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1 de Maio de 2024

Jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus! Tá me xingando?

Publicado por João Rafael
há 9 anos

No meu tempo de faculdade, lá naquelas primeiras aulas de princípios, achava aquilo tudo um tanto quanto cansativo e pouco irrelevante, haja vista que não conseguia visualizar a relevância na prática.

Todos aqueles brocardos em latim que dava uma confusão danada na cabeça para conhecer os significados e entender o sentido e o alcance de cada um.

Passando-se alguns anos, debruçando-me na prática jurídica como operador do direito, foi então que mensurei a complexidade e vasta aplicação dos brocardos, no sentido da ritualística processual.

Enfim, mas como o tema do texto sugere, volto a atenção especialmente para dois brocardos que traduzem o princípio da ampla tutela jurisdicional e o dever do juiz de apreciar todas as questões do processo.

São eles: jura novit curia que significa que o Tribunal conhece o direito e o da mihi factum, dabo tibi ius que significa me dá os fatos, e eu te darei o direito.

Pois bem, tenho observado em alguns processos que atuei, principalmente em sede de Juizados Especiais, que os advogados (claro que não são todos) confeccionam verdadeiros calhamaços em suas defesas ou em suas petições, onde 90% do conteúdo são argumentos jurídicos tão cansativos e repetitivos que se revelam totalmente incoerentes com os brocardos jurídicos em tela, enfim, é como falar muito e não dizer nada.

Levando em consideração que o Sistema de Juizados Especiais é um conjunto de regras e princípios que fixam, disciplinam e regulam um novo método de processar as causas cíveis de menor complexidade e as infrações penais de menor potencial ofensivo, tem-se uma nova Justiça marcada pela oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual para conciliar, processar, julgar e executar, com regras e preceitos próprios.

Ou seja, o excesso de formalismo não condiz com a realidade dos Juizados Especiais!

É nesse contexto que os brocardos fortalecem a Sistemática dos Juizados Especiais ou ainda, o Procedimento Comum Ordinário, uma vez que incumbiria às partes, tão apenas, expor os fatos, e ao juiz, declarar o Direito, na tradição que vem lá de Roma.

Não estou aqui querendo sugerir que o advogado seria dispensável ao funcionamento da Justiça, até mesmo porque está previsto no art. 133 da Constituição Federal justamente o contrário. Minha provocação é no sentido de que a técnica processual seja conduzida de maneira adequada, levando em consideração a responsabilidade da atuação do magistrado.

Assim, trazendo ponderações hermenêuticas do saudoso ex-ministro Eros Grau, "texto normativo e norma não se identificam. A norma é produzida pelos intérpretes. Interpretar o direito é uma relação entre duas expressões, uma primeira que porta uma significação que é o objeto da interpretação e a segunda é a interpretação que cumpre relação à primeira função de interpretante. Por exemplo: eu pego o art. 317 do CC e aquilo não é uma norma, é um texto, eu interpreto o texto e desta minha interpretação resulta a norma, ou seja, a norma é o resultado da interpretação. Os magistrados interpretam para tomar decisões que resolvem litígios, por isso é necessário também compreender que interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. Qual é a diferença entre intepretação e aplicação? Não há, o que há é que o intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso (fatos), é para aquele caso que os magistrados interpretam. Há de se considerar também que cada decisão jurídica é dramática, é terrível porque o juiz joga toda a sua vida, toda a sua tradição, toda a sua experiência no momento da tomada da decisão daquele caso e não há dois casos idênticos, essa que é a grande riqueza da interpretação, há uma equação entre interpretação e aplicação, não se trata de dois momentos distintos, mas sim de um só momento. A interpretação do direito é isso, é uma operação de transformação de textos em normas para a tomada de uma decisão jurídica no quadro de um determinado caso (fatos)". (grifo meu)

Então, o juiz conhece o texto da lei, mas a norma jurídica, o Direito, só vem no caso concreto, só nasce a partir dos fatos narrados, pois o Direito é algo a descobrir-se, desvelar-se, a ser encontrado, e não é algo já previamente dado. Direito é construção, logo, é construído quando o magistrado interpretar o texto da lei sobre aquele caso concreto que existe a partir dos fatos narrados.

