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16 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Civil Pública • Violação aos Princípios Administrativos • XXXXX-85.2021.8.26.0053 • 16ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

16ª Vara da Fazenda Pública

Assuntos

Violação aos Princípios Administrativos

Juiz

Patricia Persicano Pires

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorManifestação do MP (pag 1739 - 1752).pdf
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Ação Civil Pública

Autos n. XXXXX-85.2021.8.26.0053 - 16a Vara da Fazenda Pública da Capital Demandantes: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES - ABRASEL NACIONAL e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES SECCIONAL SÃO PAULO - ABRASEL SP

Demandados: ESTADO DE SÃO PAULO e outros

MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA

Trata-se de ação civil pública ajuizada pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES - ABRASEL NACIONAL em litisconsórcio com a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES SECCIONAL SÃO PAULO - ABRASEL SP em face do ESTADO DE SÃO PAULO e 23 Municípios paulistas, visando o reconhecimento do direito de seus bares e restaurantes associados a serem indenizados pelos prejuízos materiais experimentados em razão das determinações estaduais e municipais de fechamento, tendo em vista o avanço da pandemia do novo coronavírus (COVID- 19).

1 - RELATÓRIO

Segundo a petição inicial, no ano de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia mundial ocasionada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Em razão do entendimento adotado por autoridades governamentais no sentido de se efetivar o isolamento social com o objetivo de se conter a propagação da doença, foram editados diversos atos normativos por Estados e Municípios impondo medidas restritivas, dentre as quais, a determinação do fechamento das atividades empresariais que não fossem consideradas essenciais, o que implicou na paralisação de funcionamento de bares e restaurantes, ramo de atuação dos associados das entidades autoras.

Destacaram as entidades associativas que as restrições relativas ao funcionamento de bares e restaurantes através de decretos editados pelo ESTADO DE SÃO PAULO e por diversos Municípios paulistas acarretaram aos seus associados enormes prejuízos financeiros, razão pela qual devem ser ressarcidos. Em reforço, acrescentaram que, no Estado de São Paulo, "foi noticiado pelo Portal G1 (25/04/2021 07h00) que cerca de 12 (doze) mil bares e restaurantes foram à bancarrota. Em todo o Estado, das 250 (duzentas e cinquenta) mil empresas do setor, 50 (cinquenta) mil deixaram de existir durante a pandemia e 400 (quatrocentos) mil funcionários perderam seus postos de trabalho no mesmo período".

Para tanto, pleitearam a condenação dos entes federativos demandados com esteio na responsabilidade objetiva estatal por ato lícito, na medida em que as condutas comissivas praticadas estariam consubstanciadas na edição dos decretos que determinaram a restrição ao exercício das atividades dos bares e restaurantes, causando, assim, grande prejuízo material. Desse modo, haveria nexo causal entre o dano e a conduta estatal, mesmo que lícita, resultando no dever de indenizar.

Demais disso, com o escopo de corroborar sua pretensão, invocaram precedente oriundo do julgamento do RE XXXXX/DF pelo C. Supremo Tribunal Federal, que, segundo as entidades demandantes, entendeu pelo dever estatal de indenizar prejuízo causado à empresa privada, concessionária de serviço público (VARIG), pela implementação de política econômica (congelamento de preços - ‘‘Plano Cruzado’’), sob os seguintes prismas: i) inexistência de discussão acerca da licitude ou ilicitude do ato estatal que foi veiculado através de ato normativo e ii) violação ao princípio da proporcionalidade, isto é, os efeitos da conduta estatal, apesar de direcionada a toda a sociedade brasileira, atingiram de maneira desproporcional e específica determinados seguimentos.

Sustentaram, também, a aplicação do princípio da solidariedade, a exemplo do DPVAT, sendo viável que se busque, junto à coletividade, reparação pelos prejuízos sofridos pelos representados, em extensão maior e mais severa do que os demais membros da sociedade. Por fim, aduziram a suposta ilegalidade dos decretos editados pelo ESTADO DE SÃO PAULO e pelos Municípios demandados, sob o argumento de que a Lei Federal

n. 13.979/2020, - que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus -, em seu art. 3º, § 1º, estabeleceu que a adoção de medidas restritivas somente poderiam ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deveriam ser limitadas no tempo e no espaço, exigências que, supostamente, não foram atendidas pelos decretos editados, tornando-os ilegais por ausência de motivação. Mencionaram, ainda, o teor do decidido pelo C. STF no julgamento da ADI n. 6341.

