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26 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Civil Pública • XXXXX-43.2021.8.26.0185 • 1ª Vara do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Vara

Assunto

Violação aos Princípios Administrativos

Juiz

Mateus Lucatto De Campos

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_ACP_10007464320218260185_3fb13.pdf
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA de Estrela D'Oeste Foro de Estrela D'Oeste 1ª Vara Rua Minas Gerais, s/n, Estrela D'oeste - SP - cep XXXXX-000 Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min XXXXX-43.2021.8.26.0185 - lauda SENTENÇA Processo Digital nº: XXXXX-43.2021.8.26.0185 Classe - Assunto Ação Civil Pública - Violação aos Princípios Administrativos Requerente: Justiça Pública Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DAS DUAS PONTES Tramitação prioritária Juiz (a) de Direito: Dr (a). Mateus Lucatto De Campos Vistos. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO propôs "AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONDENATÓRIA" em face do MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DAS DUAS PONTES/SP, ambos qualificados. Em suma, argumenta que, contrariando recomendação administrativa que lhe fora enviada pelo Ministério Público e com rejeição de veto empreendido pelo chefe do Poder Executivo, a Câmara Municipal de São João das Duas Pontes aprovou, em sessão ordinária de 19/10/2020, o projeto de lei número 28/2020 e o projeto de resolução legislativa número 07/2020, aumentando abusivamente os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores do Município, com produção de efeitos a partir de 1º de Janeiro de 2021, conforme texto final de lei municipal 2011/2020. Aponta, então, o d. representante do parquet pela violação das Constituições Federal e Estadual, lei orgânica do município e lei complementar 173/2020, pugnando liminarmente pela imposição de abstenção de aplicação da referida lei e, ao final, condenação do município à não aplicação do aumento sob pena de multa. Juntou documentos (fls. 09/210). Liminar deferida para suspensão do pagamento dos novos valores de subsídios com base na lei municipal 2.011/2020 e resolução legislativa 07/2020, com retorno aos patamares anteriores (fls. 206/210). Citado, o município e intimada a Câmara na pessoa de seus representantes (fls. 227/228). O município de São João das Duas Pontes apresentou contestação (fls. 235/263) e juntou documentos (fls. 264/321), alegando, em síntese: preliminarmente, inadequação da via eleita; incompetência do juízo de 1ª instância; ilegitimidade ativa; indevida intervenção do Judiciário; no mérito, pela constitucionalidade da lei. Manifestação do Ministério Público (fls. 327/327). É o relato. Fundamento e decido. Preliminarmente, cabível ao caso o controle de legalidade (e não constitucionalidade), afinal a lei orgânica do município não é parâmetro para controle abstrato de constitucionalidade, razão pela qual o debate, nesse tópico, deve permanecer mesmo no Judiciário de primeiro grau, segundo já assentado pelo E. TJSP: "Verificação da constitucionalidade de leis e atos normativos é realizado em face da Constituição Estadual. Inteligência dos artigos 125, § 2º, da Constituição Federal e artigos 74, inciso VI, e 90 da Constituição Estadual. Impossibilidade de contrastar a norma impugnada com artigos da Lei Orgânica do Município para fins de controle de constitucionalidade" (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade XXXXX-43.2021.8.26.0000; Relator (a): James Siano; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 26/01/2022; Data de Registro: 28/01/2022). Cito trecho do voto do mesmo acórdão: "Descabido se afigura sustentar nesta sede a violação da norma impugnada em contraste com determinados artigos da Lei Orgânica do Município, porquanto, insuscetíveis de manejo como parâmetro para o controle de constitucionalidade." No mesmo sentido, cito trechos de acórdão e outra ementa: "Inicialmente, saliente-se a impossibilidade de utilização de norma infraconstitucional, no caso o Código de Edificações do Município (Lei nº 636/90), como parâmetro de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato, porquanto, o artigo 125, § 2º, da Constituição da Republica Federativa do Brasil, prevê como padrão exclusivo a Constituição Estadual. (...) Na esteira desse entendimento, quanto ao prisma de apuração, a Corte Constitucional também já se posicionou pela vedação de se apreciar no processo objetivo de inconstitucionalidade indireta, tanto na modalidade reflexa ou oblíqua e consequente" (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade XXXXX-69.2021.8.26.0000; Relator (a): Figueiredo Gonçalves; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 01/12/2021; Data de Registro: 09/12/2021). "AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Ordinária