Daí, concluo que fatos e provas são a mola propulsora para o juiz exercer seu papel de julgador, haja vista que é ele quem vai discernindo o sentido do texto da lei a partir e em virtude de um determinado caso (fatos), resultando assim a norma aplicada.

Me dá os fatos, e eu te darei o direito, o Tribunal conhece o direito!

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O intérprete faz o direito... uma vez que este é um conjunto de normas válidas, conforme leciona Aurora Tomazini. Gostei muito da interpretação. continuar lendo

E salve o grande Eros Grau. continuar lendo

Caro Rafael, talvez um comentário crítico expressando seu ponto de vista seria mais interessante, citei o ex-ministro só para acompanhar o raciocínio, mas de toda sorte agradeço. Abçs. continuar lendo

O Dr. Mauro Schiavi em seu livro MANUAL DE DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO, traz interessante reflexão quanto à exigência contida no art. 319, III do CPC, e sua aplicação ao processo do trabalho.

O entendimento é o de que o art. 840, § 1 da CLT não o exige, e de que, nas palavras do livro: "Não há necessidade de indicar os dispositivos legais, pois o juiz conhece o direito (juria novit curia). De outro lado, não fica o juiz vinculado a qualificão dos fatos dada pela parte, pois pode qualificá-los de outra maneira.".

Transcrevo por fim uma interessante ementa, também citada no livro, apenas para agregar ao conhecimento do artigo muito bem desenvolvido pelo nosso amigo João Rafael:

"Petição Inicial - Requisitos. A reclamação trabalhista (que pode ser verbal), em sendo escrita, deve conter a designação do presidente da Vara, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante (art. 840, § 1, da CLT). E só. Não se exige, portanto, do empregado, especificamente em se tratando de horas extras, que indique todos os dispositivos legais ou todos os Enunciados aplicáveis à espécie. Compete ao Juízo, diante dos fatos narrados, dizer o direito aplicável (iura novit curia), indicando os motivos que lhe formaram o convencimento, na forma do art. 131 do CPC. (TRT 0 3ª R. - 1ª T. - Ap. n. 6277/2002 - relª Mª Laura F. L. de Faria - DJMG 08.11.2002 - p.7)". continuar lendo

Gabriel, quando leio em seu comentário que o autor do livro diz que "Não há necessidade de indicar os dispositivos legais, pois o juiz conhece o direito (juria novit curia). De outro lado, não fica o juiz vinculado a qualificão dos fatos dada pela parte, pois pode qualificá-los de outra maneira.", permito-me discordar.

Hoje em dia (e já faz tempo!) quem está formalmente decidindo e despachando os processos são assessores de gabinete, cuja formação técnica - por óbvio - está muito longe da de um juiz de togado, de um desembargador ou de um ministro.

Assim, nós advogados, ao citarmos os dispositivos (prefiro ir apontando-os no decorrer da narrativa e colocando-os na íntegra em notas de rodapé para não quebrar a sequência de leitura de quem aprecia a peça) teremos muito mais condições de estarmos convencendo, seja o juiz, sejam seus assessores, a entenderem nosso ponto de vista técnico na causa. Se irão nos acompanhar ou não já são outros quinhentos... Abs continuar lendo

Caro Dr. João Rafael , Respeitosamente , permita-me discordar . entendo que cabe ao advogado dar o enquadramento jurídico ao direito invocado atrelando-o normativamente aos fatos e provas juntadas aos autos , competindo ao Magistrado , fundamentadamente , acolher ou afastar a incidência da norma invocada , justificando a interferência da norma aplicada sobre a afastada (ART 489 § 1ºIV; § 2º CPC )

Ao não faze-lo , resta prejudicada a dialeticidade recursal para impugnar a norma aplicada , caso seja esta contrária a pretensão deduzida no processo.

não é raro, mormente nos Juizados Especiais , Magistrados proferirem decisões sem lastro normativo , com base na escola consequencialismo onde entende-se a adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas, com flexibilização do entendimento lógico das normas, na busca de uma justiça transcendente.

Porem reconheço a razão do artigo , onde muitas vezes a petição se ocupa de forma excessiva no enquadramento normativo ,relegando as questões de fato a mera coadjuvantes .

Abraço . continuar lendo