Por essas razões, pugnaram pela total procedência dos pedidos formulados, com a consequente condenação dos entes demandados a indenizarem os bares e restaurantes associados pelos prejuízos materiais sofridos em razão da edição de decretos que ensejaram a paralisação, suspensão e/ou restrição de suas atividades, com valores a serem liquidados individualmente em fase posterior.

Por meio da decisão de fl. 587, foi determinada a citação dos entes demandados e a intervenção obrigatória do MINISTÉRIO PÚBLICO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO se manifestou a fls. 642/647 e apontou a falta de autorização expressa dos associados que a associação autora supostamente representa. Salientou que a ação também deveria ter sido proposta em face da União Federal. No mérito, pugnou pela improcedência da ação, porquanto a pandemia do novo coronavírus (causa ensejadora dos danos aduzidos pela parte autora) não foi provocada pelos governos estaduais ou municipais ou mesmo pela União.

O MUNICÍPIO DE SANTOS apresentou contestação a fls. 699/700. Preliminarmente, aduziu a ausência de interesse processual, visto que os atos normativos municipais, ao condicionarem o funcionamento dos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços com fulcro no estado de emergência estabelecido pelo Plano São Paulo, não se eivou de qualquer nulidade ou lesividade. No mérito, a MUNICIPALIDADE DE SANTOS sustentou que a narrativa contida na exordial é insuficiente a demonstrar que a norma de caráter genérico tenha imposto maior ônus sobre os associados da parte autora do que o que restou efetivamente suportado por toda a sociedade, não havendo, por essa razão, clara demonstração do nexo de causalidade em relação aos danos apontados pela exordial. Ademais, sustentou que os atos administrativos realizados em meio a pandemia do coronavírus (COVID-19) estavam intrinsecamente lastreados no princípio da supremacia do interesse público face ao interesse particular. Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE CAMPO LIMPO PAULISTA se manifestou e apresentou contestação a fls. 701/716, na qual sustentou, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da associação, considerando não ter sido juntado qualquer documento com a autorização expressa dos associados. No mais, pontuou sua ilegitimidade passiva, visto que o suposto ato normativo estatal ensejador dos danos aduzidos foi editado pela União, e não pelo Município. Quanto ao mérito, a MUNICIPALIDADE DE CAMPO LIMPO PAULISTA argumentou a ausência de preenchimento dos pressupostos legais para configurar a responsabilidade civil objetiva, haja vista a não demonstração do nexo de causalidade entre a conduta estatal e os danos alegados. Também sustentou a excludente de responsabilidade civil do Estado em razão do caso fortuito ou de força maior ocasionada pela pandemia de coronavírus (COVID-19). Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE OSASCO se manifestou e apresentou contestação a fls. 717/729. Sustentou, preliminarmente, a ilegitimidade ativa da associação, mais uma vez considerando a ausência de juntada de autorização expressa dos associados. No mérito, salientou que não foram demonstrados os requisitos legais para efeito de responsabilização objetiva do Estado, a saber, a conduta do agente, o dano e o nexo de causalidade. Ademais, pontuou a legalidade do ato administrativo, visto que não se pode considerar ato ilícito, ou conduta indevida dos agentes públicos, os atos dos Poderes Públicos que objetivaram a contenção da pandemia, a proteção da saúde pública e de toda a população. Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO se manifestou e apresentou contestação a fls. 730/734. Preliminarmente, defendeu que a "autora é carecedora de interesse processual para propor a presente demanda em face dos Municípios, pois a pretensão de direito material colide frontalmente com as disposições do artigo da Lei 13.979/2020" . Quanto ao mérito, sustentou que não há falar em responsabilidade objetiva, uma vez que a restrição das atividades econômicas não se deu por conta de fato do príncipe para atender interesse público secundário, mas sim por motivo de força maior que obrigou o Poder Público Municipal a exercer o poder de polícia sanitária, visando assegurar o interesse público primário, de modo a resguardar a saúde e a vida da população, sendo que, por essa razão, não subsiste o dever de indenizar por parte dos Municípios. Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ apresentou contestação a fls. 782/800. Como preliminar, apontou a falta de interesse processual pelas demandantes, visto não ser os bares e restaurantes segmentos essenciais à coletividade. Por essa razão, foram acertadas as restrições impostas pelo Poder Público, a fim de conter e eliminar o contágio da covid-19. Além disso, pontuou a ilegitimidade ativa, considerando a ausência de autorização expressa dos associados. No mérito, a MUNICIPALIDADE DE SANTO ANDRÉ salientou que todas as medidas administrativas visavam a segurança sanitária, considerando que os hospitais mantinham alto índice de ocupação e a contaminação seguia em ritmo acelerado. Além disso, apontou que aos bares e restaurantes sempre foi assegurado o exercício de suas atividades pelo sistema "delivery" e "drive thru", o que afasta a alegação de que estavam impedidas de exercer o comércio, não havendo, por essa razão, qualquer fundamento a lastrear o dever de indenizar por parte dos entes federativos. Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE BARUERI se manifestou e apresentou contestação a fls. 801/807. Preliminarmente, aduziu a ilegitimidade ativa das associações. Quanto ao mérito, afirmou que não restou comprovada a existência dos três requisitos essenciais à configuração da responsabilidade objetiva do Estado, a saber: a conduta, o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo autor e a ação perpetrada pelo agente público e o dano em si. Por esse motivo, não há qualquer dever de indenizar por parte dos entes federativos. Ao fim, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE RIBEIRÃO PIRES apresentou contestação a fls. 808/829. Sustentou que não existe responsabilidade civil do Estado pelas restrições impostas em razão da pandemia do coronavírus, visto que eram medidas adequadas e necessárias ao seu combate. Outrossim, pontuou que "as medidas estratégicas de combate à pandemia foram (e ainda estão sendo) adotadas em conformidade com as evidências científicas e informações estratégicas em saúde sendo que no Estado de São Paulo tem voz o chamado Centro de Contingência do Coronavírus, que é composto por pesquisadores, epidemiologistas, infectologistas e clínicos de reconhecida capacidade e notório saber técnico-científico, com atribuição de auxiliar no monitoramento e planejamento de ações contra a propagação do novo coronavírus - sempre com base nos indicadores epidemiológicos." Em sequência frisou que: "em matéria de proteção e defesa da saúde, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em seus âmbitos de competência, podem editar normas que suplementem a regra geral editada pela União Federal (na extensão dos seus interesses regionais e locais), desde que não a contrariem" . Assim, defendeu que o Município era e é competente para legislar sobre saúde pública. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE GUARULHOS ofertou contestação a fls. 847/854. A título preliminar, aduziu a falta de interesse processual das demandantes, haja vista que o objetivo da demanda não é obter recursos para fomentar e desenvolver as atividades exercidas pelos associados, mas sim minimizar os prejuízos materiais de cada um deles. Quanto ao mérito, sustentou que, como os bares e restaurantes não são contemplados como segmentos essenciais à coletividade, as restrições que lhes foram impostas pelo Poder Público para limitar o contágio da covid-19 são exigíveis a bem da coletividade. Alegou ainda que, no caso da pandemia de coronavírus (COVID-19), a restrição de atividades econômicas não se deu por conta de fato do príncipe para atender interesse público secundário, mas por motivo de força maior que obrigou o Poder Público Municipal a exercer o poder de polícia sanitária visando assegurar o interesse público primário e, assim, resguardar a saúde e a vida da população. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE COTIA se manifestou e apresentou contestação a fls. 877/885 na qual asseverou que, considerando a competência constitucionalmente atribuída aos Municípios, a atuação do poder executivo municipal por meio da edição de decretos acerca das medidas e restrições necessárias ao combate à pandemia no âmbito de seu território é plenamente legítima, inexistindo qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade. Outrossim, argumentou que os decretos expedidos pelo poder municipal para interrupção das atividades econômicas visaram tão somente resguardar a vida e a saúde da população, em virtude de força maior (pandemia de coronavírus), afastando-se, assim, a responsabilidade civil estatal. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE ARUJÁ se manifestou e apresentou contestação a fls. 886/897. Preliminarmente, apontou a ilegitimidade ativa ante a falta de autorização expressa dos associados. No mérito, pugnou pela impossibilidade de imputação de qualquer responsabilidade ao Município, visto que o ente, no uso de sua competência constitucionalmente assegurada, editou decretos com o fito de conter o avanço da contaminação da COVID-19, os quais previram medidas de restrição de atividades durante a pandemia. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O ESTADO DE SÃO PAULO ofertou contestação a fls. 898/931. A título preliminar, sustentou a inadequação da via eleita, visto que os interesses não são suficientemente homogêneos a justificar a propositura de ação civil pública. No mérito aduziu que, apesar dos decretos municipais e estaduais que restringiram as atividades dos serviços não essenciais, em nenhum momento ao longo da pandemia, em qualquer das fases do Plano São Paulo, impediu-se o funcionamento de bares e restaurantes pelo sistema "delivery" e "drive-thru". Ademais, ressaltou que, no período de 7 de agosto de 2020 a 15 de janeiro de 2021, grande parte do Estado permaneceu nas fases amarela e verde, o que viabilizava o consumo local em bares e restaurantes. Ademais, sustentou a ausência de responsabilidade civil por ato lícito do Poder Público, uma vez que inexiste dano específico sofrido pelos demandantes. Aliás, defendeu que todos os atos administrativos estavam devidamente motivados em evidências científicas, inexistindo, por essa razão, qualquer ilicitude. Ao final, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE MOGI DAS CRUZES se manifestou e apresentou contestação a fls. 1.059/1.069. Também preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa ante a falta de autorização expressa dos associados. No mérito, ressaltou que as autoras não juntaram qualquer decreto expedido pelo Município de Mogi das Cruzes com a petição inicial. Ademais, salientou que, no enfrentamento da COVID-19, deve prevalecer o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular, já que a preservação da vida humana e da saúde pública devem preponderar sobre os interesses econômicos das autoras e seus associados, de modo que não restam configurados os pressupostos aptos a ensejar a responsabilização do Poder Público. Ao final, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE VARGEM GRANDE PAULISTA ofertou contestação a fls. 1.089/1.096. A ilegitimidade ativa das associações autoras por falta de autorização expressa também foi suscitada. No mérito, argumentou que os decretos expedidos tinham o escopo de preservar o interesse público que, por sua vez, sempre prevalece sobre o interesse individual. Dessa forma, a proibição de funcionamento de bares e restaurantes objetivava evitar aglomerações e a propagação do vírus, em virtude da preservação da saúde e vida dos munícipes, não havendo, por esse motivo, responsabilidade civil estatal. Afinal, o princípio da livre iniciativa não pode se sobrepor à inviolabilidade do direito à vida. Por último, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE DIADEMA se manifestou e apresentou contestação a fls. 1.099/1.106. Como preliminar, apontou a ilegitimidade ativa ad causam . No mérito, suscitou a legalidade do Decreto municipal 7.733, de 8 de maio de 2020, tendo em vista ser questão de saúde pública. Ressaltou que o dever de a Administração, ao se deparar com uma situação de calamidade pública, é agir para salvaguarda dos interesses coletivos. Logo, ao surgir o confronto entre os interesses público e privado, emerge a necessidade de imposição de restrições a eventuais direitos dos indivíduos, sendo que o Poder Público, ao restringir interesses individuais em proteção aos interesses da coletividade, atua no exercício do chamado poder de polícia. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

A MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO ofertou contestação a fls. 1.107/1.127. Arguiu igualmente a ilegitimidade ativa das associações, visto ausência de documento que demonstre a autorização expressa dos representados para o ajuizamento da demanda. Defendeu ainda a sua ilegitimidade passiva, por não o ente federativo causador do dano, uma vez que o Município de São Paulo somente seguiu as diretrizes impostas pelas normas gerais da União e pelas normas específicas do Estado de São Paulo. No mérito, ponderou ser inegável que todas as decisões do governo municipal foram pautadas por estudos médicos, sanitários e estatísticos, além de observância das diretrizes estabelecidas pelo Governo Estadual, tendo como norte a preservação do direito à vida e à saúde, cláusula pétrea prevista no art. , caput , da Carta Magna. Aduziu que a Municipalidade não poderia prever ou sequer evitar a ocorrência da pandemia e a consequente necessidade de adoção de medidas sanitárias, pois não havia como impedir o evento ou afastar suas consequências nefastas. Assim, salientou que o dano, portanto, não foi injusto, nem evitável, pois atingiu a todos os administrados indistintamente e não proveio de culpa do Poder Público. Em derradeiro, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DE TABOÃO DA SERRA se manifestou e apresentou contestação a fls. 1.128/1.150. Afirmou que a edição dos decretos se deu em virtude do interesse público, tendo o administrador agido em cumprimento às suas competências constitucionais, buscando a preservação da vida. Aliás, sustentou que não merece guarida a pretensão das demandantes em virtude da inexistência dos pressupostos para a configuração da responsabilidade civil: o nexo de causalidade e a demonstração do dano efetivo. Por essas razões, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

