16 de Junho de 2024
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
T TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2018.0000992419
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº XXXXX-69.2016.8.26.0083, da Comarca de Aguaí, em que é apelante INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS, são apelados CLAYTON TERÇARIOL SILVA, FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS e ERONILDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA.
ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente) e MARINO NETO.
São Paulo, 14 de dezembro de 2018.
RENATO RANGEL DESINANO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
2
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Voto nº 23.701
Apelação nº XXXXX-69.2016.8.26.0083
Comarca: Aguaí - Vara Única
Apelante: Investcon Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios
Apelados: Clayton Terçariol Silva, Fenix Pack Industria e Comercio de
Embalagens Plasticas e Eronilda Braga Terçariol da Silva
Juiz (a) de 1ª Inst.: Graciella Lorenzo Salzman
EMBARGOS À EXECUÇÃO Nota promissória emitida como garantia de contrato de cessão de direitos creditórios Sentença que declarou a nulidade da nota promissória e extinguiu a execução Insurgência da embargada
Alegação de que não é sociedade que realiza operação de fomento mercantil, mas fundo de investimento em direitos creditórios, assim como de que a nota promissória é exigível porque estampa valor relativo a créditos inexistentes
Descabimento O exame do contrato celebrado entre as partes revela que a embargada realizou verdadeira operação de fomento mercantil, razão pela qual não possui direito de regresso contra o cedente do crédito, exceto em caso de inexistência do crédito Hipótese em que o contrato celebrado entre as partes prevê direito de regresso da embargada contra a cedente dos créditos não apenas em caso de inexistência, mas também em caso de insolvência dos devedores dos créditos cedidos Ademais, o instrumento, que é título executivo, não menciona a existência da nota promissória que lastreia a execução, restando configurada a existência de dupla garantia
Sentença mantida RECURSO NÃO PROVIDO.
Trata-se de recurso de apelação interposto em face de
sentença, cujo relatório se adota, que, em embargos à execução opostos
por FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS
PLASTICAS CLAYTON TERÇARIOL SILVA e EROINLDA BRAGA
TERÇARIOL DA SILVA contra INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO
3
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
EM DIREITOS CREDITORIOS, julgou procedente o pedido formulado pelos embargantes, para extinguir o processo de execução (fls. 366/369).
Recorre o embargado. Afirma que é fundo de investimento em direitos creditórios, registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cuja atividade tem por objeto a captação de recursos para a aquisição de direitos creditórios. Aduz que, por meio de contrato firmado com os embargantes, adquiriu diversas duplicatas mercantis, via endosso translativo, tornando-se titular das cártulas. Destaca que a atividade desenvolvida por um fundo de investimento não se confunde com a atividade desenvolvida por empresa de factoring. Acrescenta que o faturizador não tem direito de regresso contra o faturizador, ao passo que o fundo de investimentos pode, com amparo no artigo 296 do Código Civil e no direito cambiário, exigir do cedente a responsabilidade pela insolvência do devedor, desde que haja cláusula contratual nesse sentido. Salienta que a cláusula 11.1 do contrato entabulado com os embargantes contém tal previsão. Argumenta que o sacado de dois dos títulos a ele cedidos comprovou a devolução das mercadorias, ao passo que o sacado de outros 4 títulos se opôs ao pagamento por não ter sido devidamente comunicado da cessão, além de não ter sido apresentado o comprovante de entrega das mercadorias. Ressalta que sua pretensão está amparada em título líquido, certo e exigível, sendo certo que os embargantes se obrigaram por meio de cláusula pro solvendo, bem como pela existência dos créditos cedidos. Menciona, ainda, que a emissão da nota promissória e do contrato de cessão de crédito revela que os embargantes não desejavam se eximir da responsabilidade perante o embargado. Por fim, pleiteia a redução da verba honorária sucumbencial arbitrada pelo juízo singular.
Recurso recebido e contrariado (fls. 180/189).
É o relatório.
4
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PASSO A VOTAR.
Segundo consta dos autos, INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS CLAYTON TERÇARIOL SILVA e EROINLDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA, buscando a satisfação de crédito no valor de R$ 94.283,31, lastreado em nota promissória.
Os executados opuseram embargos à execução. Aduziram que a embargada não é instituição financeira, de modo que não pode oferecer no mercado o serviço de compra de direitos creditórios por cessão de títulos. Defenderam que o contrato celebrado entre as partes tem natureza de contrato de factoring, bastando verificar que o valor cobrado pelo desconto supera 10% do valor dos títulos, o que caracteriza agiotagem, razão pela qual é inexigível a nota promissória que lastreia a pretensão da exequente. Alegaram que, no contrato de factoring, a aquisição do crédito é precedida do exame de solvabilidade do real devedor, assumindo o cessionário os riscos do negócio, razão pela qual não possui direito de regresso contra o cedente. Argumentaram que adotar entendimento diferente ensejaria a descaracterização do contrato de factoring, igualando-o ao contrato de desconto bancário, que somente pode ser celebrado por instituições financeiras.
