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16 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 6 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

11ª Câmara de Direito Privado

Publicação

Julgamento

Relator

Renato Rangel Desinano

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_APL_10012616920168260083_0acf8.pdf
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Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO

T TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2018.0000992419

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº XXXXX-69.2016.8.26.0083, da Comarca de Aguaí, em que é apelante INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS, são apelados CLAYTON TERÇARIOL SILVA, FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS e ERONILDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA.

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente) e MARINO NETO.

São Paulo, 14 de dezembro de 2018.

RENATO RANGEL DESINANO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

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Voto nº 23.701

Apelação nº XXXXX-69.2016.8.26.0083

Comarca: Aguaí - Vara Única

Apelante: Investcon Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios

Apelados: Clayton Terçariol Silva, Fenix Pack Industria e Comercio de

Embalagens Plasticas e Eronilda Braga Terçariol da Silva

Juiz (a) de 1ª Inst.: Graciella Lorenzo Salzman

EMBARGOS À EXECUÇÃO Nota promissória emitida como garantia de contrato de cessão de direitos creditórios Sentença que declarou a nulidade da nota promissória e extinguiu a execução Insurgência da embargada

Alegação de que não é sociedade que realiza operação de fomento mercantil, mas fundo de investimento em direitos creditórios, assim como de que a nota promissória é exigível porque estampa valor relativo a créditos inexistentes

Descabimento O exame do contrato celebrado entre as partes revela que a embargada realizou verdadeira operação de fomento mercantil, razão pela qual não possui direito de regresso contra o cedente do crédito, exceto em caso de inexistência do crédito Hipótese em que o contrato celebrado entre as partes prevê direito de regresso da embargada contra a cedente dos créditos não apenas em caso de inexistência, mas também em caso de insolvência dos devedores dos créditos cedidos Ademais, o instrumento, que é título executivo, não menciona a existência da nota promissória que lastreia a execução, restando configurada a existência de dupla garantia

Sentença mantida RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto em face de

sentença, cujo relatório se adota, que, em embargos à execução opostos

por FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS

PLASTICAS CLAYTON TERÇARIOL SILVA e EROINLDA BRAGA

TERÇARIOL DA SILVA contra INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO

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EM DIREITOS CREDITORIOS, julgou procedente o pedido formulado pelos embargantes, para extinguir o processo de execução (fls. 366/369).

Recorre o embargado. Afirma que é fundo de investimento em direitos creditórios, registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cuja atividade tem por objeto a captação de recursos para a aquisição de direitos creditórios. Aduz que, por meio de contrato firmado com os embargantes, adquiriu diversas duplicatas mercantis, via endosso translativo, tornando-se titular das cártulas. Destaca que a atividade desenvolvida por um fundo de investimento não se confunde com a atividade desenvolvida por empresa de factoring. Acrescenta que o faturizador não tem direito de regresso contra o faturizador, ao passo que o fundo de investimentos pode, com amparo no artigo 296 do Código Civil e no direito cambiário, exigir do cedente a responsabilidade pela insolvência do devedor, desde que haja cláusula contratual nesse sentido. Salienta que a cláusula 11.1 do contrato entabulado com os embargantes contém tal previsão. Argumenta que o sacado de dois dos títulos a ele cedidos comprovou a devolução das mercadorias, ao passo que o sacado de outros 4 títulos se opôs ao pagamento por não ter sido devidamente comunicado da cessão, além de não ter sido apresentado o comprovante de entrega das mercadorias. Ressalta que sua pretensão está amparada em título líquido, certo e exigível, sendo certo que os embargantes se obrigaram por meio de cláusula pro solvendo, bem como pela existência dos créditos cedidos. Menciona, ainda, que a emissão da nota promissória e do contrato de cessão de crédito revela que os embargantes não desejavam se eximir da responsabilidade perante o embargado. Por fim, pleiteia a redução da verba honorária sucumbencial arbitrada pelo juízo singular.

Recurso recebido e contrariado (fls. 180/189).

É o relatório.

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PASSO A VOTAR.

Segundo consta dos autos, INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS CLAYTON TERÇARIOL SILVA e EROINLDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA, buscando a satisfação de crédito no valor de R$ 94.283,31, lastreado em nota promissória.