O MUNICÍPIO DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE ITU se manifestou e apresentou contestação a fls. 1.152/1.159. Também ventilou a ilegitimidade ativa das associações ante a falta de autorização expressa dos representados. Quanto ao mérito, consignou que, no caso em tela, não há prova de que o ente municipal contribuiu ou se omitiu de forma a causar os eventuais prejuízos e danos alegados. Afirmou que houve a evidente necessidade de cunho emergencial e urgente de se tomar medidas de enfrentamento à contaminação do coronavírus, haja vista a crise sanitária sem precedentes causada pela pandemia que se alastrou por todo o mundo e, portanto, não deve o Município responder. Ao final, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou, em caso de análise meritória, a total improcedência da demanda.

Por meio do despacho de fl. 1.161, foi determinada às autoras a emenda da petição inicial, conforme requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, bem como a apresentação de réplica às contestações, com posterior abertura de ‘‘vista’’ ao Parquet .

A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES - ABRASEL NACIONAL e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES - SECCIONAL SÃO PAULO apresentaram réplica a fls. 1.231/1.236 e, em breve síntese, sustentaram que: (i) a indicação específica dos decretos na petição inicial, ou mesmo a sua juntada, não diz respeito à delimitação da causa de pedir, mas à prova dos atos; (ii) os direitos dos requerentes são individuais homogêneos, logo, direitos coletivos passíveis de serem pleiteados por intermédio de ação civil pública; (iii) os decretos de suspensão de atividades empresarias, apesar de terem como principal objetivo o controle à propagação do vírus, tiveram como principais consequências danos direitos à ordem econômica; (iv) as partes autoras estão legitimadas para figurar no polo ativo da presente demanda, eis que visam à defesa dos direitos individuais homogêneos dos associados da ABRASEL; (v) a legitimidade passiva dos demandados é válida, visto que as pretensões autorais visam comprovar a responsabilidade dos entes públicos de forma genérica, o que importa em litisconsórcio passivo necessário; (vi) incide, in casu , o princípio da solidariedade, considerando que os bares e restaurantes sustentaram um ônus maior que o resto da sociedade, devido às restrições sanitárias de combate ao

COVID-19; e (vii) os decretos impugnados não foram lastreados em dados e evidências científicas, motivo pelo qual emerge o dever de indenização pelos entes públicos.

O Parquet ofertou parecer a fls. 1.241/1.253 e requereu que: A) fosse a presente demanda extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de processo civil, considerando a ilegitimidade ativa das associações autoras, e B) subsidiariamente, fossem os pedidos autorais julgados totalmente improcedentes, consoante a teoria do risco administrativo adotada para fins de responsabilidade civil estatal, figurando a pandemia de COVID-19 como excludente de força maior.

