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8 de Maio de 2024

Inquéritos policiais, decisões de arquivamento e coisa julgada: como ficarão após o pacote anticrime?

Entenda como poderá funcionar a sistemática de imutabilidade das decisões ministeriais de arquivamento dos inquéritos policiais após o pacote anticrime.

há 4 anos

Vcios no inqurito policial e nulidade da ao penal

Sem dúvidas, o inquérito policial recebeu uma aprofundada modificação pelo advento do pacote anticrime (Lei nº 13.964/19). Analisando as muitas alterações ocorridas, como o advento do “juiz de garantias” e a legalização do acordo de não-persecução penal (até então tratado apenas em resolução do MP), é inegável a constatação da intenção legislativa em “desjudicializar” o arquivamento das investigações, reservando ao Judiciário uma posição mais equidistante, na busca pelo fortalecimento da sua imparcialidade.

Acompanhando uma tendência jurisprudencial e doutrinária, o legislador aprofundou a tramitação direta das investigações entre órgão acusador e polícia, reservando às autoridades judiciárias exclusivamente o controle de legalidade dos trabalhos, além, evidentemente, da análise de eventuais diligências investigativas que se sujeitam, necessariamente, ao crivo judicial, como a determinação de interceptações telefônicas ou buscas e apreensões.

Prova cabal dessa adesão está no fato de que a novel legislação afastou, a princípio, o controle judicial sobre as promoções de arquivamento ministeriais, as quais, até então, se sujeitavam à homologação do juiz competente, passando a ostentar verdadeiro caráter decisório. Na nova sistemática, estabeleceu-se um procedimento bifásico que, além de comportar, em espécie de primeiro grau, a decisão do membro do MP, abarca, agora, uma etapa homologatória atribuída à “instância revisora ministerial”.

Ademais, é digna de registro, ainda, a previsão normativa de recorribilidade da decisão ministerial de arquivamento, com legitimidade atribuída à vítima do delito investigado, que, aliás, poderá ser o próprio Poder Público, através da chefia do órgão cuja representação judicial é incumbida.

Pois bem. Nada obstante as inúmeras outras inovações oriundas do pacote anticrime, o cerne da presente discussão volta-se ao arquivamento das investigações criminais. Embora o tema eleito para debate não diga respeito, propriamente, a uma expressa inovação da legislação, sua relevância, mais do que jurídica, é pragmática, e estará, portanto, presente no cotidiano de todos aqueles que atuam na seara criminal.

Até o advento do pacote anticrime, havia um consenso sobre a formação de coisa julgada em face da decisão judicial de homologação do arquivamento dos inquéritos policiais. Com efeito, conquanto observada alguma divergência entre STJ e STF quanto às hipóteses justificadoras, era pacificado o entendimento de que seria meramente formal a coisa julgada que não impossibilitasse reabertura das investigações pelo advento de novas provas. Material, por outro lado, seria a coisa julgada que impedisse o reinício dos trabalhos, notadamente quando a decisão de arquivamento se imiscuísse em questões de mérito, como a conclusão pela atipicidade da conduta.

A problemática se apresenta exatamente aqui. Explico: com a “desjudicialização” do procedimento de arquivamento dos inquéritos policiais, passando a ser exclusivamente reservada ao MP a legitimidade para tal atribuição, torna-se impositiva a discussão a respeito das consequências jurídicas da decisão ministerial de arquivamento.

Embora parte da doutrina – minoritária - venha defendendo algo do gênero, parece equivocado afirmar que os efeitos da coisa julgada também se formarão em relação à decisão ministerial. É absolutamente propedêutica a constatação de que a coisa julgada estará sempre associada a uma prévia decisão jurisdicional. É exatamente a imutabilidade – decorrente da coisa julgada – que diferencia a decisão judicial das demais, como a administrativa, tornando-lhe imperativa, inevitável e substitutiva – apropriando-se dos conceitos da clássica teoria geral do processo.

Numa posição absolutamente diversa, defendem Vladimir Aras e Francisco Barros que, de fato, não há falar em formação de coisa julgada, porquanto carecerá a decisão de arquivamento do elemento fundamental para tanto: a jurisdicionalidade. Para ambos os autores, com o advento de novas provas, poderá o membro do Ministério Público determinar o desarquivamento dos autos de investigação, reservando-se ao Judiciário, através do juízo de garantias, controlar a legalidade do Inquérito pela via do habeas corpus.

Renato Brasileiro, por outro lado, em posição intermediária, entende que, conquanto não produza coisa julgada a decisão administrativa, “em fiel observância a princípios como segurança jurídica, lealdade e boa-fé na esfera administrativa, não se pode admitir que uma decisão de arquivamento determinada pelo Promotor Natural, subsequentemente chancelada pela instância de revisão ministerial, seja modificada livremente sem qualquer mudança da matéria de fato ou de direito” (2020, p. 251).

Segundo autor, havendo análise de mérito (hipóteses em que, na sistemática anterior, formava-se a coisa julgada material), a decisão administrativa de arquivamento deve gozar do mais absoluto respeito entre os protagonistas da persecução criminal. Na mesma linha, as decisões que outrora formariam mera coisa julgada formal não impedem a reabertura dos trabalhos investigativos, desde que o expediente seja pautado em novas provas.

De fato, essa se mostra, até então, a melhor solução para a problemática. A desjudicialização do arquivamento das investigações não pode justificar o implemento de uma sistemática de absoluta insegurança, em que, até o transcurso do prazo prescricional, o investigado e a própria vítima se vejam em uma situação de indefinição ou de plena tangibilidade jurídica, facilitando o cometimento de eventuais excessos, dolosos ou não.

FONTES:

[1] ARAS, Vladimir. BARROS, Francisco Dirceu. Comentários ao pacote anticrime nº 3 – O arquivamento do Inquérito Policial pelo Ministério Público Após a Lei Anticrime. Disponível em: <https://vladimiraras.blog/2020/05/05/comentarios-ao-pacote-anticrime-3oarquivamento-do-inquerito-p...;>

[2] Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

[3] Imagem retirada do portal:<http://portaljurisprudencia.com.br/2016/07/15/vicios-no-inquerito-policial/>

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