nº 3.690/2015 e Lei Complementar nº 219/2015, do Município de Lorena - Controle de constitucionalidade invocado em face da Lei Orgânica Municipal – Inadmissibilidade - Inteligência dos artigos 125, § 2º, da Constituição Federal e 74, inc. XI, e 90 da Constituição Estadual, que preveem Exclusivamente a Constituição do Estado para contestação de leis ou atos normativos municipais - A lei orgânica não possui natureza constitucional, não servindo de parâmetro de controle de constitucionalidade, mas apenas de legalidade - Alegação de ofensa à Constituição Estadual que é meramente reflexa, por violação ao princípio da legalidade - Falta de interesse processual caracterizada - Ação direta de inconstitucionalidade não Conhecida - Petição inicial indeferida”. ( ADI nº XXXXX-69.2016.8.26.0000, Rel. Des. Moacir Peres, j. 07-03-16)". Ainda, o Ministério Público detém legitimidade para propositura da ação civil pública que vise a proteção do patrimônio público, na forma do art. 1º, inciso VIII e art. , inciso I, ambos da lei n. 7.347/85, notadamente considerando o relevante interesse social e a importância do bem jurídico tutelado. Vale dizer, a indisponibilidade do interesse público autoriza a iniciativa e intervenção do Ministério Público, havendo manifesto interesse social, cuja preservação aproveita a coletividade como um todo. Aliás, como já dito, e ao contrário do que sustenta o Município, não se trata de ação de controle abstrato de constitucionalidade, mas sim controle de legalidade e/ou, no máximo, controle concreto exercido pela via difusa. Por fim, o argumento da "separação de poderes", cf. art. 2º, da CF/88, não pode servir de subterfúgio para impedir a ação do Poder Judiciário contra flagrantes ilegalidades cometidas por outros poderes. Vale dizer, por óbvio não cabe ao Poder Judiciário substituir o legislador ou gestor no exercício de suas atribuições constitucionais típicas. Porém, é inegável que as escolhas e decisões feitas pelos representantes do povo não são absolutamente inquestionáveis, eis que ambos devem respeito à estrutura normativa arquitetada pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais, sendo que, em caso de inobservância de qualquer preceito impositivo (de ordem constitucional ou legal), não pode o Judiciário ser conivente e se abster de sua função precípua, que ao final é em resumo a solução dos conflitos, a gerar pacificação social e proteção de direitos fundamentais. Assim, rejeito as preliminares arguidas. No mais, o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, com fulcro no art. 355, inciso I do Código de Processo Civil. Não há necessidade da produção de outras provas que não as documentais, sendo que as alegações e provas já amealhadas aos autos são suficientes para elucidação do feito e formação da convicção. Passo ao mérito. O pedido inicial é PROCEDENTE. Em síntese, o Ministério Público local busca o reconhecimento da inconstitucionalidade e ilegalidade da lei n. 2011/2020 (fls. 146; decorrente do projeto de lei n. 28/2020) e resolução legislativa n. 07/2020 (fls. 147), que aumentou abusivamente os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores do Município, com produção de efeitos a partir de 1º de Janeiro de 2021. Aponta, então, o d. representante do parquet pela violação das Constituições Federal e Estadual, lei orgânica do município e lei complementar 173/2020. Pois bem. A comunicação acerca do procedimento tendente ao aumento de salários foi providenciada pelo vereador José Carlos Baruci Júnior (fls. 18/21), anunciando que o pleito do grupo legislativo seria debatido em "regime de urgência" (fl. 18 e 23). Então, narrou que "em pouco mais de duas horas" foram redefinidos os valores de pagamento ao prefeito, vice e vereadores para a legislatura 2021/2024, com aumentos que em média suplantavam 50%. Apontou violações: à anterioridade prevista no Parágrafo Único do art. 35 da lei orgânica (remuneração fixada em "até seis meses antes das eleições municipais"); impedimento de uso de palavra e de "vista" durante sessão de votação (fl. 44); ausência de análise de viabilidade orçamentária; e imoralidade face aos transtornos ensejados pela pandemia. Anoto ainda que a comunicação encetada pelo mencionado vereador versava sobre o projeto de lei n. 12/2020 e projeto de resolução n. 01/2020 (cf. fls. 22), que fora aprovado na sessão ordinária realizada no dia 22/04/2020 (fls. 44ss). Às fls. 49/50 há informação de que referidos projetos foram vetados pelo prefeito à época, sendo formulados novos projetos de lei e resolução – números 16/2020 e 05/2020. Em 23/06/2020 foi expedida "recomendação administrativa" pelo Ministério Público local, solicitando a tomada de diversas providências para obstar a implementação dos aumentos. A Câmara Municipal de São João das Duas Pontes/SP, através de seu