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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Superior Tribunal de Justiça
há 13 dias

Detalhes

Processo

Publicação

Relator

Ministro MESSOD AZULAY NETO

Documentos anexos

Inteiro Teor12c0a367a68b15184a406678aa703c5b.pdf
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Inteiro Teor

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 201322 - SP (2023/XXXXX-0)
EMENTA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INVESTIGAÇÃO PENAL. OFERTA DE INVESTIMENTOS EM CRIPTOMOEDAS. MANIFESTAÇÃO DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM. ATUAÇÃO IRREGULAR COMO INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. POSSÍVEL PRÁTICA DELITIVA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. APARENTE INTERESSE DE AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
PRECEDENTES.
DECISÃO
Trata-se de conflito de competência instaurado entre o JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ARARAS-SP, ora suscitante, e o JUÍZO DA 4ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE SÃO PAULO-SP, suscitado.
O Juízo da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, nos autos do Inquérito Policial n. XXXXX-28.2021. 4.03.6143, acolhendo o parecer ministerial, declinou da competência para o Juízo de Direito da Vara Criminal de Araras/SP, ao argumento de que a investigação, que apura crime patrimonial praticado mediante promessa de aplicação rentável em moeda virtual, não se enquadra nas hipóteses de competência da Justiça Federal, porquanto não demonstra interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, nos termos do art. 109, inciso I, da Constituição Federal (fl. 622).
O Juízo de Direito da Vara Criminal de Araras/SP, nos autos do Inquérito Policial n. XXXXX-06.2021.8.26.0038, por sua vez, suscitou conflito de competência. Alegou, em síntese, que a investigação, que apura crime patrimonial praticado mediante promessa de aplicação rentável em moedas virtuais, com emissão de valores mobiliários, reflete interesse da União e, portanto, atrai a competência da Justiça Federal (fl. 651).
O Ministério Público Federal se manifestou pelo conhecimento do conflito a fim de que seja declarada a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Araras/SP, ora suscitante (fls. 665-674).
É o relatório. DECIDO.
Conheço do conflito de competência, porquanto instaurado entre Juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição da Republica.
A controvérsia para a definição da competência perpassa pela análise da incidência das condutas praticadas aos tipos penais definidos pela Lei n. 7.492/1986, o que configuraria crime contra o Sistema Financeiro Nacional, de interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, nos termos do art. 109, inciso I, da Constituição Federal.
De início, destaco o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a captação de recursos de particulares com promessas de rendimentos exorbitantes não consubstancia, por si só, crime contra o Sistema Financeiro Nacional, de competência da Justiça Federal.
Da mesma forma, não é considerado crime dessa natureza a operação de compra e venda de moedas virtuais, já que não se trata de ativos regulados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.
Nesse sentido:
"(...) 1. Na hipótese de caracterização de delito contra o Sistema Financeiro Nacional, é competente a Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição da Republica, c.c. o art. 26 da Lei n. 7.492/1986. No entanto, na espécie, a Justiça comum Federal, ao menos na presente fase processual, nem sequer vislumbra a existência de indícios da prática de delitos definidos na referida Lei.
2. Cabe, de início, à Justiça Comum Federal deliberar sobre o possível cometimento de crime que atraia sua competência. Em outras palavras, aprioristicamente é do Juízo Federal a atribuição de reconhecer a configuração, ou não, de infração penal que lesione bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Mutatis mutandis, nos termos do entendimento sedimentado na Súmula n. 150 desta Corte, '[c]ompete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas'.