Os executados opuseram embargos à execução. Aduziram que a embargada não é instituição financeira, de modo que não pode oferecer no mercado o serviço de compra de direitos creditórios por cessão de títulos. Defenderam que o contrato celebrado entre as partes tem natureza de contrato de factoring, bastando verificar que o valor cobrado pelo desconto supera 10% do valor dos títulos, o que caracteriza agiotagem, razão pela qual é inexigível a nota promissória que lastreia a pretensão da exequente. Alegaram que, no contrato de factoring, a aquisição do crédito é precedida do exame de solvabilidade do real devedor, assumindo o cessionário os riscos do negócio, razão pela qual não possui direito de regresso contra o cedente. Argumentaram que adotar entendimento diferente ensejaria a descaracterização do contrato de factoring, igualando-o ao contrato de desconto bancário, que somente pode ser celebrado por instituições financeiras.

O D. Juízo a quo julgou procedente o pedido formulado pelos embargantes, nos seguintes termos (fls. 366/369):

“Alegam os embargantes que o título executivo

carece dos requisitos legais, pois trata-se de nota

promissória dada em garantia de contrato de factoring.

A embargada discorre sobre a regularidade do

título.

De início, afasto a preliminar de inépcia da

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inicial, já que a ausência de preparo se deu em razão do

pedido de assistência gratuita feita pelos embargantes e

que ora defiro, haja vista os documentos apresentados,

comprovando a sua hipossuficiência (págs. 290/312).

Não há ilegitimidade passiva dos embargantes,

já que figuram como avalistas da empresa cedente dos

títulos, observando-se que, apesar de tratar-se o aval de

obrigação de garantia própria dos títulos cambiários ou

dos a eles equiparados, a partir do momento em que ele

figura como garantidor e devedor solidário assume a

posição de devedor.

No mérito, certo é que, tratando-se a

embargada, de empresa de faturização, realizou

operação de desconto de títulos, no caso duplicatas

mercantis, as quais se revestem da própria garantia,

tendo exigido que a promissória fosse dada para aglutinar

ao negócio jurídico subjacente.

Assim não pode ser aceita a autonomia das

relações cambiárias, isso porque se forraria a empresa de

faturização da posse das cambiais, cheques e duplicatas

descontadas e também estaria com a promissória, na

somatória dos títulos.

Em outras palavras, a empresa faturizada

permaneceria com as cambiais inadimplidas, havendo

responsabilidade solidária do sacador e do sacado

perante o endossatário e também teria ao seu dispor a

nota promissória sacada exclusivamente contra a

empresa descontante, no caso, a sacadora das

duplicatas.

Desenvolvido o raciocínio permeado na matéria

em todas as suas nuances, a cambial - garantia somente

teria trânsito se não houvesse qualquer outra, o que se

revela é que a empresa se cercou de dupla garantia em

total desrespeito às regras de desconto.

Trata-se de operação de risco, não estando

autorizada a empresa de faturização à cambial, por ser

prática privativa das instituições financeiras, de tal sorte

que a inexigibilidade desta cambial se mostra de rigor, no

sentido de simplesmente integrar a operação pela

pluralidade dos títulos objeto do desconto.

Inadmissível, portanto, o saque como garantia

autônoma, independente, haja vista que face ao desconto

exista solidariedade perante a empresa de faturização, e

buscar nova garantia simboliza lesividade e completo

divórcio em relação ao risco do negócio.

Destarte, a procedência dos embargos é medida

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de rigor.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os

EMBARGOS oferecidos por FENIX AGUAÍ SERVIÇOS

ADMINSITRATIVOS LTDA, CLAYTONTERCARIOL

SILVA E ERONILDA BRAGA TERCARIOL em face de

INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS

CREDITÓRIOS e julgo extinta a execução. Condeno a

embargada ao pagamento das custas, despesas

processuais e honorários advocatícios que fixo em 10%

sobre o valor da causa”.

Contra esta decisão insurge-se a embargada, ora apelante.

A pretensão não merece acolhida.

É incontroverso que a embargada celebrou com os embargantes “Contrato de cessão e aquisição de direitos de crédito e outras avenças”, por meio do qual a embargante FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS cedeu direitos creditórios que detinha em face de terceiros (fls. 174/187).

Verifica-se, ademais, que os embargantes CLAYTON TERÇARIOL SILVA e ERONILDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA figuraram como devedores solidários desta avença.

De igual modo, não há controvérsia quanto ao fato de que a nota promissória que lastreia a presente execução foi emitida como garantia do contrato firmado entre as partes.