presidente, solicitou então sucessivas dilações de prazo para resposta às recomendações (fls. 69; 76; e 84). Às fls. 87 e 96ss houve informação de apresentação de projeto de lei para reduzir os subsídios (projeto de lei n. 28/2020 e projeto de resolução n. 08/2020). Às fls. 123ss há "resposta" da Presidência do legislativo, informando que foram apresentadas "emendas" ao projeto de lei que inicialmente visava reduzir os subsídios, novamente majorando a contraprestação pecuniária, sendo ao fim aprovados desta maneira (com os mesmos valores outrora questionados). O referido projeto fora vetado pelo então Prefeito Municipal (razões às fls. 135ss), porém a Câmara de Vereadores derrubou o veto, sancionando e promulgando o aumento. Anote-se ainda que, de forma pouco proba e íntegra, em 06/10/2020 foi realizada alteração na Lei Orgânica do município de São João das Duas Pontes/SP, alterando-se o art. 35, Parágrafo Único, com a finalidade de retirar a exigência do prazo de 06 (seis) meses antes das eleições para alteração dos subsídios (fls. 391). Pois bem. Como se observa, entendemos patente o ilícito "abuso" no poder de legislar, sendo engendradas diversas "manobras" com o intento único e último de majorar substancialmente os subsídios dos agentes políticos. Vale dizer, a margem de normatividade a ser conformada pelo legislador deve ser feita com estrita observância aos limites constitucionais e legais (não é irrestrita), sob pena de violação aos princípios da legalidade, moralidade, supremacia do interesse público, entre outros, todos a ajustar o poder dos mandatários. Neste ponto, observa-se que os projetos iniciais já eram eivados de ilegalidades, pois não observavam o prazo de 06 (seis) meses antes das eleições para aumento da remuneração, previsto no art. 35, P.U., da lei orgânica municipal. Entretanto, após a "recomendação" enviada pelo Ministério Público local, os edis "ganharam tempo" (pedindo sucessivas dilações de prazo), para então alterar a lei orgânica e excluir a previsão legal do prazo de 06 (seis) meses antes das eleições e, por fim, reeditar uma lei com o mesmo conteúdo da lei já vigente, sem qualquer alteração substancial e mantendo o mesmo patamar de subsídios majorados, somente sendo editada após a "retirada" do prazo de 06 (seis) meses outrora exigidos pelo lei orgânica. Enfim, se havia uma barreira legal aos seus interesses, pura e simplesmente deliberaram por afastar a barreira legal, e então dar cabo de suas finalidades. Data maxima venia, nitidamente tal procedimento não se coaduna com o princípio do devido processo legal, seja em sua vertente formal (licitude e transparência no procedimento) ou substancial (razoabilidade do ato). Em argumentação ainda neste ponto (alteração de prazo de anterioridade que antes vedava o aumento, seguido de aumento), depreende-se que os vereadores encetaram proceder análogo ao trabalhado na tese da "dupla revisão", segundo a qual não é válido o "lícito" uso de regra formal para afastar impeditivo formal/material, para que em seguida se tome a atitude anteriormente vedada pela norma revogada. Trata-se, enfim, de nítida fraude à lei e aos interesses do povo (verdadeiros titulares do poder). Trago doutrina: "Por fim, vale insistir que a tese da chamada “dupla revisão”, por meio da qual altera-se a Constituição, no que protege direitos, em duas etapas, uma primeira respeitando todas as regras formais em vigor, abolindo o § 4º do art. 60, e uma segunda, já sem esse dispositivo, alterando-se e reduzindo-se direitos fundamentais, representa fraude à Constituição e, por isso mesmo, é absolutamente inconstitucional" (André Ramos Tavares - Curso de Direito Constitucional - 16ª edição - Saraiva – 2017; pg. 962). Em tempo, por meio da alteração de regra formal que antes impedia a majoração dos subsídios de forma oportuna (afinal, no período anterior aos 6 meses contados das eleições não há interesses eleitorais em debate, envolvendo potenciais candidatos, na mesma intensidade que há em períodos próximos), ensejou-se a oportunidade de, num segundo momento e já sem esse dispositivo, empreender alteração e majoração dos subsídios de forma exponencial (mais de 50%), o que, como dito, representa fraude e desvio do poder que lhes fora concedido. Enfim, ainda que modificada a lei orgânica, ela foi decisivamente violada, pois de início era freio aos intentos dos legisladores, e não deve ser convolada agora como meio para fim ilícito (intento original de aumentar subsídios em período proibido). Da mesma forma, a lei municipal e a resolução legislativa desrespeitaram também o disposto na lei complementar n. 173/2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavirus SARS-CoV-2 ("covid-19"), a qual, em seu art. , I, proibiu, até 31/12/2021, a qualquer título, a concessão de aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, incidindo órgão local em nova ilicitude. Vale dizer, novamente controle apenas de legalidade, e não de estrita constitucionalidade. Veja-se que o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a lei complementar n. 173/2020: (...) 