3.'A atividade fraudulenta de captação e aplicação de recursos de particulares, com promessa de rendimentos superiores aos oferecidos pelas instituições financeiras legalizadas e atuantes no mercado, não consubstancia operação financeira, afetando, somente, o patrimônio das vítimas' 4. 'A captação de recursos decorrente de 'pirâmide financeira' não se enquadra no conceito de 'atividade financeira', para fins da incidência da Lei n. 7.492/1986, amoldando-se mais ao delito previsto no art. , IX, da Lei 1.521/1951 (crime contra a economia popular)' 5. A oferta de serviços de compra e venda exclusivamente de criptomoedas ou moedas virtuais não se insere na competência da Justiça Federal, por não se cuidarem de ativos regulados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliário"(CC XXXXX/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 19/4/2023)"(...) 2. 'A operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. , II, e 11, ambos da Lei n. 7.492/1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976' 3. Conforme jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, 'a captação de recursos decorrente de 'pirâmide financeira' não se enquadra no conceito de 'atividade financeira', para fins da incidência da Lei n. 7.492/1986, amoldando-se mais ao delito previsto no art. , IX, da Lei 1.521/1951 (crime contra a economia popular).
4. Na espécie, o Juízo Estadual suscitado discordou da capitulação jurídica de estelionato, mas deixou de verificar a prática, em tese, de crime contra a economia popular, cuja apuração compete à Justiça Estadual nos termos da Súmula 498 do Supremo Tribunal Federal - STF" (CC XXXXX/SP, Terceira Seção, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 16/6/2020) Na espécie, todavia, há peculiaridades que distanciam o caso concreto dos entendimentos acima demonstrados.
A atuação dos interessados no mercado financeiro, da forma como ocorreu, foi enquadrada pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM dentro do conceito legal de oferta irregular de valores mobiliários, com caracterização de contrato de investimento coletivo, o que culminou na proibição de as interessadas operarem no Brasil e na aplicação de multa administrativa pela referida autarquia (fls. 382-384).
As condutas apuradas, a princípio, se amoldam a uma atuação irregular como instituição financeira no mercado brasileiro, o que atrairia a competência da Justiça Federal.
A propósito:
1. A Terceira Seção firmou compreensão no sentido de que a oferta de serviços de compra e venda exclusivamente de criptomoedas ou moedas virtuais não se insere na competência da Justiça Federal, por não se cuidarem de ativos regulados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.
2. O caso dos autos, entretanto, possui nuances distintas, uma vez que a atividade exercida pelo investigado não se limitava à compra e venda de criptomoedas, mas incluía também atividades fiscalizadas pela União, tais como a operação de serviços de câmbio, bem assim a captação de recursos em moeda corrente com oferta de rendimentos.
3. Na situação concreta, eram ofertados à venda, por meio de página eletrônica na internet e em redes sociais, lotes de pedras preciosas, aos quais era atribuído um valor em dólares americanos (U$) e reais (R$), e que eram adquiridos pelo particular por meio de contrato de adesão e pagos em reais (R$), com a promessa de rendimentos em criptomoedas. Ao final do prazo contratado, haveria nova conversão em moeda corrente nacional (R$), espécie em que o adquirente receberia o valor investido e o respectivo lucro da aplicação financeira. Tal contexto configura a atuação irregular como instituição financeira, pela captação de recursos, em moeda nacional, com oferta de investimentos.
4. Caracterização da competência federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição da Republica, a qual se estende aos demais delitos conexos, nos termos da Súmula n. 122 do Superior Tribunal de Justiça. Precedente da Sexta Turma"(CC XXXXX/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 18/8/2022) Consta, ainda, sugestão de que as condutas praticadas incidem nas descrições delitivas previstas tanto no art. , inciso II, da Lei n. 7.492/1986, de competência da Justiça Federal, como no art. , inciso IX, da Lei n. 1.521/1951, cuja competência é da Justiça Estadual (fl. 391).
Assim, na pendência das investigações que envolvem - em tese -, também, crimes de competência federal, parece ser precoce afirmar, neste momento, que as condutas não se amoldam aos crimes contra o sistema financeiro nacional ou, ainda, que não é possível subsistir eventual conexão passível de aplicação da Súmula n. 1 22, STJ, em caso de serem apuradas mais de uma espécie delitiva.
A competência deve ser determinada, portanto, para a Justiça Federal. Ao fim das investigações, caso se conclua pela ausência de interesse jurídico que justifique a competência da Justiça Federal, os autos deverão, por certo, ser remetidos para a Justiça Estadual.
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, ora suscitado.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 06 de fevereiro de 2024.
Ministro Messod Azulay Neto
Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/2478364190/inteiro-teor-2478364198