Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
3 de Maio de 2024

Plano de Saúde é obrigado a custear Fertilização in vitro?

há 4 anos

Em decisão publicada neste mês de outubro/2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu afetação de recursos repetitivos e suspendeu todos os processos que versem sobre a cobertura de fertilização in vitro (FIV) pelos planos/operadoras de saúde (RECURSO ESPECIAL Nº 1.822.420 - SP -2019/0180469-9).

Diante disso, somente serão julgados casos urgentes, sendo que os demais deverão aguardar a decisão do STJ, que afetará todos os processos em curso.

Essa decisão traz novamente à tona a discussão referente ao custeio obrigatório desse procedimento médico pelas operadoras/seguradoras de saúde.

A controvérsia foi iniciada com a publicação da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde – LPS), onde a inseminação artificial foi excluída da cobertura obrigatória da assistência privada à saúde, mas o planejamento familiar foi incluído.

Nesse ponto, o instituto do planejamento familiar possui grande relevância na controvérsia. Na Constituição Federal de 1988 (CF/88), no artigo 226, parágrafo 7º, está previsto que o planejamento familiar é “decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

Após, na LPS (Lei dos Planos de Saúde), constou expressamente como de cobertura obrigatória, o atendimento nos casos de planejamento familiar (art. 35-C).

Tratou ainda do planejamento familiar a Resolução Normativa 338 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que trouxe:

“Art. 7º - As ações de planejamento familiar de que trata o inciso III do artigo 35-C da Lei nº 9.656, de 1998, devem envolver as atividades de educação, aconselhamento e atendimento clínico previstas nos Anexos desta Resolução, observando-se as seguintes definições:

I - planejamento familiar: conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal;

II - concepção: fusão de um espermatozóide com um óvulo, resultando na formação de um zigoto;

(...)”

Todavia, a mesma LPS, em seu artigo 10, inciso III, exclui dos procedimentos obrigatórios a serem cobertos pelas operadoras/planos de saúde a inseminação artificial, o que se constitui em verdadeiro contrassenso.

Sobre isso, até meados de 2016, o entendimento jurisprudencial majoritário era em favor do consumidor, privilegiando a obrigação de cobertura dos planos/operadoras de saúde considerando, principalmente, a abusividade de cláusula que veda tal cobertura, em especial considerando as disposições relativas ao instituto do planejamento familiar.

A partir do ano de 2017 o STJ iniciou mudança de entendimento, passando a adotar a interpretação literal quanto à vedação disposta pela LPS. Com isso, o STJ passou a adotar o entendimento no sentido de que as operadoras/seguradoras de saúde não são obrigadas a custear o procedimento médico da fertilização in vitro.

Nessa mudança foi considerada, conforme consta em muitas dessas decisões, o alto custo do procedimento, o que poderia impactar nos preços finais aos usuários/consumidores.

A partir de então, a corrente majoritária passou a entender que alguns benefícios médicos referentes ao processo de gestação seriam cobertos pelo plano de saúde, como exames de laboratórios, consultas etc, mas o procedimento em si não. Para essa corrente esses procedimentos constituiriam o planejamento familiar mencionado na LPS.

Em 20/2/2020 houve o julgamento de mais um recurso especial que versava sobre o tema (REsp 1.823.077). Discutiu-se, novamente, sobre a legalidade da cláusula de exclusão contratual do tratamento médico. Nele foi mantido o posicionamento quanto à legalidade da não obrigatoriedade do custeio do procedimento médico da fertilização in vitro pelos planos de saúde.

Sobre a cobertura, ou não, chama a atenção o fato do Sistema Único de Saúde (SUS) disponibilizar, gratuitamente, desde 2005, tratamentos de reprodução assistida, incluindo a fertilização in vitro.

Assim, a prevalecer o entendimento atual do STJ, estranhamente, esse seria um dos raros casos de tratamento médico que é coberto pelo SUS, mas não pelos planos de saúde.

Por fim, para a conclusão do entendimento, é importante entender-se mais sobre a infertilidade. No registro da Classificação Internacional de Doenças (CID), ambas infertilidades, masculina e feminina, fazem-se presente. Ou seja, são problemas que devem ser tratados pelos planos/operadoras de saúde.

A controvérsia sobre esse ponto gira em torno de que a fertilização in vitro não é um tratamento para infertilidade, mas sim um procedimento que possibilita que o paciente seja capaz de ter filhos por outras vias, ainda que continue com a patologia infertilidade.

Com todas essas informações postas, e sempre considerando que a sabedoria está no meio, o posicionamento mais adequado parece ser aquele que analisa cada caso concreto.

Naqueles casos em que a infertilidade possa tratada ou mesmo ser “contornada” por outros meios, cobertos pelo plano/operadora de saúde, a negativa parece razoável, uma vez que existem meios a proporcionar o planejamento familiar, ainda que não seja utilizando a fertilização in vitro.

Porém, naqueles casos em que a única forma de se garantir uma gestação saudável seja por meio da referida fertilização, seja naqueles casos de infertilidade mais grave ou naqueles em que estejam presentes anomalias genéticas familiares que obriguem a fertilização como forma de se garantir uma gravidez viável e saudável, não é razoável a negativa de cobertura.

Assim, ainda que os métodos de reprodução assistidas não estejam inseridos no rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, e haja disposições contraditórias na LPS sobre o procedimento, a decisão deve ser tomada caso a caso, considerando todos os argumentos expostos neste texto.

  • Sobre o autorEspecialista em Direito Empresarial, Direito Administrativo e Direito Médico
  • Publicações24
  • Seguidores14
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações74
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/plano-de-saude-e-obrigado-a-custear-fertilizacao-in-vitro/1113607253

Informações relacionadas

Tribunal de Justiça de São Paulo
Jurisprudênciahá 6 meses

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Recurso Inominado Cível: RI XXXXX-39.2023.8.26.0016 São Paulo

Emerson Martins, Advogado
Artigoshá 6 anos

Plano de saúde pode cobrar até 40% do valor de procedimentos, define ANS

Rafael Paulo Coelho, Bacharel em Direito
Artigosano passado

Direito do Consumidor Aplicado aos Planos de Saúde

Hugo Vitor Hardy de Mello, Advogado
Artigoshá 4 anos

Processar plano de saúde empresarial é possível?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)