6. A norma do art. da LC 173/2020 estabeleceu diversas proibições temporárias direcionadas a todos os entes públicos, em sua maioria ligadas diretamente ao aumento de despesas com pessoal. Nesse sentido, a norma impugnada traz medidas de contenção de gastos com funcionalismo, destinadas a impedir novos dispêndios, congelando-se o crescimento vegetativo dos existentes, permitindo, assim, o direcionamento de esforços para políticas públicas de enfrentamento da calamidade pública decorrente da pandemia da COVID-19. 7. Os arts. e da LC 173/2020 pretendem, a um só tempo, evitar que a irresponsabilidade fiscal do ente federativo, por incompetência ou populismo, seja sustentada e compensada pela União, em detrimento dos demais entes federativos. A previsão de contenção de gastos com o aumento de despesas obrigatórias com pessoal, principalmente no cenário de enfrentamento de uma pandemia, é absolutamente consentânea com as normas da Constituição Federal e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável. 8. As providências estabelecidas nos arts. e da LC 173/2020 versam sobre normas de direito financeiro, cujo objetivo é permitir que os entes federados empreguem esforços orçamentários para o enfrentamento da pandemia e impedir o aumento de despesas ao fim do mandato do gestor público, pelo que se mostra compatível com o art. 169 da Constituição Federal. Não há redução do valor da remuneração dos servidores públicos, uma vez que apenas proibiu-se, temporariamente, o aumento de despesas com pessoal para possibilitar que os entes federados enfrentem as crises decorrentes da pandemia de COVID-19, buscando sempre a manutenção do equilíbrio fiscal. (...) (STF – ADI 6442 – Tribunal Pleno – Relator (a): Min. Alexandre de Moraes – j. 15/03/2021). Ainda, e em fundamentação, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acolhe a "teoria da nulidade", segundo a qual uma norma inconstitucional é considerada ato nulo, ou seja, tem sua validade obstada ab initio, sendo, portanto, insuscetível de gerar efeitos válidos ou convalescer por qualquer circunstância: "nessa perspectiva, a inconstitucionalidade é vício insanável capaz de fulminar a norma desde a sua origem, tendo a decisão judicial natureza declaratória, ou seja, o órgão judicial apenas reconhece algo preexistente" (Novelino, 2020; p. 191). Na presente hipótese e adotadas as premissas, em atenção à teoria da nulidade, não há como acolher quaisquer das teses defensivas. Vale dizer, postergar os efeitos da majoração para após 31/12/2021 equivaleria a convalescer uma norma originariamente ilegal (pois violadora de lei complementar federal e lei orgânica municipal), sem amparo jurídico; afinal, por expressa disposição legal não poderia ser realizado o aumento naquele momento, sendo que a norma municipal é expressa a implementar o aumento a partir de janeiro/2021 (que só não foi feito em razão da decisão liminar concedida). Da mesma forma e em repetição, conquanto tenha sido "removida" a exigência da lei orgânica de que a fixação dos subsídios deveria ocorrer 06 (seis) meses antes da eleição, é certo que o aumento já havia sido implementado por lei anterior (quando vigente a referida "trava"), sendo então a mesma lei meramente reeditada. Vale dizer, trata-se da mesma lei que, como argumentado, não pode convalescer ante ao desvio de poder praticado com a "dupla revisão". Destarte, se decorre da Constituição Federal a legitimidade para que a Câmara Municipal edite os atos normativos mencionados, é também à Constituição Federal que as autoridades devem obediência ao exercer as competências que lhes foram outorgadas. Assim, embora ampla, a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional não é irrestrita, e deve obedecer à Constituição Federal e demais diplomas legislativos pertinentes (no caso a LC federal 173 e a lei orgânica do município). Ora, a possibilidade de legislar sobre matérias de interesse local deve se compatibilizar com a Constituição Federal (e seus princípios), legislação federal e com a própria lei orgânica do município, ante a estrutura hierarquizada estabelecida no nosso ordenamento. Na presente hipótese, o prazo de 06 (seis) meses antes das eleições para editar lei estabelecendo os subsídios tinha como nítida finalidade obstar que motivações eleitorais influíssem na atividade legislativa (interesses espúrios; análogo ao princípio da anualidade), sendo que a supressão de tal prazo não tem o condão de tornar válido o ato anterior que não era. Não basta mudar um nome ou número de lei para que um ato de inválido se torne válido. De mais a mais, por ter a norma disposta