Nesse contexto, a controvérsia diz respeito à possibilidade de emissão de nota promissória em favor da embargada, a fim de permitir que ela possuísse direito de regresso contra os embargantes, respondendo estes pela solvência dos devedores dos títulos que foram

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objeto da cessão de crédito.

Todavia, não assiste razão à embargada.

Em primeiro lugar, registre-se que os elementos dos autos revelam que o contrato de cessão de crédito celebrado entre as partes instrumentaliza verdadeira operação de fomento mercantil.

De fato, não socorre a embargada a alegação de que é admissível o direito de regresso contra o cedente do título, em caso de insolvência do devedor, por ser um fundo de investimento em direitos creditórios, e não sociedade que desenvolve a atividade de fomento mercantil.

Com efeito, o direito de regresso contra o cedente do crédito é característica do desconto bancário, atividade que é privativa de instituição financeira.

Já na atividade de fomento mercantil, o faturizador, cessionário do crédito, assume as despesas de cobrança e os riscos de não pagamento, não possuindo direito de regresso contra o faturizado, cedente do crédito, salvo em caso de inexistência do crédito cedido.

A propósito, confira-se o entendimento desta 11ª Câmara de Direito Privado:

“FACTORING. Nota promissória emitida como

garantia do contrato. Inadmissibilidade. Ação de

inexigibilidade e embargos do devedor procedentes.

Recurso provido. É ilegítima a exigência de garantia

extra sobre o valor total do crédito adquirido em

operação de factoring, sob pena de se transformar

esse contrato em mero empréstimo financeiro

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( Apelação nº 990.10.102104-8, Relator: Gilberto dos

Santos, j. 15/04/2010, grifo nosso).

“AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA DE

RECOMPRA DE TÍTULOS, EM CONTRATO DE

FOMENTO MERCANTIL E NOTAS PROMISSÓRIAS

EMITIDAS EM GARANTIA C/C INDENIZAÇÃO POR

DANOS MORAL E MATERIAL (REPETIÇÃO DE

INDÉBITO). - Ação julgada parcialmente procedente -Relações decorrentes de contrato de factoring - Análise

da causa que deve levar em conta a natureza do

contrato mercantil celebrado e não apenas os

princípios do direito cambial Faturizadora que

recebe não apenas os créditos, assumindo também

os riscos do negócio Embora, em princípio, não

seja ilegal a cláusula contratual que prevê a

responsabilidade da faturizada, essa

responsabilidade se restringe a possíveis vícios na

própria essência do crédito, como v.g, no caso de

emissão de duplicata sem lastro A cláusula de

recompra ou o direito de regresso da faturizadora em

face da faturizada, em razão do inadimplemento dos

títulos negociados, é ilegal Precedentes Sentença

mantida. (...)” (TJSP; Apelação

XXXXX-06.2014.8.26.0100; Relator (a): Marino Neto;

Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro

Central Cível - 45ª Vara Cível; Data do Julgamento:

28/04/2016; Data de Registro: 02/05/2016, grifo nosso).

“Título de crédito Declaratória de nulidade e

inexigibilidade de notas promissórias e sustação definitiva

de protestos Sentença de procedência Atividade de

factoring Tese da ré-faturizadora baseada em

emissão das notas promissórias para garantia do

adiantamento de moeda para fomento do processo de

produção da autora-faturizada, não acolhida

Características do negócio de fomento mercantil que

devem ser consideradas Aplicação do art. 252 do

Regimento Interno do E. TJSP Apelação não provida”

(TJSP; Apelação XXXXX-97.2010.8.26.0506; Relator

(a): Gil Coelho; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito

Privado; Foro de Ribeirão Preto - 7ª. Vara Cível; Data do

Julgamento: 28/07/2016; Data de Registro: 29/07/2016,

grifo nosso).

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Ainda a esse respeito, a lição de ARNALDO RIZZARDO:

“Representa um financiamento da empresa

faturizada adquirindo o faturizador os créditos da mesma,

à qual paga a quantia correspondente. Assume o risco

com a cobrança, sendo que a falta de pagamento pelo

devedor não acarreta o direito de regresso contra o

faturizado.

Enfatiza Caio Mário da Silva Pereira: 'Pelo fato

de assumir os riscos, não tem ação de in rem verso

contra o faturizado. Por esta razão, ainda, deve ter a

liberdade de escolher os créditos antes de sua cessão.