O D. Juízo a quo julgou procedente o pedido formulado pelos embargantes, nos seguintes termos (fls. 366/369):
“Alegam os embargantes que o título executivo
carece dos requisitos legais, pois trata-se de nota
promissória dada em garantia de contrato de factoring.
A embargada discorre sobre a regularidade do
título.
De início, afasto a preliminar de inépcia da
5
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
inicial, já que a ausência de preparo se deu em razão do
pedido de assistência gratuita feita pelos embargantes e
que ora defiro, haja vista os documentos apresentados,
comprovando a sua hipossuficiência (págs. 290/312).
Não há ilegitimidade passiva dos embargantes,
já que figuram como avalistas da empresa cedente dos
títulos, observando-se que, apesar de tratar-se o aval de
obrigação de garantia própria dos títulos cambiários ou
dos a eles equiparados, a partir do momento em que ele
figura como garantidor e devedor solidário assume a
posição de devedor.
No mérito, certo é que, tratando-se a
embargada, de empresa de faturização, realizou
operação de desconto de títulos, no caso duplicatas
mercantis, as quais se revestem da própria garantia,
tendo exigido que a promissória fosse dada para aglutinar
ao negócio jurídico subjacente.
Assim não pode ser aceita a autonomia das
relações cambiárias, isso porque se forraria a empresa de
faturização da posse das cambiais, cheques e duplicatas
descontadas e também estaria com a promissória, na
somatória dos títulos.
Em outras palavras, a empresa faturizada
permaneceria com as cambiais inadimplidas, havendo
responsabilidade solidária do sacador e do sacado
perante o endossatário e também teria ao seu dispor a
nota promissória sacada exclusivamente contra a
empresa descontante, no caso, a sacadora das
duplicatas.
Desenvolvido o raciocínio permeado na matéria
em todas as suas nuances, a cambial - garantia somente
teria trânsito se não houvesse qualquer outra, o que se
revela é que a empresa se cercou de dupla garantia em
total desrespeito às regras de desconto.
Trata-se de operação de risco, não estando
autorizada a empresa de faturização à cambial, por ser
prática privativa das instituições financeiras, de tal sorte
que a inexigibilidade desta cambial se mostra de rigor, no
sentido de simplesmente integrar a operação pela
pluralidade dos títulos objeto do desconto.
Inadmissível, portanto, o saque como garantia
autônoma, independente, haja vista que face ao desconto
exista solidariedade perante a empresa de faturização, e
buscar nova garantia simboliza lesividade e completo
divórcio em relação ao risco do negócio.
Destarte, a procedência dos embargos é medida
6
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
de rigor.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os
EMBARGOS oferecidos por FENIX AGUAÍ SERVIÇOS
ADMINSITRATIVOS LTDA, CLAYTONTERCARIOL
SILVA E ERONILDA BRAGA TERCARIOL em face de
INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS
CREDITÓRIOS e julgo extinta a execução. Condeno a
embargada ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários advocatícios que fixo em 10%
sobre o valor da causa”.
Contra esta decisão insurge-se a embargada, ora apelante.
A pretensão não merece acolhida.
É incontroverso que a embargada celebrou com os embargantes “Contrato de cessão e aquisição de direitos de crédito e outras avenças”, por meio do qual a embargante FENIX PACK INDUSTRIA E COMERCIO DE EMBALAGENS PLASTICAS cedeu direitos creditórios que detinha em face de terceiros (fls. 174/187).
Verifica-se, ademais, que os embargantes CLAYTON TERÇARIOL SILVA e ERONILDA BRAGA TERÇARIOL DA SILVA figuraram como devedores solidários desta avença.
De igual modo, não há controvérsia quanto ao fato de que a nota promissória que lastreia a presente execução foi emitida como garantia do contrato firmado entre as partes.
Nesse contexto, a controvérsia diz respeito à possibilidade de emissão de nota promissória em favor da embargada, a fim de permitir que ela possuísse direito de regresso contra os embargantes, respondendo estes pela solvência dos devedores dos títulos que foram
7
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
objeto da cessão de crédito.
Todavia, não assiste razão à embargada.
Em primeiro lugar, registre-se que os elementos dos autos revelam que o contrato de cessão de crédito celebrado entre as partes instrumentaliza verdadeira operação de fomento mercantil.
De fato, não socorre a embargada a alegação de que é admissível o direito de regresso contra o cedente do título, em caso de insolvência do devedor, por ser um fundo de investimento em direitos creditórios, e não sociedade que desenvolve a atividade de fomento mercantil.
