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Curso de Processo Estrutural

Curso de Processo Estrutural

8. A Implementação das Soluções nos Processos Estruturais

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Inquestionavelmente, um dos temas mais complexos da atual ciência processual é a concretização dos provimentos judiciais 1 . Fazer com que uma decisão judicial (ou outra forma de solução da controvérsia/caso) se torne realidade palpável é, muitas vezes, problema que desafia a preocupação do processualista e se converte em questão fundamental para a efetividade do processo e a obtenção de sua instrumentalidade, em seu sentido mais puro. 2 De outro lado, a investigação da questão vem permeada por severas restrições legais, principiológicas e ideológicas, de forma a limitar, constantemente, as possibilidades que se abrem ao magistrado para a efetivação de suas decisões. A colisão principiológica da máxima efetividade da tutela executiva versus os direitos fundamentais do executado exige a criação de mecanismos equilibrados, mas que não desconsiderem o fato de que o exequente, de posse de um título judicial ou extrajudicial, goza da presunção da titularidade de um direito violado, o que impõe ao Judiciário alguma resposta que seja rápida e efetiva para a realização da promessa de Justiça que embasa a própria noção de Estado de Direito.

Não há dúvida de que a efetividade do processo deveria conduzir ao ilimitado poder jurisdicional de, o mais prontamente possível, impor a quem quer que seja o comando estatal, fazendo realizar, desde logo, o direito reconhecido. Todavia, o arcabouço de princípios constitucionais que norteiam a atividade judicial impõe a preocupação com a participação dos sujeitos – especialmente daqueles que podem ser atingidos com o ato jurisdicional – no processo do qual surgirá a decisão do Estado. Com efeito, o princípio do contraditório assenta a necessidade de permitir (quando não exigir) a influência daqueles envolvidos no litígio – a ser resolvido pelo Estado-juiz – na apreciação pública deste conflito e na adoção das providências juridicamente adequadas a solucioná-lo. Assim, se, de um lado, seria desejável (em benefício da efetividade da decisão judicial) autorizar a imposição a todos do comando jurisdicional, de outro, as garantias fundamentais do processo podem constituir obstáculo intransponível a isso – dado que, ao menos em primeira análise, não toleram (mesmo em prol do princípio democrático) a violação da esfera individual sem que este possa colaborar na construção desta ordem.

A partir desta visão, um dos grandes obstáculos à efetividade da prestação jurisdicional – especialmente das tutelas específicas – encontra-se na adequada análise dos instrumentos disponíveis ao magistrado para fazer cumprir a sua ordem e impor ao requerido a exata satisfação daquilo a que o autor tem direito.

Por isso, apesar de ainda ser a Cinderela 3 do processo, é inegável que a fase da efetivação do direito tem pautado inúmeras discussões ao longo das décadas, ganhando especial destaque já adentrando no século XXI, com as modificações que foram impostas no CPC/1973, como a antecipação de tutela, as tutelas específicas das obrigações de fazer 4 , não fazer, entrega de coisa e o cumprimento de sentença. Também é de dar renovado destaque à previsão legislativa do art. 5 , CPC/2015, que, repetindo a máxima constitucional estampada no art. , inc. LXXVIII, aposta na duração razoável do processo não só na fase de declaração do direito, mas também de sua efetivação ou realização no mundo da vida, no mundo dos fatos. A decisão judicial quando necessária, não pode ficar adstrita somente ao reconhecimento judicial que anuncia aquele direito. Se ao juiz é vedado o non liquet 6 , por qual razão o Estado, por meio de Poder Judiciário, poderia deixar de efetivar (non factibile 7 ) a mesma decisão que afirma ser obrigatória ser prolatada?

Quando se fala em processos estruturais, dois importantes momentos devem ser elucidados. O primeiro, vinculado à decisão que reconhece o estado de desconformidade da situação discutida. Essa primeira decisão em certas oportunidades pode não oferecer maior complexidade. Nessas hipóteses, talvez a intervenção jurisdicional para o reconhecimento da situação de irregularidade fosse até desnecessária, na medida em que reconhecida de modo amplo. Poder-se-ia dizer que, nesses casos, esta primeira decisão tem um efeito simbólico muito importante, como anota Eduardo Sousa Dantas 8 , ganhando espaços para uma posterior efetividade futura.

São decisões que, por exemplo, reconhecem racismo estrutural, estado de indignidade dentro do sistema prisional, falta de saneamento básico em determinadas localidades, falta de sistema de saúde à população em geral, falta de vagas em creches públicas, despoluição de rios, estruturas comprometidas em barragens, entre outras tantas que poderiam ser listadas. É muito difícil que não se consiga visualizar um estado adoentado em vários momentos desses.

Então, a dificuldade do processo estrutural, ao menos nesses casos, não está ligada a uma primeira decisão (à decisão-núcleo) que reconhece uma violação sistemática a esses direitos.