Pelo fato de prestar um serviço de cobrança, tem uma

remuneração percentual sobre os resultados obtidos'.

Será o faturizado responsabilizado unicamente

se a dívida cedida encontrava-se eivada de vício a ponto

de invalidá-la, como, por exemplo, se não se referia a

fatura a uma venda efetiva.

Daí a distinção relativamente ao desconto,

porquanto neste é assegurado o direito de regresso”

(Contratos, Rio de Janeiro: 6. ed., Forense, 2006, p.

1.386/1.387).

Também não socorre a embargada a alegação de que o

contrato celebrado entre as partes é de cessão de crédito, sendo possível

que o cedente se responsabilize pela solvência do devedor do título que

lastreia o crédito.

De fato, não se desconhece que o artigo 297 do Código

Civil estabelece a possibilidade de o cedente do crédito assumir a

responsabilidade pela solvência do devedor. Contudo, esta responsabilidade

está limitada, não podendo o cedente responder “por mais do que daquele

recebeu, com os respectivos juros”.

A esse respeito, confira-se lição da mais abalizada

doutrina:

“O cedente responde pela existência do crédito,

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mas não pela insolvência do devedor, salvo estipulação

nesse sentido. O negócio da cessão especulativo, de

modo que aquele que adquire um crédito, em geral, o faz

mediante vantagem econômica. Em razão disso, suporta

o eventual inadimplemento do devedor. Do contrário,

nenhum risco existiria e não haveria motivo para que o

cessionário obtivesse vantagem econômica. Nada obsta a

que as partes convencionem em sentido diverso,

assumindo o cedente a condição de garantidor da dívida,

inclusive como devedor solidário, o que se incluiria nos

limites de sua autonomia privada. Nesses casos,

considera-se que o cedente garante a solvabilidade do

devedor até o momento da cessão (RODRIGUES, Sílvio.

Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 99). Nessa

oportunidade, o cessionário deve conhecer a situação do

cedido. Mas, se ele se torna insolvente após a efetivação

da cessão, isso é irrelevante, pois representa um risco do

negócio que é especulativo. Havendo o cedente

assumido a responsabilidade pela solvência do devedor,

ela se limitará ao valor por ele recebido, corrigido

monetariamente e acrescido de juros de mora, como

previsto no art. 297 deste Código. Registre-se que a

possibilidade de o cedente responder pela solvência do

devedor, tornando-se coobrigado, não é admitida quando

se tratar de factoring, como se verifica da jurisprudência

adiante colacionada” (BDINE JR., Hamid Charaf. In:

Peluso, Cezar. (org.). Código Civil comentado: doutrina e

jurisprudência. 12ª edição. Barueri, SP: Manole, 2018, pp.

237-240).

Na hipótese, contudo, a cláusula 11.1 evidencia que a

cedente e o devedor solidário se obrigam pela solvência dos títulos sem

limitação alguma, inclusive destacando que não há dispositivo legal que

impute risco à cessionária, o que, como visto, contraria o regramento

estabelecido no Código Civil.

De igual modo, a cláusula 16.1, que estipula a recompra

dos títulos pela cedente, também não obedece a limitação disposta no artigo

297 do Diploma Civil.

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Não bastasse isso, ao impugnar os embargos à

execução, a própria embargada fez menção a contrato de factoring.

De fato, afirmou a embargada (fl. 325):

“No caso dos autos, foram cedidos para a

Embargada, duplicatas mercantis e, como tais, cumpria

aos Embargantes comprovar seu lastro, apresentando

NF, comprovante de entrega e notificação da cessão, o

que não ocorreu nestes embargos.

Com relação aos títulos objetos do factoring,

ressalta-se que a duplicata, como título de crédito,

sujeita-se às disposições da lei 5.474/68, a qual

condiciona sua emissão à realização da prestação de

serviços e a aceitação do sacado ou, na ausência, o

protesto acompanhado do comprovante de realização

do negócio jurídico subjacente.

Nesse sentido Excelência, a comprovação da

causa subjacente à emissão das duplicatas cedidas

era ônus do qual não se desincumbiram os

Embargantes, reconhecendo-se assim, o direito de

regresso da Embargada e a correlata exigibilidade

das notas promissórias que embasam a execução

(Grifo nosso).

