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29 de Abril de 2024

Embriaguez Habitual ou em Serviço - um risco ao empregado e ao empregador

Publicado por Marilda Gomes Ribeiro
há 8 anos

Embriaguez Habitual ou em Servio - um risco ao empregado e ao empregador

RESUMO

A sociedade passa por mudanças significativas ao longo dos anos, onde destaca-se a proteção do trabalhador, existindo um índice cada vez maior de trabalhadores que viciam-se em bebidas alcoólicas, apontando para uma grande ameaça na sua relação laboral e social. A Consolidação das Leis do Trabalho prevê justa causa para extinção de contrato de trabalho a embriaguez habitual ou em serviço, porém, conforme jurisprudências e doutrinas, no Direito do Trabalho essa embriaguez vem tomando proporção de doença grave, classificada como dependência alcoólica, beneficiando, assim, os trabalhadores que estavam sofrendo dispensa por justa causa, onde decisões vem convertendo para sem justa causa ou reintegrando o empregado para tratamento adequado.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa estudar a visão do Judiciário a respeito da embriaguez do empregado na relação de trabalho, bem como as mudanças no Direito do Trabalho para adaptação nesse sentido. O legislador já se preocupava com essa droga licita, o álcool, porém com o reforço jurisprudencial é que houve a efetiva proteção do trabalhador.

O artigo 482, alínea f, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aponta como falta grave por parte do empregado, a embriaguez (habitual ou em serviço), sendo, portanto, um motivo para a dispensa por justa causa, extinguindo o contrato de trabalho.

O legislador, preocupado com a proteção do trabalhador, estabeleceu o estado de embriaguez em serviço como motivo para a dispensa por justa causa, pois o trabalhador embriagado poderia sofrer um acidente grave ocasionando a sua morte ou mesmo de outros trabalhadores, prejuízo muito maior que a dispensa do trabalho.

Dividida em habitual ou ocasional, a embriaguez habitual nada mais é que um vício, uma doença, que pode ocorrer dentro ou fora do trabalho e a embriaguez ocasional se dá no ambiente do trabalho.

O trabalhador que se embriaga ocasionalmente se não demonstrar interesse em manter o contrato de trabalho, pode o empregador exercer seu poder de fiscalização e punição, adotando penalidades severas contra o empregado.

A embriaguez habitual vem sendo jurisprudêncialmente vista como uma doença, um vício social, no qual deve ser tratado e acompanhado por médicos antes de se pensar em extinção do contrato de trabalho por justa causa.

Doutrinariamente e jurisprudencialmente a embriaguez habitual é aceita como doença e não mais como motivo para justa causa, fazendo-se necessária a reforma da CLT, no seu artigo 482, alínea f.

Há de se falar, também, que deverá ser comprovada a habitualidade.

O empregado embriagado, além de risco de acidente grave e de provocar acidentes para outros empregados poderá causar prejuízos materiais ao empregador, tanto na utilização de equipamentos como no desperdício ou perda de matéria prima.

Nesse caso, poderá o empregador que sofreu prejuízos materiais, dispensar por justa causa o empregado? Ou seria a justa causa revertida no Tribunal apontando a não assistência do empregador ao empregado “doente”?

O empregador fica, nesse caso, entre a lei e a jurisprudência, podendo ser revertida a justa causa, caso comprovada a embriaguez como doença.

No caso de reversão da justa causa, o empregador poderá, além de arcar com indenizações por dano moral e pagar as verbas rescisórias no termo de uma rescisão sem justa causa, ter que reintegrar o empregado para que seja feito o tratamento adequado no intuito de reabilitar o trabalhador.

Situações de dependência química em ambiente de trabalho, cabe ao empregador apresentar os recursos possíveis para proteger e preservar a saúde do empregado.

À empresa cabe, diante de tanta incerteza, incluir seus empregados com problemas alcoólicos em tratamentos e programas voltados aos dependentes, caso exista a possibilidade para tal, ou pedir o afastamento do empregado, encaminhando-o ao INSS, para que ocorra a reabilitação.

Cada vez mais comum observarmos decisões em que a dispensa por justa causa fundamentada em embriaguez é descaracterizada, condenando, assim, a empresa no pagamento das verbas rescisórias de dispensas imotivadas ou até mesmo à reintegração do empregado para o devido tratamento.

A empresa é obrigada a manter um vínculo empregatício com o empregado que, após o retorno do afastamento para tratamento continuar a trabalhar embriagado?

Manter esse vinculo é prerrogativa da empresa, desde que pague as verbas rescisórias decorrentes de dispensa imotivada, o qual deverá ser, no caso, uma dispensa sem justa causa, feita a qualquer momento da relação de emprego.

São situações que aparentemente só se resolvem nos Tribunais e que dependem de provas de ambas as partes, salientando que o empregador possui a maior responsabilidade em provar que tentou as medidas necessárias para o tratamento e recuperação do empregado, cuidando assim da manutenção do contrato de trabalho.

O contrato de trabalho é consensual, estabelecendo direitos e obrigações recíprocas.

