Página 3088 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 26 de Maio de 2017

apartamento 02, bloco 45 do Condomínio Residencial Colinas de Piracicaba, objeto da Matrícula 56.043 do 1º Registro de Imóveis local, por escritura pública de 12.09.2014. Constou que, no negócio, o de cujus adquiriu o usufruto vitalício, ao passo que coube à ré, sua companheira, a nua propriedade (R.8 e R.9, fls. 18).A ré esclareceu que o verdadeiro valor desse negócio foi de R$ 160.000,00 e não os R$ 80.000,00 que constaram na escritura (R$ 26.666,67 do usufruto mais R$ 53.333,33 da nua propriedade, totalizando R$ 80.000,00). De fato a compra e venda ocorreu por R$ 160.000,00, pois é esse o valor que constou do antecedente compromisso de venda e compra (fls. 84/85). A autora concorda que a compra se deu por R$ 160.000.00, de modo que o pagamento dessa quantia é fato incontroverso.Em depoimento pessoal, a ré disse que o de cujus, tendo se separado judicialmente, era proprietário de imóvel em Nova Odessa SP. Vendeu esse imóvel e se mudou para Piracicaba. Com o valor da venda do imóvel de Nova Odessa, adquiriu imóvel próximo ao SESI, nesta cidade. Como era imóvel distante do centro, acabou por vender esse imóvel e, com o preço obtido, comprou o imóvel da Rua Dr. Alvim, objeto da Matrícula 65.784 do 1º Registro de Imóveis local. Essa compra teria ocorrido quando o de cujus já havia iniciado a união estável com a ré, mas o imóvel foi registrado exclusivamente em nome dele. Posteriormente, ainda segundo o depoimento pessoal da ré, o imóvel da Rua Dr. Alvim teria sido vendido pelo de cujus por R$ 157.000,00. Esse valor foi empregado na compra do imóvel objeto desta ação, da Matrícula 56.043, por R$ 160.000,00, com aquisição do usufruto em favor do de cujus e da nua propriedade em nome da ré. Para a compra do segundo imóvel, diante da diferença de preço (R$ 157.000,00 x R$ 160.000,00), foram pagos aos vendedores mais R$ 3.000,00. Segundo a ré, ela teria contribuído, com recursos próprios, com cerca de metade dessa diferença, ou seja, cerca de R$ 1.500,00. Teria contribuído, ainda, para as despesas de escritura e registro.Em relação a essa versão do depoimento pessoal da ré, é de se observar que provavelmente ela fez confusão quanto ao valor da venda do imóvel da Rua Dr. Alvim, pois disse que teria sido vendido por R$ 157.000,00, mas, na verdade, como está expresso no compromisso de venda e compra de fls. 52/56, o preço foi de R$ 167.000,00, superior aos R$ 160.000,00 pagos pelo apartamento do Colinas de Piracicaba.Se a casa foi vendida por valor superior ao do apartamento comprado em seguida, entendo não haver dúvida de que, na verdade, ao contrário do afirmado pela ré, o preço do apartamento foi pago integralmente com o produto da venda da casa da Rua Dr. Alvim. Por outro lado, dada oportunidade para a ré indicar outros bens pertencentes ao de cujus na época do negócio jurídico questionado, ela não se manifestou.Assim delimitados os fatos relevantes para a solução da causa, é de se observar, em primeiro lugar, ser incontroverso que o de cujus e a ré viviam em união estável há cerca de dez anos. O regime de bens da união estável é o da comunhão parcial de bens, salvo se houver pacto escrito dos companheiros em contrário, como estatui o art. 1.725 do Código Civil. Como não houve pacto escrito entre o de cujus e a ré, a união estável deles era regida pela comunhão parcial de bens.Na comunhão parcial, são particulares, exclusivos do cônjuge ou companheiro, não se comunicando com o outro, os bens que cada um possui ao se casar ou constituir união estável, e os sub-rogados em seu lugar. É a regra do art. 1.659, I, do Código Civil.No caso concreto, pela sequência de negócios jurídicos acima apontada, não há dúvida de que o de cujus era proprietário do imóvel em Nova Odessa, antes da constituição da união estável com a ré. Com o preço da venda desse imóvel, comprou, sucessivamente, o das proximidades do SESI, o da Rua Dr. Alvim e, finalmente, o apartamento no Colinas. Entendo, assim, não haver dúvida de que esse último imóvel foi adquirido com o produto da venda de bem particular do de cujus, anterior à constituição da união estável, e, portanto, o produto usado para a compra era particular, de propriedade exclusiva do de cujus. O apartamento, em suma, é bem sub-rogado em lugar do imóvel de propriedade exclusiva do de cujus, antes da constituição da união estável. E, portanto, não se comunicou com a ré, nos termos do referido inc. I do art. 1.659 do Código