Realmente, não há razão para que se dê à embargada

tratamento diferenciado pelo simples fato de possuir natureza de fundo de

investimento em direitos creditórios, sendo que a operação retratada no

contrato celebrado com os embargantes é típica de factoring, em que há

cessão onerosa de direitos creditórios, com vantagem econômica em favor

do cessionário.

Nesse sentido, em caso análogo, cumpre destacar o

voto condutor de acórdão proferido pela 12ª Câmara de Direito Privado, da

lavra do Eminente Desembargador TASSO DUARTE DE MELO:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE

NOTAS PROMISSÓRIAS E DE CLÁUSULAS

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CONTRATUAIS. CESSÃO DE CRÉDITOS. CONDIÇÃO

DA AÇÃO. Contratos de "factoring" e de cessão de

créditos. Pretensão da autora consistente na declaração

de nulidade das cláusulas que impõem a recompra de

duplicatas não adimplidas por terceira sacada. Extinção

em relação à Apelada "Daniele Banco Fomento". Contrato

de fomento e notas promissórias não formalizados

efetivamente. Falta de interesse processual da autora.

Manutenção da extinção parcial do processo, inclusive

por ilegitimidade de parte. DIREITO DE REGRESSO E

NOTAS PROMISSÓRIAS. Contrato de cessão de

créditos firmado com Fundos de Investimento em

Direitos Creditórios (FIDC). Fundos que têm natureza

jurídica de condomínio e atuam no mercado

financeiro de forma análoga às empresas de

factoring. Inadmissibilidade de equiparação ou

detenção de privilégios de instituições financeiras.

Vedação ao direito de regresso e/ou emissão de

títulos de crédito em garantia solvência do devedor,

por se tratar de atividade típica de instituições

financeiras. Inteligência do art. 17 da Lei nº

4.595/1964 . Sentença parcialmente reformada, com a

declaração de nulidade das cláusulas que implicam

regresso, bem como das notas promissórias emitidas em

garantia, limitada a responsabilidade da Apelante apenas

pela existência dos créditos. Recurso parcialmente

provido.

(...)

Como se constata, o FIDC mediante cessão

de crédito adquire os direitos creditórios (duplicatas,

cheques, créditos oriundos de cartões, entre outros)

que uma empresa tem a receber, assumindo os riscos

da solvência dos créditos cedidos, o que justifica o

pagamento do preço do deságio no ato da cessão.

Embora o FIDC não se confunda com uma

empresa de fomento mercantil, até porque

apresentam natureza jurídica distintas, aquele

condomínio e esta sociedade empresária, atuam no

mercado financeiro de forma análoga.

O risco é inerente à atividade que

desenvolvem.

Se a atuação é análoga quanto à captação de

créditos, por que o tratamento jurídico seria diferente,

especificadamente quanto ao direito de regresso? Quer

dizer, por que dois pesos para a mesma medida?

A resposta, aparentemente complexa, é muito

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simples: o tratamento não deve e não pode ser diferente,

porque nem as factorings nem os fundos de investimento

são instituições financeiras.

Logo, a questão deve ser analisada à luz das

normas que regem o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº

4.595/64), razão pela qual inaplicável a ressalva do art.

296 do Código Civil para permitir cláusula de recompra

e/ou regresso.

Isso porque, reforça-se, os fundos de

investimento não podem desempenhar suas atividades no

mercado com os mesmos privilégios personalíssimos das

instituições financeiras, dentre os quais: admissibilidade

de regresso em contratos de desconto bancário; e

cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao

ano e capitalizados em período inferior a um ano (Decreto

22.626/33 e Súmula nº 596).

(...)

Portanto, visto que os Fundos de Investimentos

em Direitos Creditórios não se submetem às rígidas

regras para constituição e funcionamento das instituições

financeiras e nem à fiscalização do BACEN, não é

possível equipará-los ou atribuir-lhes privilégios dos

integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pena de

desiquilíbrio da regulação econômica.

Não obstante, volta-se a repetir, não se

vislumbra qualquer razão especial para dar tratamento

diferenciado aos FIDCs em relação às faturizadoras, cuja

esmagadora jurisprudência e doutrina vedam o direito de

regresso.

Chama-se a atenção, ainda, para as

peculiaridades do caso concreto, que denotam que a

utilização do Fundo de Investimento de mesmo nome

da faturizadora, qual seja “DANIELE”, serviu como

subterfúgio justamente para escapar às limitações de

regresso já conhecidas nos contratos de factoring.