Surge aí o segundo momento, no qual se pretende encontrar alguma solução para esse estado de desconformidade encontrado. E é aí que o problema, do ponto de vista prático, surge. A dificuldade está na determinação da forma como, pela via do processo, será possível estruturar as instituições para que possam aperfeiçoar seu comportamento ou, em outros casos, fomentar as condições para que elas possam se reestruturar, dando concretude aos comandos constitucionais que asseguram tais direitos à comunidade em geral.

Tudo isso aponta para a relevância no estudo da fase de concretização da solução estrutural. Ainda quando a solução em si não seja algo complexo de ser determinado, poderá suceder que a implementação daquela ideia posta na solução dada envolva, sim, complexidades várias que, se não atuadas de modo adequado, podem frustrar todo o processo realizado. Acrescente-se ainda que, por suas próprias características, o processo estrutural na ampla maioria das vezes exigirá soluções distintas daquelas tradicionalmente empregadas. 9

A via tradicional, consistente na “reparação pecuniária de danos”, certamente será em regra imprestável neste campo, que exigirá instrumentos que possam impor as prestações de fazer e não fazer, muitas vezes com alto grau de complexidade e variabilidade.

8.1. A efetivação da tutela estrutural: indução, sub-rogação e implementação negociada

Parece óbvio que um processo desenhado para alterar uma realidade institucionalizada exige, para a concretização da solução preconizada pelo juiz (ou negociada pelas partes), instrumentos capazes de, se necessário, impor aquela solução, logrando a efetiva modificação dos fatos.

É lógico que, sempre que possível, a forma de implementação da solução deve estimular a negociação, particularmente porque são os sujeitos envolvidos aqueles que têm melhores condições para entender de que modo e por que meios alguma solução será mais facilmente implementada. Assim, como indicado em capítulo anterior, é de se pensar, para dar concretude à execução nos processos estruturais, na possibilidade de conceder maior ensejo às decisões negociadas do que adjudicadas, apostando na consensualidade em razão das complexidades com que a fase de implementação irá passar. Lembra Gismondi 10 que acordos de procedimento e calendarização poderiam ser duas técnicas altamente eficientes neste tipo de litígio. Diante de tal pensamento, é de se pensar, até mesmo, em acordos de desjudicialização da fase de efetivação ou de uma parcela dela.

Nesse sentido, como aponta Chayes, não é raro que, nos Estados Unidos, o juiz convoque o próprio réu do processo a auxiliar no desenho da decisão-núcleo, até porque ele é o sujeito que, em muitas situações, reúne a capacidade técnica e o conhecimento detalhado da instituição a ser modificada, sendo por isso aquele que mais adequadamente poderia pensar de que forma, em que prazo e com que meios a alteração deve ser realizada. 11

Por outro prisma, nota-se que a efetivação das soluções estruturais demandará, de regra, um longo caminho, na medida em que essa implementação tende a ser gradual e contínua.

Isso recomenda que a efetivação se faça a partir de um plano de ação, onde se desenham os objetivos a serem alcançados ao longo do tempo, com metas a serem cumpridas em cada momento. Haverá, no fim das contas, a elaboração de um verdadeiro calendário para a implementação da solução estrutural, para que todos os interessados possam acompanhar o desenvolvimento da complexa atuação no sentido da eliminação (ou da minoração) do problema alvo da atividade estrutural.

Assim, no que diz respeito à estipulação de calendários e de planos de atuação, veja-se que este é o ponto mais importante nessa espécie de efetivação. Mais que isso, perceba-se que, igualmente aqui, concretiza-se um design mais horizontal do processo – reconhecendo a amplitude de diálogo e de debate entre os envolvidos.

Essa espécie de previsão, destaca-se, possui assento expresso em nosso atual ordenamento positivo. Nesse sentido, dispõe o art. 191, caput, do Código de Processo Civil que, “de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso”, fixando ainda que “o calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados” (§ 1º) e que “dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário” (§ 2º). Há, com isso, uma plena possibilidade de que, a partir das circunstâncias do debate, estabeleça-se um calendário processual compatível com as exigências processuais.

Ainda que não se obtenha o consenso na elaboração do dito calendário para a implementação da ordem – o que é sempre desejável – é evidente que o próprio juiz pode estabelecer esse cronograma, à luz do plano que eventualmente tenha traçado na decisão ou na medida acordada. Recorde-se, afinal, que se está diante de medidas altamente complexas, cuja efetivação não se obtém por prestações simples de fazer ou não fazer. Essa exigência de uma série de providências exige (mais do que recomenda) a concepção de um plano de ação – seja ofertado pelas partes, seja imposto pela autoridade judiciária – atento à realidade e modelado para a busca da solução almejada.

Logicamente, esse plano – como já visto no capítulo anterior – está sujeito a um realinhamento, sempre que se note sua inexequibilidade, sua insuficiência ou sua inadequação para a obtenção do resultado pretendido.