Civil.Parte do valor da venda do imóvel da Rua Dr. Alvim, que era de titularidade exclusiva do de cujus, foi empregado por ele para a compra da nua propriedade do apartamento em favor de sua companheira. Houve, portanto, não a compra pura e simples da nua propriedade pela ré, mas a doação pelo de cujus à ré do valor respectivo, que permitiu a compra da nua propriedade. O claro intento do de cujus foi o de favorecer sua companheira, subtraindo o imóvel da sucessão hereditária dele. Reservou em favor dele o usufruto vitalício. Com sua morte, o usufruto se extinguiria, consolidando-se a propriedade plena em favor da ré, excluindo-se da sucessão, assim, os cinco filhos dele, frutos do casamento anterior. Tem razão a autora, portanto, ao afirmar que se tratou de negócio jurídico simulado, pois encobriu doação do de cujus à ré. Nos termos do art. 167 caput do Código Civil: “Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”. Por aplicação dessa regra, subsiste o negócio jurídico praticado, não como compra e venda pura e simples, mas reconhecendo-se que houve doação pelo de cujus à ré do valor com o qual ela adquiriu a nua propriedade. Visou, ainda, com a reserva de usufruto vitalício em favor dele, assegurar que na abertura da sucessão dele coubesse à ré a propriedade plena do imóvel, consumando-se, assim, a doação em favor dela da totalidade do imóvel, evitando-se que ela tivesse de partilhar o imóvel com os filhos dele, frutos de relacionamento anterior.Resta examinar quais as consequências jurídicas da doação, para deslinde desta demanda. Dentre outros fundamentos legais, a autora argumenta ter havido violação do art. 549 do Código Civil, segundo o qual: “Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”.Não há dúvida de que houve violação dessas regra legal. Não há prova de que o de cujus tinha outros bens ao tempo da doação efetuada à ré. Ele visou contemplar a companheira, portanto, com 100% de seu patrimônio, quando poderia dispor somente de 50. A doação entre companheiros é negócio jurídico válido, lícito, constituindo adiantamento de herança, a impor a colação do bem recebido em doação, para igualar as legítimas dos herdeiros necessários. Com efeito, dispõe o art. 544 do Código Civil: “Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança”. Embora o art. 544 não faça referência explícita à doação de um companheiro a outro, tal doação deve ser considerada, igualmente, adiantamento de herança. Pois, sendo adiantamento de herança, impõe que o donatário colacione o bem doado no inventário dos bens deixados pelo doador, a fim de igualar as legítimas dos herdeiros necessários. Caso a doação de um companheiro a outro não constituísse adiantamento de herança e não se impusesse a colação, ocorreria o paradoxo de o cônjuge estar obrigado à colação e o companheiro não. A lei infraconstitucional estaria tratando pior o cônjuge do que o companheiro, o que resultaria em situação absurda e contrária ao texto constitucional. Pois é possível admitir discussão sobre a equiparação ou não dos efeitos do casamento e da união estável perante a Constituição, mas é impensável admitir que a união estável possa ser melhor tratada do que o casamento. Em suma, se o cônjuge está obrigado a trazer à colação bens recebidos do outro cônjuge por doação, como dispõem os arts. 544 e 2.003, ambos do Código Civil, a mesma obrigação deve ser reconhecida em face do companheiro, sob pena de se consagrar o referido paradoxo, de tratar melhor o companheiro do que o cônjuge.Trata-se, na verdade, portanto, não de doação inoficiosa, mas de doação a impor colação. A doação inoficiosa é nula na parte inoficiosa, no que excede a metade disponível. Na parte invasiva da parte indisponível, a doação é inválida, como expressamente estatui o art. 549 do CC. Trata-se de nulidade, mas com o diferencial de que depende de reclamo do herdeiro necessário prejudicado para que seja promovida a redução aos limites da parte disponível. No caso de colação, a doação não padece de invalidade. Ao contrário, constitui negócio jurídico lícito, válido, com a particularidade de que tem natureza jurídica de adiantamento de herança, conforme a expressa previsão do art. 544 do CC. Por ter essa natureza jurídica, acarreta a obrigação de o donatário colacionar o bem doado a fim de igualar as legítimas dos herdeiros necessários. De se reconhecer, ainda, pelas circunstâncias do negócio jurídico praticado, como acima já salientado, ter ficado

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