Note-se que a Apelada “Daniele Banco

Fomento” atua como consultara do “Fundo de

Investimento Daniele”, “para a prestação de serviços

de consultoria especializada, objetivando a análise e

a seleção dos direitos creditórios e demais ativos do

fundo”, conforme consignado às fls. 506/507 do

contrato de cessão de crédito.

Ora, se o fundo de investimento, conforme

Instrução CVM nº 356/2001, deve ser obrigatoriamente

instituído e administrado por uma instituição

financeira específica, no caso a “Petra Personal Trade

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CTVM S/A”, conforme regulamento juntado às fls.

385/428, por qual razão a necessidade da consultoria

de uma factoring para administração dos riscos???

Quer dizer, a análise, seleção e administração

dos riscos dos créditos é atributo justamente do seu

administrador, soando estranho para dizer o mínimo tal

função ser exercida por uma factoring de mesmo nome

do fundo: “DANIELE”.

(...)

Portanto, não bastasse a inadmissibilidade

da atribuição de privilégios próprios de instituições

financeiras aos Fundos de Investimento em Direitos

Creditórios (FIDC), a atuação conjunta do fundo e da

faturizadora, ambas sob a nomenclatura “DANIELE”,

revela censurável coalizão na tentativa de furtar-se às

limitações do direito regresso, admissível apenas nos

contratos de desconto bancário, típico de instituições

financeiras ” (TJSP; Apelação

XXXXX-12.2013.8.26.0100; Relator (a): Tasso Duarte de

Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado;

Foro Central Cível - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento:

30/08/2017; Data de Registro: 30/08/2017, grifo nosso).

É oportuno destacar que, na hipótese, o “Contrato de

cessão e aquisição de direitos de crédito e outras avenças” também foi

firmado por INVESTCON CRÉDITO E COBRANÇA LTDA., na qualidade de

interveniente, que, assim como no precedente acima mencionado, esta foi

contratada pela embargada INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM

DIREITOS CREDITÓRIOS como consultora especializada “para a prestação

de serviços de apoio na análise, seleção de Direitos de Crédito para auxiliálo nas referidas atividades” (fls. 174/175).

Ora, causa estranheza que a embargada, fundo de

investimento que deve ser administrado por instituição financeira, tenha

contratado empresa de cobrança para analisar os direitos creditórios a

serem adquiridos, o que reforça a conclusão de que o contrato firmado entre

as partes é mesmo de fomento mercantil.

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Por oportuno, convém destacar decisão monocrática

proferida pelo Excelentíssimo Ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal

de Justiça, em que também não afasta o regramento dado às operações de

factoring à operação de aquisição de direitos creditórios realizada por fundo

de investimento em direitos creditórios:

“Os autos noticiam que T L A COMERCIO DE

PNEUMATICOS LTDA (CONTRATANTE) propôs ação

declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c

indenização por danos materiais e morais contra CREDIT

BRASIL FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS e

CREDITORIOS MULTISSETORIAL (CONTRATADOS),

asseverando que o deságio pelo repasse dos títulos de

crédito deveria ser fixado em 1%, assim como a nulidade

da cláusula de recompra dos títulos inadimplidos e a

reparação pelos danos sofridos.

A pretensão foi julgada parcialmente

procedente, para declarar a nulidade das cláusulas

contratuais de recompra dos títulos inadimplidos, mantida

a sentença em apelação, cujo acórdão encontra-se assim

ementado:

(...)

Os embargos de declaração opostos foram

rejeitados.

Contra esses julgados os CONTRATADOS

manejaram recurso especial, fundamentado na alínea

a do permissivo constitucional, alegando violação

dos arts. 15 da Lei Uniforme de Genébra e 296 do

CC/02, sob o argumento que sua atividade é de

investimento em direitos creditórios, razão pela qual

não lhe são aplicáveis as regras de operação de

fomento mercantil factoring, além da

responsabilidade do cedente/endossante pela

insolvência do emitente do título de crédito, inclusive

em razão da expressa previsão contratual .

(...)

É o relatório.

DECIDO.

O recurso não comporta acolhimento.

(...)

Sobre a tese recursal, é assente na

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o

cedente do título de crédito não pode ser

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responsabilizada pela insolvência do emitente da

cártula, mas tão-somente pela existência da relação

subjacente que a ensejou .

(...)