Ao empregador resta o pagamento de salário e assegurar condições de trabalho ao empregado.

Ao empregado a prestação de seus serviços, obediência as ordens do empregador, disciplina, fidelidade, diligência e bom comportamento.

A falta cometida pelo empregado leva a extinção do contrato de trabalho, onde a legislação trabalhista elenca um rol de faltas graves que levam à dispensa por justa causa.

Aos empregados espera-se condutas em seu trabalho, para que não enseje a extinção do contrato de trabalho por justa causa, prejudicando o recebimento de verbas rescisórias em decorrência de dispensa motivada.

Essas faltas graves estão elencadas no artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, onde encontra-se a embriaguez, em sua alínea f.

Para que haja harmonia e organização no ambiente do trabalho o empregador deve zelar por seus empregados e um empregado embriagado traz problemas para que isso ocorra. O empregado ébrio traz mau exemplo, causa prejuízos a empresa e corre riscos de acidentes graves.

Essas condutas desarmonizam o ambiente, fragilizando a relação de confiança que deve existir entre empregado e empregador.

Porém, a embriaguez habitual é considerada uma doença, atualmente, inclusive consta na classificação internacional de doenças (CID), elaborada pela Organização Mundial de Saúde.

DISPENSA MOTIVADA OU IMOTIVADA?

O comportamento do empregado embriagado abala a relação de confiança com o empregador, por não estar com suas capacidades psicológicas e motoras normais, podendo ocasionar graves acidentes de trabalho, além de se mostrar inconveniente, violento, indisciplinado e dar maus exemplos aos outros empregados.

Bem observado por DÉLIO MARANHÃO apud ALMEIDA (2005, 232), aponta que o embriaguez habitual é uma violação da obrigação geral de conduta.

Posiciona-se MARTINS (2008, 357) sobre a seguinte maneira:

“A embriaguez habitual é uma hipótese de justa causa porque a lei assim dispões, pois o fato de o empregado apresentar-se embriagado poderá causar prejuízo à empresa e a seus clientes. Entender de forma contraria é negar a vigência da alínea f do artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas. O juiz não pode investir na condição de legislador e desprezar o conteúdo da alínea f do artigo 482 da CLT”.

Ainda sobre disciplina, DORVAL LACERDA apud ALMEIDA (2005, 232) preceitua:

“(...) necessidade de garantir a ordem interna do estabelecimento, a disciplina da empresa, a marcha normal do serviço e a boa execução do trabalho: a embriaguez degrada, desmoraliza e tira o senso de responsabilidade, sendo, destarte, justo que o empregador não pudesse confiar integralmente num empregado em tais condições”.

Por tais motivos que o ébrio habitual é considerado ensejador de justa causa, por conta da falta grave.

MARTINS (2008, 357) nos ensina que atualmente o alcoolismo é considerado doença, relacionado, inclusive, na Classificação Internacional de Doenças (CID), pela Organização Mundial de Saúde.

A Organização Mundial da Saúde, classificando a embriaguez como doença, não deveria o direito do trabalho ignorar tal problema que abrange toda a sociedade, ocasionando uma penalidade ao empregado doente.

AMAURI MASCARO apud ALMEIDA (2005, 232) afirma que:

“O empregado nessas condições, precisa muito mais de assistência médica adequada que da perda do emprego, sugerindo, outrossim, seu encaminhamento à Previdência Social e a suspensão do contrato de trabalho, por auxilio enfermidade”.

O Tribunal Superior do Trabalho vem se posicionando no sentido de afastar a embriaguez habitual como extinção de contrato de trabalho, tratando assim, como uma doença.

Na mesma linha, os Tribunais Regionais do Trabalho entendem que deve-se afastar a justa causa nos casos em que o empregado é ébrio habitual, conforme a manifestação do Tribunal Regional da 15ª região:

“A embriaguez habitual ou em serviço de que trata o artigo 482, f, da CLT deve ser analisada não só como falta grave do empregado, mas também como um fato subjetivo do que decorre a necessidade de encaminhamento a cuidados médicos e não de mera rescisão justa do contrato de trabalho”.

Além de ser considerado doença pelo Código Internacional de Doenças (CID), o alcoolismo é tratado pelo Código Civil Brasileiro como relativamente incapaz o ébrio (artigo 4º, II).

O empregado que sofre de embriaguez deve ser encaminhado ao órgão previdenciário para que haja o afastamento e tratamento de sua moléstia.

A realidade social leva a jurisprudência a se firmar no sentido de que a embriaguez habitual não pode ensejar a dispensa por justa causa, sendo desproporcional aplicar a alínea f do artigo 482 da CLT e simplesmente punir o empregado adoentado.

Nos Tribunais o entendimento é unânime e aponta a responsabilidade ao Estado e não ao empregador, pelo empregado doente, devendo, assim, encaminhá-lo a tratamento, sendo a solução mais adequada para essa problemática a suspensão do contrato de trabalho.

