Página 665 da Judicial do Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (DJRN) de 10 de Maio de 2019

acreditou. Acha que o acontecido foi em uma quarta-feira. Perguntou sobre bebedeira. Disse que a ofendida costuma beber. A ofendida disse que tinha bebido uma ou duas latinhas de cerveja à tarde. Beberam todos juntos, o padrasto, o acusado e a ofendida, não foi uma comemoração. Durante interrogatório judicial, a parte acusada ARLINDO DA SILVA LIMA disse que nesse dia estavam todos bebendo e pelo que lembra, usou crack e comprimidos. No dia seguinte ouviu comentários de que teria ocorrido isso. Jamais faria isso com sua irmã. Não lembra a que horas foi dormir nesse dia. Pelo que lembra, foi até a hora em que tomou os comprimidos. Tinha comprado cinco cartelas de comprimidos. Já tinha consumido drogas na casa da ofendida. A ofendida também usou drogas. Ela usou maconha. Tomou Rivotril por volta de umas três da tarde. Dormiu na rede da casa da ofendida, na sala. Sua mãe dormia na sala, mas nesse dia ela tinha ido para Parnamirim. Nesse dia, tinham bebido o depoente, a ofendida e um rapaz. Estava tomando cachaça e depois cerveja. Sua irmã tomou cachaça e cerveja. Crê que sua irmã inventou. Jamais faria isso. Crê que não fez, mas não tem certeza. Tem 34 anos. Já havia sido preso por roubo e condenado a uma pena de 5 anos e 4 meses. É analfabeto funcional. Tem duas filhas que moram com a mãe delas. Pede uma oportunidade. Em relação a cada uma das teses da acusação e das antíteses da defesa, as enfrentarei uma por uma. A) tese: condenação do acusado nas penas do artigo 213, caput, com a incidência da agravante do art. 61, alínea e do Código Penal e fixação de valor mínimo a título de reparação por danos morais; B) antítese de Arlindo da Silva Lima: absolvição por insuficiência de provas para a condenação, nos termos do artigo 386, VII do CPP e, em caso de condenação, o reconhecimento de atenuantes com a fixação da pena no mínimo legal. DELIBERAÇÃO JUDICIAL: restou comprovada a materialidade do estupro pela declaração da vítima e depoimento da testemunha, ambos no sentido de que o acusado constrangeu a ofendida a presenciar ele se masturbar, logo em seguida, a praticar conjunção carnal, ameaçando a com uma chave de fenda, a qual cedeu para que ele não causasse mal aos filhos dela que ficaram trancados no quarto. Ao considerar o resultado do laudo constando ausência de sinais de conjunção carnal (fls.18-19) entendo que a realização do exame dois dias depois prejudicou a conclusão. Alisando o caso sob a ótica da Lei Maria da Penha, o relato da vítima goza de especial valor probatório, sobretudo quando corroborada por outras provas aptas a formar o convencimento do julgador, verificando-se todas as circunstancias envolvidas no cenário dos fatos. Ademais, a testemunha MARIA ROSANA DA SILVA declarou que na manhã seguinte, a ofendida chegou, abalada psicologicamente, razão pela qual a abrigou na sua casa por ela afirmar que estava com medo do acusado. Após isso, o acusado tentou fugir para Santa Cruz, sendo preso na Rodoviária, conforme declaração da vítima. Assim sendo, conferindo maior credibilidade a palavra da vítima e da testemunha, julgo configurada a autoria delituosa. Por fim, o acusado não negou peremptoriamente. Afirmou crer que não teia feito, mas não recorda devido aos efeitos da drogadição. Dependência química e co-culpabilidade social A parte acusada era usuária de drogas, à época da infração, e transborda sua rudeza, decorrente, infelizmente, de nosso sistema abissalmente desigual e injusto, em que a isonomia é um mito, e somente não denunciam isso os ingênuos. Assim, justifica-se o reconhecimento de atenuante inominada em favor do acusado, em razão da co-culpabilidade social na participação do delito, pois é notório que o vício no consumo de crack e psicotrópicos estimula a prática de crimes, sem que os dependentes dessas drogas tenham a devida assistência pelo Estado, o que torna o acusado pessoa mais vulnerável a cometimento de crimes e à seleção pelo sistema penal, em sua peneira já tão bem denunciada por Honoré de Balzac, quando dizia que "as leis são teias de aranha, em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas". Sobre