Assim, o entendimento proferido pelo

Tribunal de origem, no sentido de que a cláusula

contratual que transfere à autora os riscos próprios

da atividade das rés é absolutamente abusiva e, por

assim ser, ilegal (e-STJ, fl. 734), encontra-se em

harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior,

atraindo a incidência da Súmula nº 83 do STJ .

Nessas condições, com fundamento no art.

1.042, § 5º, do NCPC c/c o art. 253 do RISTJ (com a nova

redação que lhe foi dada pela emenda nº 22 de

16/3/2016, DJe 18/3/2016), CONHEÇO do agravo para

NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial.” (AREsp nº

1123365, Rel. Ministro Moura Ribeiro, j. 25/09/2018).

Portanto, não há como negar que o contrato de cessão

de crédito celebrado entre as partes instrumentaliza operação de fomento

mercantil.

Ocorre que, como visto, na operação de factoring, não

se admite a exigência de garantia quanto ao pagamento dos títulos cedidos,

sendo vedada a existência de direito de regresso em favor da embargada,

cessionária dos direitos creditórios.

Realmente, em operação de fomento mercantil, somente

se admite o direito de regresso do faturizador em caso de inexistência do

crédito cedido pelo faturizado, regra, aliás, prevista no artigo 295 do Código

Civil, em capítulo relativo à cessão de crédito.

Nesse sentido, confira-se o entendimento do Superior

Tribunal de Justiça:

“DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. CONTRATO

DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLUTO.

17

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ARTS. 295 E 296 DO CÓDIGO CIVIL. GARANTIA DA

EXISTÊNCIA DO CRÉDITO CEDIDO. DIREITO DE

REGRESSO DA FACTORING RECONHECIDO.

1. Em regra, a empresa de factoring não tem

direito de regresso contra a faturizada - com base no

inadimplemento dos títulos transferidos -, haja vista

que esse risco é da essência do contrato de factoring.

Essa impossibilidade de regresso decorre do fato de

que a faturizada não garante a solvência do título, o

qual, muito pelo contrário, é garantido exatamente

pela empresa de factoring.

2. Essa característica, todavia, não afasta a

responsabilidade da cedente em relação à existência

do crédito, pois tal garantia é própria da cessão de

crédito comum - pro soluto. É por isso que a doutrina,

de forma uníssona, afirma que no contrato de

factoring e na cessão de crédito ordinária, a

faturizada/cedente não garante a solvência do crédito,

mas a sua existência sim. Nesse passo, o direito de

regresso da factoring contra a faturizada deve ser

reconhecido quando estiver em questão não um mero

inadimplemento, mas a própria existência do crédito .

3. No caso, da moldura fática incontroversa nos

autos, fica claro que as duplicatas que ensejaram o

processo executivo são desprovidas de causa - "frias" -, e

tal circunstância consubstancia vício de existência dos

créditos cedidos - e não mero inadimplemento -, o que

gera a responsabilidade regressiva da cedente perante a

cessionária.

4. Recurso especial provido” (REsp

1289995/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe

10/06/2014, grifo nosso).

Todavia, no caso dos autos, nem mesmo socorre a

embargada a alegação de que a nota promissória seria exigível porque

estampa valor correspondente a títulos relativos a créditos inexistentes.

É que, na hipótese, a nota promissória não poderia ter

sido emitida com tal finalidade. Isso porque a garantia contra a inexistência

dos créditos já está contemplada na cláusula 16.1 do contrato celebrado

18

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

entre as partes, que é título executivo e não faz menção à nota promissória em questão.

Desse modo, como bem observou o D. Juízo a quo, “a cambial-garantia somente teria trânsito se não houvesse qualquer outra, o que se revela é que a empresa se cercou de dupla garantia em total desrespeito às regras de desconto”.

Não bastasse isso, o teor das cláusulas 11.1 e 16.1 do contrato evidenciam que a embargada buscou garantir-se não apenas em relação à inexistência dos créditos, mas também em relação à solvência dos devedores dos títulos cedidos.

Sendo assim, e não havendo dúvida quanto ao fato de que a nota promissória que lastreia a execução foi emitida com o intuito de obter dupla garantia em operação de fomento mercantil, impõe-se a manutenção da r. sentença recorrida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso. Em razão da sucumbência, tendo em vista o disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoram-se os honorários advocatícios sucumbenciais, pelo trabalho adicional realizado em segundo grau, para 15% sobre o valor da causa.

Renato Rangel Desinano

Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/659453810/inteiro-teor-659453869

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