de precatórios em mera escolha política dos governantes. Além disto, estar-se-ia incorrendo na violação ao princípio da separação dos Poderes ao limitar os valores orçamentários para pagamento de precatórios, uma vez que o contingenciamento de recursos tem por escopo o descumprimento das decisões judiciais, e violando ainda o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Por estes e outros motivos diversas entidades impetraram Ações Diretas de Inconstitucionalidade face à EC nº 62/2009, por considerarem-na uma verdadeira fraude à Constituição Federal.

Em março de 2013 o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente as ADIs 4357 e 4425, declarando a inconstitucionalidade parcial da EC nº 62/2009. Com a decisão, foram declarados inconstitucionais dispositivos do artigo 100 da Constituição Federal, com redação dada pela EC nº 62/2009, que institui regras gerais para precatórios (dentre os pontos alcançados pela declaração estão aqueles que tratam da fixação da taxa de correção monetária e das regras de compensação de crédito), e integralmente inconstitucional o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que cria o regime especial de pagamento de precatórios.

Entretanto, a modulação dos efeitos desta declaração de inconstitucionalidade só foi concluída dois anos depois, em março de 2015 (questão de ordem nas ADIS nº 4.357 e 4.425). Dentre outros pontos, a modulação fixou um novo índice de correção monetária, determinando que a correção com base no índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (nos termos da EC nº 62/2009) só continuasse até 25.03.2015 (data da decisão), e após esta data a atualização deve ser feita pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), o qual realiza um real balanço da inflação. No caso da compensação de precatórios vencidos com a dívida ativa, a modulação não tem aplicação imediata, uma vez que o Plenário delegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a regulamentação do tema.

Quanto ao regime especial de pagamento de precatórios, determinou-se que este regime terá sobrevida por mais 5 (cinco) exercícios financeiros, a contar de 1º de janeiro de 2016, e pelo período de cinco anos também é mantida a vinculação de percentuais mínimos da receita corrente dos estados e municípios ao pagamento de precatórios, e mantidas as sanções para o caso de não liberação dos recursos.

No que se refere à EC nº 62/2009, demonstrou-se que esta foi criada visando referendar o calote institucionalizado do Poder Público contra os seus credores, motivo pelo qual esta Emenda merecidamente recebeu o apelido de “PEC do calote” e foi declarada parcialmente inconstitucional.

  • Sobre o autorAcadêmica de Direito da Universidade Federal do Pará
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Tenho processo federal com citação junho 2012 cálculos atualizados em agosto de 2018 , depois desse cálculos quando sai meu precatório ? continuar lendo