o princípio da co-culpabilidade, Salo de Carvalho, reportando-se a Zaffaroni, ensina que "reprovar com a mesma intensidade pessoas que ocupam situações de privilégio e outras que se encontram em situações de extrema pobreza é uma clara violação do princípio da igualdade corretamente entendido, que não significa tratar todos igualmente, mas tratar com isonomia quem se encontra em igual situação". O juiz que reprova igualmente pessoas que estão em patamares diferentes, em papéis divergentes dentro da sociedade, fere a isonomia. E não só ela, também a individualização constitucional da pena. É inegável que o potencial conhecimento da ilicitude do fato é diverso no acusado que se encontra com sua capacidade de entendimento e sua volitividade tão fortemente abaladas. A visão determinista não consegue enxergar as peculiaridades de cada caso. E é essa exatamente a tarefa do julgador, vencer a barreira da abstração legal. Como bem acentua Bruno Carrijo Carneiro: Há, inegavelmente, apenas a título de exemplo, uma notável diferença, quanto ao conhecimento da ilicitude do fato, entre um sujeito com 21 anos de idade, que não possui nem o 1º grau completo, e outro indivíduo pertencente à classe média, com a mesma idade daquele, que esteja concluindo o ensino superior. É inconteste que não há, por parte do Estado, a satisfação dos direitos fundamentais a todos os cidadãos direitos de liberdade, sociais, econômicos e culturais. Assim, o juízo de reprovabilidade individual pelo ato delitivo não pode ser igual entre os desiguais, nem desigual entre os iguais. Caso contrário estaria configurada tão somente uma igualdade formal, porém restaria prejudicado o princípio da isonomia. Destarte, tal desigualdade entre os sujeitos, diante do absenteísmo do Estado, deve ser observada. Preconiza Salo de Carvalho que "o entorno social, portanto, deve ser levado em consideração na aplicação da pena, desde que, no caso concreto, o magistrado identifique uma relação razoável entre a omissão estatal em disponibilizar ao indivíduo mecanismos de potencializar suas capacidades e o fato danoso por ele cometido. O postulado é decorrência lógica da implementação, em nosso país, pela Constituição de 1988, do Estado Democrático de Direito, plus normativo ao Estado Social que estabelece instrumentos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nessa esteira de pensamento, entendemos perfeitamente cabível a consideração da situação peculiar de dependência química do acusado como atenuante genérica, conforme previsto no art. 66 do CP. O princípio da co-culpabilidade social expressa o respeito aos valores da dignidade humana, igualdade e justiça, merecendo ser interpretado conjuntamente com o disposto no art. 66 do CP, no sentido de ser reconhecida a atenuante inominada quando circunstâncias adversas causadas pelas inércia do Estado contribuírem para diminuir a autodeterminação do agente no cometimento de infrações penais. DISPOSITIVO Em razão de todo o exposto e fundamentado, resolvo julgar procedente a pretensão punitiva do Estado, condenando Arlindo da Silva Lima, parte já qualificada nos autos, como incursa nas sanções advindas da violação do art. 213, caput, do Código Penal, nos termos do art. , III, da Lei nº 11.340/2006 (situação de violência doméstica e familiar contra a mulher). Passo a dosar a pena com as devidas fundamentações em razão de imposição constitucional (CF-88 art. 93, IX). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS Culpabilidade: é o núcleo das circunstâncias que compõem a pena-base. É a primeira e mais importante circunstância. Isto porque representa a aplicação na íntegra do princípio da proporcionalidade entre a prática do fato e a pena, desconsiderando fatores intrínsecos à pessoa do agente. Como bem alerta AMILTON BUENO DE CARVALHO," a interioridade da pessoa não deve interessar ao Direito Penal mais do que para deduzir o grau de culpabilidade de suas ações ". Assim, o que uma parcela considerável dos operadores do direito ainda não percebeu é que a culpabilidade possui dupla faceta. Uma antropológica, que constitui elemento do crime. Outra fática, que constitui a pena. A primeira faceta da

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