na lei orgânica íntima relação com o Direito Eleitoral, é óbvio que a sua mudança valeria, nos termos do art. 16, CF, apenas para a eleição municipal posterior, e não para àquela já prevista para o mesmo ano. Não fosse assim, em termos informais, bastaria "mudar as regras do jogo durante o próprio jogo" a fim de que alguém vença de forma a burlar o procedimento, no caso angariando apoio com aumento de salários de todo o funcionalismo municipal (que depende do aumento dos chefes de poder), de forma a influenciar possivelmente o pleito (fato nitidamente não desejado pelo legislador municipal). Da mesma forma, a chamada "lei do coronavírus" vedava qualquer espécie de aumento aos detentores de Poder, não havendo argumento razoável que permita considerar válida a exasperação encetada. Veja-se que, ao estabelecer um prazo certo e específico de vedação aos aumentos salariais, não era intenção do legislador afastar tão somente os efeitos de eventual incremento remuneratório. Não. Na verdade, nos parece claro que a mens legis foi a fixação de um prazo para reorganização das contas públicas (afetadas pelos dispêndios para combate a pandemia), para então, após a superação da situação de "crise", pudesse ser debatida e deliberada com tranquilidade os eventuais aumentos salariais. Aliás, vale consignar que o Órgão Especial do E. TJSP julgou improcedente ação direta de inconstitucionalidade ( ADI n. XXXXX-87.2020.8.26.0000; Rel. Claudio Godoy) que sustentava tese análoga à sustentada pela municipalidade, qual seja, que se poderia apenas suspender os efeitos financeiros de eventual pagamento para após o prazo previsto na lei complementar n. 173/2020. Naquela ação, buscava-se que permitir a contagem do tempo de serviço como "período aquisitivo" para fins de licença-prêmio, quinquênios e etc., retardando tão somente o seu pagamento para período posterior ao mencionado pela norma. Nas razões do acordão, cita-se precedente do C. STF ( Reclamação n. 48.178, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 05.07.2021), que assim menciona: "Ao determinar a contagem do tempo como de período aquisitivo, mas suspender o pagamento das vantagens e da fruição, o Tribunal de Justiça de São Paulo descumpriu as decisões deste Supremo Tribunal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 6.442, 6.447, 6.450 e 6.525 e no Recurso Extraordinário n. 1.311.742, Tema 1.137, nas quais reconhecida a constitucionalidade do art. da Lei Complementar n. 173/2020. A contagem do tempo é proibida para os fins que a lei complementar determina."Ve-se, portanto, que era imperativa a vedação aos aumentos remuneratórios, não apenas os"efeitos", sendo descabia qualquer interpretação que vise"contornar" o quando definido pela legislação. Por todas estas razões, ante a ilegalidade, há óbice instransponível ao pagamento na forma determinada pela novel legislação local. Em tempo, a se evitar argumento sobre omissão, entendemos que a moralidade nesse caso não pode servir como fundamento para afastar a aplicação da legislação local, sob pena de se convolar o controle de difuso em abstrato, afinal o foco é a lei em si. Com efeito, a fixação do valor dos subsídios é (embora limitada) prerrogativa da Câmara Municipal, cf. art. 29, V, da CF, sendo que o valor fixado não supera o teto de 20% do montante destinado aos Deputados Estaduais – art. 29, VI, a, da Constituição Federal. Ademais, não se nega direito inerente a todo o funcionalismo, em sentido lato (a abranger chefes de poder), de reajuste e aumento. Debate-se aqui a forma e a licitude desse aumento (perante lei federal e municipal), porquanto as leis devem ser obedecidas, sendo vedado que de uma prerrogativa se origine um abuso de direito. Neste ponto, dentro dos limites constitucionais e legais, entendemos que há espaço para que o legislativo delibere do modo como entender adequado, sujeitando-se à prestação de contas para o provo e para as autoridades de contas (como tribunal de contas). No entanto, repita-se, tais decisões devem sempre obedecer às leis, razão pela qual, conforme fundamentado, o pleito é procedente. DO DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, o que faço para, ratificando pleito liminar, CONDENAR o município de São João das Duas Pontes/SP a se abster de aplicar a lei municipal n. 2011/2020 e a resolução n. 07/2020, nos dispositivos em que majoram os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores do Município, retornando todos esses subsídios aos patamares antes fixados na lei n. 1900/2016, sob pena de multa e demais consequências legais. Sem custas e honorários (arts. 17 e 18 da lei n. 7.347/85). Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Oportunamente, arquive-se. Estrela D'oeste, 26 de março de 2022. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA
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