Por outro lado, ressalta-se ainda que, no campo dos processos estruturais, esse tipo de olhar gerencial pode assumir importância ainda mais acentuada. Afinal, foi oportunamente indicado que, nesse palco, a prospectividade representa elemento nuclear da própria atividade jurisdicional. Justifica-se, com isso, a fixação de cronogramas e de planos, de etapas e de projetos, capazes de congregar os diferentes atores envolvidos para avaliar as soluções emergentes e os seus impactos no sistema.

No entanto, sempre que não for possível contar com a colaboração dos envolvidos, será sem dúvida necessário recorrer a instrumentos de imperium, disponíveis ao Poder Judiciário.

Como se sabe, esses instrumentos podem ser subdivididos em instrumentos de sub-rogação e instrumentos de indução. Os primeiros consistem em técnicas capazes de substituir a atuação devida pelo ordenado pela atividade de outro sujeito. É o que ocorre, por exemplo, com a execução tradicional de prestações pecuniárias, em que o dever de pagar é substituído pela agressão ao patrimônio do devedor, com a obtenção dos valores necessários à quitação da obrigação. Já as medidas de indução são aquelas em que o Judiciário se vale de instrumentos de pressão, desenhados com o intuito de vencer a vontade do ordenado (a exemplo da multa coercitiva). Entre esses instrumentos de indução, pode-se imaginar o emprego de medidas de coerção, que são aquelas em que se ameaça o ordenado com um mal, no intuito de obter a sua colaboração (novamente, é o caso da multa coercitiva ou da prisão civil). Mas também se pode pensar em instrumentos de pressão positiva, que são aqueles em que se oferece uma vantagem ao ordenado, caso ele decida cooperar. Esta última técnica pode ser particularmente útil no campo dos processos estruturais e é o que ocorre, por exemplo, quando o juiz determina ao réu que traga um plano de atuação ou um cronograma de implementação da decisão judicial. Logicamente, sabe-se que, caso o réu decida não trazer esses elementos, eles serão dados por outra pessoa (eventualmente, pelo próprio juiz), contemplando condições possivelmente piores para a implantação da solução estrutural do que aquelas que o próprio ordenado poderia desenhar. Isso servirá de estímulo a que ele cumpra com a determinação judicial, porque isso pode dar-lhe condições mais favoráveis para o cumprimento da solução antes firmada.

8.2. As aberturas específicas na lei para a efetivação do direito nos processos estruturais

É comum dizer-se que o juiz dispõe de um leque aberto de medidas de apoio para impor o cumprimento das prestações de fazer, de não fazer e de entregar coisa, em razão do que dispunha o art. 461, § 5º, do CPC de 1973, hoje artigos 497 a 500 do código em vigor (ou o art. 84, § 5º, do CDC). A afirmação é verdadeira, mas merece certo temperamento. É que, embora haja liberdade na criação e na adoção de medidas de apoio, essas só se legitimam se não encontrarem óbice em outro lugar do Direito. 12 A regra, portanto, é de que será permitido ao juiz utilizar qualquer técnica não vedada pela ordem jurídica – diretamente, ou em decorrência de seus princípios. Consequentemente, quanto mais agressiva for a medida a ser empregada, maior a exigência argumentativa que se porá sobre os ombros do magistrado. Esse incremento, obviamente, decorre da expressa exigência constitucional e legal, seja no campo da proteção dos direitos fundamentais, seja na aplicação do cânone da proporcionalidade (art. 489, § 2º, do CPC). Afinal, se é verdade que a Constituição da Republica garante, em seu art. , inc. XXXV, o acesso à tutela jurisdicional adequada e efetiva, também é correto dizer que essa diretriz não pode ser atingida com o total desrespeito a outras liberdades com o mesmo status constitucional, a exemplo da garantia da inviolabilidade pessoal (art. 5º, caput, da CR) ou da proibição do emprego de penas cruéis (art. 5º, inc. XLVII, e, da CR).

É, portanto, no equilíbrio entre as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva e as demandas decorrentes do sistema de proteção de liberdades, imposto pelo texto constitucional e infraconstitucional que se deve dimensionar as técnicas de apoio disponibilizadas para o juiz, por via dos artigos 497 a 500 do CPC.

Sob outro ângulo, também é verdade que o CPC anunciou cláusula específica quanto aos poderes concedidos ao juiz para a efetividade de suas decisões, no artigo 139, IV, CPC, ao dispor que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Inicia a ser caminho comum na legislação, então, que técnicas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias e indutivas sejam possíveis com a finalidade de efetivação das decisões judiciais, o que deságua na doutrina que vem sendo escrita sobre sua aplicabilidade nos processos estruturais 13 .

A amplitude do preceito apontado, a par de exigir uma …

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27 de Maio de 2024
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