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5 de Maio de 2024

Planejamento familiar

Publicado por Arethusa Baroni
há 6 anos


Planejamento familiar é o direito que os cidadãos – do indivíduo ou da entidade familiar – têm de decidir, livre e responsavelmente, sobre o número de filhos e quando pretendem tê-los, a partir de recursos e informações disponibilizadas pelo estado.

O artigo 226, § 7o da CF dispõe que “o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito” e o artigo 10, § 5o da Lei 9263/1996 estabelece que, na vigência da sociedade conjugal, “a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”. Isso implica dizer que, os sujeitos podem planejar “livremente” a formação de sua família, no entanto, caso um dos cônjuges decida por fazer laqueadura ou vasectomia, será necessária a anuência do outro.

Na ADI 5097, discute-se a constitucionalidade do dispositivo, pois, tratando-se o planejamento familiar de um direito fundamental, uma lei que deveria regulamentá-lo nos moldes da Constituição Federal acabou por encontrar-se em confronto com ela.

É que, de um lado, diz-se que o planejamento familiar é “livre” e, de outro, condiciona-se a realização de um método contraceptivo a ser realizado no corpo de uma pessoa à autorização/concordância daquele com quem ela se relaciona. Ora, a decisão pela esterilização não deveria depender de consentimento do outro, pois isso fere o direito à liberdade, à privacidade e à autodeterminação, já que, de certa forma, um dos cônjuges (sendo a família matrimonial) passaria a ter “direito” sobre o corpo do outro.

É cabível uma analogia, considerando-se que a privacidade é imposta mesmo em relações familiares. Nos casos em que alguém pretende realizar qualquer modificação em seu corpo (por exemplo, cirurgias plásticas), sendo o sujeito maior e capaz, não há necessidade de autorização de seus cônjuges ou companheiros.

A esterilização é, da mesma forma, uma cirurgia voluntária, de modo que esse consentimento deveria caber exclusivamente ao paciente, sem que qualquer terceiro tenha o direito de impedir a realização do procedimento. Vale dizer que, há discussão e polêmica sobre a esterilização de incapazes, mas não são o foco da demanda em análise (ADI 5097).

O papel do estado seria, de fato, o de promover a divulgação de informações e a realização de políticas públicas para assegurar o planejamento, sem, contudo, permitir a usurpação ao direito de disposição do próprio corpo – que gera uma grave ingerência excessiva na esfera pessoal do cidadão, indo contra outros direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa.

Um argumento a ser utilizado a favor da constitucionalidade do artigo e da necessidade de consentimento do outro cônjuge seria o de que o planejamento familiar depende da comunhão de entendimento dos envolvidos, na medida em que a decisão daquele que pretende a esterilização pode vir a frustrar expectativas futuras do outro – que pode pretender ter filhos.

Ocorre que, nenhum dos integrantes da família pode ser obrigado a gerar uma prole contra a sua vontade. Ou seja, um dos envolvidos pode sentir-se prejudicado por querer ter um filho, mas o outro poderá ser prejudicado na mesma proporção se for obrigado a ter um filho que não necessariamente deseja.

Conforme bem observado pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em seu parecer, a esterilização pode vir a ser reversível (dependendo do caso), no entanto, o nascimento de uma criança não o é, e pode vir a ter consequências mais devastadoras se um dos genitores eventualmente se arrepender.

Na hipótese de discordância sobre o assunto, portanto, o melhor caminho seria a reflexão sobre a continuidade daquela relação familiar ou não, vez que evidentes as incompatibilidades entre os envolvidos, não sendo essa uma justificativa razoável para que seja obrigatório o consentimento.

Afora isso, outro aspecto a ser considerado é que, a constituição de família não tem como função principal a reprodução. A família, como se sabe, é uma das instituições mais importantes da sociedade e ela passou, como vem passando, por diversas transformações ao longo dos anos. Seu significado altera-se constantemente, moldando-se ao ambiente e ao momento histórico vivenciado pela humanidade.

No Brasil, durante a vigência do Código Civil de 1916, a família era pautada essencialmente pelo casamento, ou seja, outras formas de composição familiar não eram reconhecidas por lei e, assim, não recebiam proteção jurisdicional.

O matrimônio era, em tese, indissolúvel, e os interesses econômicos acabavam por influenciar as uniões. É certo, porém, que a sociedade foi se transformando e, em determinado momento, as normas vigentes não mais atendiam à nova realidade social. Com a chegada da Constituição Federal de 1988 (CF), então, foram reconhecidas todas as entidades familiares e cedeu-se lugar a um novo paradigma formador da família, o do afeto, e, por consequência, despatrimonializaram-se as relações familiares.

Na contemporaneidade, os recentes modelos familiares, independentemente da disparidade de sua formação, desempenham os papéis que a sociedade destina à família, tendo por norte os princípios estabelecidos na CF, ou seja, a dignidade da pessoa, a liberdade e a igualdade. Isso faz com que se dê mais observância ao afeto entre os membros da entidade familiar e permite que cada um siga em busca de seus objetivos individuais.

Contemporaneamente, pois, a proteção jurídica não se dá somente à família em si mesma, mas aos indivíduos que fazem parte daquele grupo, que resolveram, em conjunto, construir um contexto no qual todos podem individualmente buscar seus interesses e seu desenvolvimento pessoal.

Ao Estado, cabe, portanto, garantir as condições fundamentais para o desenvolvimento familiar no país. Contudo, não há necessidade, em tese, de tanta intervenção estatal nas escolhas dos indivíduos e o cidadão pode optar por constituir sua família da maneira que for mais conveniente para ele, até mesmo em razão da consagração da afetividade. Isso inclui o planejamento familiar.

É imprescindível, ainda, considerar outros aspectos que envolvem a temática. Conforme já mencionado, a família passou por diversas transformações ao longo dos anos e, contemporaneamente, tem-se admitido a pluralidade familiar. Ou seja, existem as famílias monoparental, matrimonial, anaparental, unipessoal e, igualmente, existem famílias formadas somente por pessoas que não pretendem ter filhos biológicos. O planejamento familiar, entretanto, existirá também para essas famílias, inclusive porque há possibilidade de adoção – que também exige planejamento adequado. A esterilização, portanto, não seria necessariamente incompatível com o planejamento familiar.

Conclui-se, portanto, que o planejamento familiar é muito importante e o estado deve fornecer instrumentos para que os cidadãos tenham acesso a esse direito – recursos educacionais e de saúde para que ele possa ser exercido. Contudo, a ingerência estatal precisa ter um limite, não ultrapassando a privacidade da pessoa, especialmente no que diz respeito ao seu próprio corpo.

Ou seja, a atuação estatal deve ocorrer por intermédio de políticas públicas que estejam alinhadas com o conjunto de direitos fundamentais previstos na CF. Pode-se dizer que o planejamento familiar reveste-se de um “não fazer” do estado e também de um “fazer”, no sentido de que devem ser garantidos meios que tornem viáveis a concretização das escolhas dos cidadãos, inclusive no que diz respeito à reprodução, sem, contudo, uma interferência tão direta nas escolhas pessoais de cada um.

A informação – e a conscientização – é a melhor ferramenta para que os indivíduos estabeleçam, com liberdade, a forma por meio da qual pretendem formar uma família, sem restrições ou condições que interfiram em seus direitos fundamentais à liberdade, autonomia, privacidade e, especialmente, dignidade humana. Entende-se, portanto, pela inconstitucionalidade do artigo 10, § 5º, da Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, em conformidade ao posicionamento exarado pela ANADEP.

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