Pela decisão de fl. 1.254 foi reconhecida a conexão dos autos

n. XXXXX-82.2021.8.26.0053 com a presente ação. Ato contínuo, pela decisão de fls. 1.285/1.287 foi determinada à ABRASEL ALTA MOGIANA a juntada de autorização expressa de seus associados ou de ata assemblear, sob pena de reconhecimento da ilegitimidade passiva. Contudo, a associação não atendeu à intimação judicial.

O MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA ofertou contestação a fls. 1.375/1.385.

A fls. 1.391/1.402 foi proferida sentença, que reconheceu a ilegitimidade ativa da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES REGIONAL EM ALTA MOGIANA e da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES SECCIONAL SÃO PAULO - ABRASEL SP. Ainda, julgou improcedentes os pedidos formulados pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES - ABRASEL NACIONAL.

A ABRASEL NACIONAL opôs embargos de declaração a fls. 1.475/1.481, os quais foram rejeitados pela decisão de fl. 1.482, considerando o manifesto caráter infringente.

A ABRASEL NACIONAL interpôs recurso de apelação a fls. 1.556/1.585. Alegou, inicialmente, a nulidade da decisão que rejeitou os embargos de declaração. No mérito, reiterou os argumentos de que não haveria estudos e evidências científicas a embasar as medidas de isolamento adotadas durante a pandemia do novo coronavírus - COVID-19, o que implicaria ausência de motivação dos atos administrativos. Estariam então presentes os elementos ensejadores da responsabilidade civil do Estado, ainda que se trate de ato lícito. Invocou, novamente, o princípio da "solidariedade" para justificar o pagamento de indenização aos bares e restaurantes afetados. Prequestionou os dispositivos legais e requereu o provimento da apelação.

O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ofertou contrarrazões de apelação a fls. 1.618/1.640. Como preliminares, sustentou a ausência de legitimidade ativa da associação, por falta de autorização específica e expressa dos associados, bem como a ilegitimidade passiva da MUNICIPALIDADE. No mérito, defendeu a prevalência dos direitos à vida e à saúde e que as medidas adotadas pelos entes públicos tiveram por base estudos médicos, sanitários e estatísticos, além de observar a normativa federal e estadual. Por fim, consignou configurar a pandemia de COVID-19 verdadeira excludente de força maior e que não haveria provas concretas dos supostos danos.

É o relatório.

2 - MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL

O recurso de apelação não deve ser conhecido, ante a ilegitimidade ativa das associações autoras. No mérito, merece improvimento.

2.1 - Não conhecimento do recurso de apelação

O recurso de apelação é tempestivo e cabível, não sendo as custas recursais recolhidas com fulcro no art. 18 da Lei n. 7.347/1985.

Porém, entende-se que, salvo melhor juízo, assim como a ABRASEL NACIONAL não possuía legitimidade para o ajuizamento da ação civil pública, igualmente não detém legitimidade recursal.

Com efeito, a ABRASEL NACIONAL não colacionou aos autos listagem com a autorização expressa de seus associados, devidamente assinada, para a propositura da ação coletiva. Apenas se limitou a juntar extensa lista dos bares e restaurantes que são a ela associados em todo o País, sem qualquer tipo de assinatura por parte de seus representantes legais, como se vê a fls. 90/357. A mesma situação se verificou em relação à listagem acostada pela ABRASEL - SECCIONAL SÃO PAULO (fls. 395/419).

Por óbvio, tais listas não atendem minimamente aos requisitos legais e jurisprudenciais para comprovação da legitimidade ativa por associações em ações coletivas. Vale dizer: não basta que a associação imprima uma lista com o nome de todos os seus associados. É preciso que os associados autorizem expressamente o ajuizamento da ação coletiva em seus nomes, com a aposição de suas assinaturas, seja através da realização de assembleia geral, seja mediante a coleta individual da autorização.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Tema 82 da repercussão geral, já assentou o entendimento de que a previsão estatutária genérica não legitima a atuação, em juízo, de associações na defesa de direitos e interesses dos filiados, sendo imprescindível a autorização expressa :

‘‘ Tema n. 82: I - A previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia , nos termos do artigo , inciso XXI, da Constituição Federal; II - As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, são definidas pela representação no processo de conhecimento, limitada a execução aos associados apontados na inicial"1 . Logo, não tendo a ABRASEL NACIONAL promovido a

juntada da autorização específica e expressa de seus associados, é certo que não possui legitimidade para figurar como autora da ação coletiva e mesmo como recorrente, não devendo haver o conhecimento do recurso de apelação interposto.