A maioria dos juízes tem convertido a dispensa por justa causa em sem justa causa, entretanto, alguns juízes determinam a reintegração, portanto, como uma nova forma de interpretação, não mais se admite embriaguez habitual ou em serviço como justificativa de extinção de contrato de trabalho por justa causa.

Nesse sentido já existem diversos entendimentos no Tribunal Superior do Trabalho:

EMBRIAGUEZ - DOENÇA – FALTA GRAVE NÃO CARACTERIZADA - Não obstante a velha CLT ainda mantenha em sua redação – artigo 482, alínea f, a anacrônica referência à falta grave da “embriaguez habitual ou em serviço”, tanto a doutrina como a jurisprudência, em face da evolução das pesquisas no campo das ciências médicas, têm entendido que o empregado que sofre da doença do alcoolismo, catalogada no Código Internacional de Doenças com a nomenclatura de “síndrome de dependência do álcool” (Cid – 303), não pode ser sancionado com a despedida por justa causa. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Embriaguez – Doença – Falta Grave Não Caracterizada – RO 00095 – (20040671202 – 4ª T. - rel p/o Ac. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 03.12.2004).

ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. Não se pode convalidar como inteiramente justa a despedida do empregado que havia trabalhado anos na empresa sem cometer a menor falta, só pelo fato de ele ter sido acometido pela doença do alcoolismo, ainda mais quando da leitura da decisão regional não se extrai que o autor tenha alguma vez comparecido embriagado no serviço. A matéria deveria ser tratada com maior cuidado científico, de modo que as empresas não demitissem o empregado doente, mas sim tentasse recuperá-lo, tendo em vista que para uma doença é necessário tratamento adequado e não punição. (…) Revista parcialmente conhecida e parcialmente provida. Processo: RR - 383922-16.1997.5.09.5555 Data de Julgamento: 04/04/2001, Relator Ministro: Vantuil Abdala, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 14/05/2001.

CONCLUSÃO

O direito do trabalho surgiu como uma forma de proteger o empregado hipossuficiente na relação de trabalho, onde o contrato de trabalho requer direitos e obrigações.

A extinção do contrato de trabalho por justa causa ocorre em decorrência de falta grave cometida pelo empregado, onde a legislação trabalhista impõe um rol taxativo de faltas graves que ensejaria a dispensa por justa causa.

A embriaguez é uma das hipóteses, elencada na alínea f do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Esse artigo aponta a distinção entre a embriaguez habitual e ocasional, onde, claramente o legislador quis proteger o empregado de acidentes graves a ele e a terceiros quando incluiu a embriaguez habitual como hipótese de justa causa.

O ébrio sofre de uma patologia grave, nocivo, inclusive, à saúde física e mental, que reflete em seu convívio social e laboral.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo , inciso II, qualifica ébrios habituais como relativamente incapaz, bem compatível com o que aponta a Organização Mundial da Saúde.

A jurisprudência vem apontando para que se firme o afastamento da embriaguez habitual como ensejo de justa causa, fazendo com que o empregador encaminhe o empregado ébrio para tratamento adequado.

Obvio que um empregado doente não pode sofrer as penalidades trabalhistas apontadas como falta grave para ensejo de justa causa.

Estando enfermo, o empregado deve ser encaminhado para tratamento a fim de que seja reabilitado ao trabalho, ficando seu contrato de trabalho suspenso até o devido restabelecimento.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada: legislação, doutrina, jurisprudência. 3ª. Ed. Rev. E atual. São Paulo. Saraiva, 2005

BRASIL, Código Civil, Lei nº. 10.406 de 10/01/2002, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm acesso em: 23/09/2014

Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-lei nº 5.452 de 01/05/1943, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm acesso em: 05/03/2016.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho.24ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª ed. – São Paulo: Atlas, 2005.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho.21ª ed. Rev. E atual. São Paulo. Saraiva, 2006

Portal Saúde: Problemas ligados ao álcool. Disponível em: <http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/enciclopedia+da+saúde/ministeriosaude/estilos+de+vida/alcoolismo.htm> acessado em: 17 dez. 2015.

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO, 15ª Região; Recurso Ordinário, processo nº. 00319-2006-063-15-00-0; relator Flavio Allegretti de Campos Cooper, recorrente S.0. S. Farma Drogarias Ltda. E recorrido Nelson Joaquim da Silva; Acórdão, publicado em: 18/01/2008, disponível em: http://www.trt15.jus.br/voto/patr/2008/001/00149508. Acesso em: 10/02/2016.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, 2ª turma; Agravo de Instrumento e Recurso de Revista, processo nº. 813281/2001; Relator José Luciano de Castilho Pereira, agravante e recorrido Ivan da Rocha Porto e agravada e recorrente Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A. Acórdão 23/08/2006. Publicado em: 22/09/2006. Disponível em: http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-brs?s1=(4090100.nia.)&u=/brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1 acesso em: 10/02/2016.

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8900/Embriaguez-habitual-como-hipotese-de-justa-causa

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Muito bom o texto Dra Marilda!
Parabéns continuar lendo