Seção III

Seção IIIDos Bens Fungíveis e Consumíveis Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. V. arts. 243, 247, 307, parágrafo único e 369 do CC. SUMÁRIO: I. Bens fungíveis e infungíveis; II. Infungibilidade e meios de coerção; III. A infungibilidade jurídica e o art. 501 do CPC/2015. I. Bens fungíveis e infungíveis. Quando o bem é individualizado por suas características peculiares, tornando-se único, denomina-se de infungível. Ao contrário, quando o bem pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, será fungível (Vertretbare Sachen). A expressão fungível não é de criação romana, sendo atribuída ao jurista alemão Zasius, no séc. XVI (cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, t. II, p. 152). A fungibilidade é uma característica dos bens móveis (Medicus, Allgemeiner Teil , § 63, p. 463). O bem fungível por excelência é o dinheiro (Geld), mas a infungibilidade pode recair sobre diversos tipos de objetos, ainda que existentes em menor número (como uma tela de pintura de determinada série, ou mesmo vinhos de uma safra especial). Nesses casos, pode-se estar diante de fungibilidade temporária, que, na medida em que as coisas pertencentes a determinada classe vão se dissipando, pode tornar-se infungibilidade permanente. A propriedade imóvel não pode ser qualificada como fungível (Holch, Münchener Kommentar , p. 1135), ainda que em território ou construção determinada (bestimmten Bebauungsbeiets). Os bens imóveis são infungíveis por natureza. II. Infungibilidade e meios de coerção. A infungibilidade acarreta uma série de problemas para o cumprimento da obrigação. O direito moderno repudia qualquer forma de execução direta que recaia sobre a pessoa (nemo potest cogi ad factum). Para isso confere a possibilidade do juiz se utilizar de meios indiretos para obter o cumprimento da tutela específica. Não há como obrigar fisicamente um pintor a terminar uma tela que foi contratada. No entanto, é possível exigir o cumprimento da obrigação infungível com pedido de aplicação de multa diária, ou de outra medida coercitiva. Não sendo possível o cumprimento da tutela específica, ou do resultado prático equivalente (cf. art. 497, caput , do CPC/2015), abre-se o caminho para a conversão da obrigação em perdas e danos, o que a tornaria fungível (art. 499 do CPC/2015). O sistema brasileiro prevê, em tais dispositivos, medidas de execução indireta como meio de privilegiar o cumprimento da tutela específica e a prestação de tutela jurisdicional adequada. São previstas, ainda, medidas sancionatórias contra condutas consideradas atentatórias à justiça (Contempt of Court), como nos casos referidos no art. 77, IV, do CPC/2015. III. A infungibilidade jurídica e o art. 501 do CPC/2015. É possível que a infungibilidade diga respeito à manifestação da vontade jurídica, em contratos bilaterais sinalagmáticos, também denominados de bilaterais perfeitos. Neles há uma equivalência ideal entre a prestação e contraprestação. No acordo para transferência da propriedade, após o pagamento do preço o vendedor deve outorgar o assentimento para a formalização da escritura pública. Desde que injustificada a recusa, o juiz poderá suprir a manifestação de vontade, nos termos do art. 501 do CPC/2015: “Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”. A respeito dessa disposição, cf. José Miguel Garcia Medina, Código de Processo Civil comentado cit. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação. V. art. 1.392, § 1º, CC. SUMÁRIO: I. Bens consumíveis; II. Bens inconsumíveis; III. Bens deterioráveis. I. Bens consumíveis. A consuntibilidade se trata de regime afeto aos bens móveis (auf bewegliche Sache beschränkt). Numa primeira visão, bens consumíveis são aqueles que desaparecem pela sua utilização. A leitura art. 86 permite captar uma concepção dualística do conceito de bem consumível. A primeira, e mais antiga, retrata a sistematização intuitiva dos romanos que era voltada para os alimentos (res quae usu consummuntur). Em outras palavras, os bens consumíveis são aqueles que uma vez manipulados não permitem o seu reaproveitamento, pois são destruídos pela ação do homem ou do tempo. Nesta primeira situação, o alimento se destrói pelo consumo humano ou pela sua deterioração natural. Todavia, com a evolução do pensamento sistemático e codificador, o conceito de bem consumível foi alargado e apanhou também os bens destinados ao tráfego negocial e, portanto, passíveis de alienação (wegen ihrer wirtschaftlichen Zweckbestimmung – Holch, Münchener Kommentar , p. 1135). O dinheiro é bem móvel e consumível por excelência, uma vez que se destina à alienação constante. Não se consome o papel ou o metal que o representa, mas sim o valor que expressa e que permite a sua troca por outros bens consumíveis ou inconsumíveis. II. Bens inconsumíveis. Os bens móveis que podem ser usados sem o seu exaurimento são bens inconsumíveis. O uso contínuo pode gerar um desgaste, o que faz nascer a possibilidade de outra classificação, que são os bens deterioráveis (cf. comentário infra). Os bens inconsumíveis também podem surgir por afetação, ou seja, bens que são inalienáveis serão inconsumíveis. III. Bens deterioráveis. A deterioração não se confunde com a consumação (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil , t. II, p. 156; Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado , § 121 t. II, p. 27). Alguns bens desaparecem pelo exaurimento (usu consummuntur), outros apenas sofrem um desgaste pela deterioração (usu minuuntur). Esta é a situação dos veículos, das roupas que depois de um tempo ficam gastas, mas não desaparecem. A classificação pode parecer supérflua, mas não é. Os bens que são passíveis de deterioração exigem o dever de diligência na sua manutenção, especialmente quando submetidos a determinada relação jurídica. Há negócios que não podem ter por objeto bens fungíveis e consumíveis, como o comodato (art. 579 do CC), mas podem suportar bens deterioráveis, sem prejuízo da averiguação da culpa por violação ao dever de zelo.

Código Civil Comentado - Ed. 2021

Seção III. Dos Bens Fungíveis e Consumíveis

Seção III

Dos Bens Fungíveis e Consumíveis

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