2.2 - Não provimento do recurso

Caso o recurso de apelação venha a ser conhecido, impõe- se, no mérito, o seu improvimento.

De fato, foi apontado pelas próprias associações que o ordenamento jurídico brasileiro adotou, para fins de caracterização da responsabilidade civil do Estado, a teoria do risco administrativo (fl. 20), e não a teoria do risco integral.

A teoria do risco integral propõe o dever ao Estado de indenizar mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Ou seja, não admite excludentes da responsabilidade civil estatal. No entanto, a teoria do risco integral apenas se aplica em hipóteses excepcionais e restritas, como nos casos de dano nuclear ou dano ambiental.

A regra geral, como no presente caso, é a aplicação da teoria do risco administrativo que, por sua vez, estipula que o Estado será civilmente responsabilizado quando causar danos a terceiros, independentemente de culpa, desde que não se verifique a existência de excludentes do nexo de causalidade, como o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima. Assim leciona RUI STOCCO:

"Mas esclareça-se que se adotou apenas a teoria do risco moderado ou mitigado e não do risco integral, que não admite qualquer causa de exclusão da responsabilidade. Cabe esclarecer, entretanto, que como exceção e em hipóteses pontuais expressamente previstas em lei, pode-se identificar a adoção da teoria do risco integral na responsabilidade por danos nucleares ( CF 88, art. 21, XXIII, d) e por danos causados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público (Lei 10.755, de 09.10.2003). Nesses casos ademais de inexigir-se o elemento culpa, dispensa-se até mesmo o nexo causal, inadmitidas quaisquer causas excludentes da responsabilidade. Bastam apenas o fato material e o dano correspondente"2 (g.n).

A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal compreende que a teoria adotada por nosso ordenamento jurídico, como regra, foi a do risco administrativo, que permite que o Estado evidencie, em sua defesa, a presença de causa excludente da responsabilidade ( RE XXXXX/RJ, AgR no AI XXXXX/GO e AgR no AI XXXXX/DF).

Por conseguinte , é evidente que as medidas de restrição de funcionamento de bares e restaurantes impostas pelo ESTADO DE SÃO PAULO e seus MUNICÍPIOS tiveram como agente causador a eclosão da pandemia de COVID-19, que se configura como uma situação de força maior , excludente da responsabilidade civil estatal no âmbito da teoria do risco administrativo. Em resumo, presente a excludente da força maior, não há nexo de causalidade entre a conduta estatal e os supostos danos sofridos por bares e restaurantes em virtude da quarentena e isolamento decretados.

Outrossim, é fato notório que as medidas de restrição de circulação de pessoas e de funcionamento de estabelecimentos comerciais não listados como serviços essenciais tiveram por objetivo conter o avanço do coronavírus e preservar a vida humana e a saúde da população, sobretudo diante de um sistema de saúde, à época, em risco de colapso. As providências atenderam plenamente o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Reitera-se, portanto, o entendimento ministerial de que, juridicamente, não há qualquer fundamento válido a justificar a condenação dos entes federativos a indenizar os prejuízos materiais sofridos por bares e restaurantes em razão da pandemia de COVID-19. Caso este setor econômico considere viável, poderá pleitear eventuais auxílios governamentais pela via política , junto aos órgãos executivos e legislativos competentes, e não através do Poder Judiciário.

3 - CONCLUSÃO

Isto posto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

A) o não conhecimento do recurso de apelação, por

ausência de legitimidade recursal.

B) no mérito, o seu improvimento, mantendo-se a r.

sentença em todos os seus termos.

São Paulo, 5 de abril de 2022.

SILVIO ANTONIO MARQUES Promotor de Justiça

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