Com efeito, o direito de regresso contra o cedente do crédito é característica do desconto bancário, atividade que é privativa de instituição financeira.
Já na atividade de fomento mercantil, o faturizador, cessionário do crédito, assume as despesas de cobrança e os riscos de não pagamento, não possuindo direito de regresso contra o faturizado, cedente do crédito, salvo em caso de inexistência do crédito cedido.
A propósito, confira-se o entendimento desta 11ª Câmara de Direito Privado:
“FACTORING. Nota promissória emitida como
garantia do contrato. Inadmissibilidade. Ação de
inexigibilidade e embargos do devedor procedentes.
Recurso provido. É ilegítima a exigência de garantia
extra sobre o valor total do crédito adquirido em
operação de factoring, sob pena de se transformar
esse contrato em mero empréstimo financeiro ”
8
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
( Apelação nº 990.10.102104-8, Relator: Gilberto dos
Santos, j. 15/04/2010, grifo nosso).
“AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA DE
RECOMPRA DE TÍTULOS, EM CONTRATO DE
FOMENTO MERCANTIL E NOTAS PROMISSÓRIAS
EMITIDAS EM GARANTIA C/C INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAL E MATERIAL (REPETIÇÃO DE
INDÉBITO). - Ação julgada parcialmente procedente -Relações decorrentes de contrato de factoring - Análise
da causa que deve levar em conta a natureza do
contrato mercantil celebrado e não apenas os
princípios do direito cambial Faturizadora que
recebe não apenas os créditos, assumindo também
os riscos do negócio Embora, em princípio, não
seja ilegal a cláusula contratual que prevê a
responsabilidade da faturizada, essa
responsabilidade se restringe a possíveis vícios na
própria essência do crédito, como v.g, no caso de
emissão de duplicata sem lastro A cláusula de
recompra ou o direito de regresso da faturizadora em
face da faturizada, em razão do inadimplemento dos
títulos negociados, é ilegal Precedentes Sentença
mantida. (...)” (TJSP; Apelação
XXXXX-06.2014.8.26.0100; Relator (a): Marino Neto;
Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado; Foro
Central Cível - 45ª Vara Cível; Data do Julgamento:
28/04/2016; Data de Registro: 02/05/2016, grifo nosso).
“Título de crédito Declaratória de nulidade e
inexigibilidade de notas promissórias e sustação definitiva
de protestos Sentença de procedência Atividade de
factoring Tese da ré-faturizadora baseada em
emissão das notas promissórias para garantia do
adiantamento de moeda para fomento do processo de
produção da autora-faturizada, não acolhida
Características do negócio de fomento mercantil que
devem ser consideradas Aplicação do art. 252 do
Regimento Interno do E. TJSP Apelação não provida”
(TJSP; Apelação XXXXX-97.2010.8.26.0506; Relator
(a): Gil Coelho; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito
Privado; Foro de Ribeirão Preto - 7ª. Vara Cível; Data do
Julgamento: 28/07/2016; Data de Registro: 29/07/2016,
grifo nosso).
9
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Ainda a esse respeito, a lição de ARNALDO RIZZARDO:
“Representa um financiamento da empresa
faturizada adquirindo o faturizador os créditos da mesma,
à qual paga a quantia correspondente. Assume o risco
com a cobrança, sendo que a falta de pagamento pelo
devedor não acarreta o direito de regresso contra o
faturizado.
Enfatiza Caio Mário da Silva Pereira: 'Pelo fato
de assumir os riscos, não tem ação de in rem verso
contra o faturizado. Por esta razão, ainda, deve ter a
liberdade de escolher os créditos antes de sua cessão.
Pelo fato de prestar um serviço de cobrança, tem uma
remuneração percentual sobre os resultados obtidos'.
Será o faturizado responsabilizado unicamente
se a dívida cedida encontrava-se eivada de vício a ponto
de invalidá-la, como, por exemplo, se não se referia a
fatura a uma venda efetiva.
Daí a distinção relativamente ao desconto,
porquanto neste é assegurado o direito de regresso”
(Contratos, Rio de Janeiro: 6. ed., Forense, 2006, p.
1.386/1.387).
Também não socorre a embargada a alegação de que o
contrato celebrado entre as partes é de cessão de crédito, sendo possível
que o cedente se responsabilize pela solvência do devedor do título que
lastreia o crédito.
De fato, não se desconhece que o artigo 297 do Código
Civil estabelece a possibilidade de o cedente do crédito assumir a
responsabilidade pela solvência do devedor. Contudo, esta responsabilidade
está limitada, não podendo o cedente responder “por mais do que daquele
recebeu, com os respectivos juros”.
A esse respeito, confira-se lição da mais abalizada
doutrina:
“O cedente responde pela existência do crédito,
10
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
mas não pela insolvência do devedor, salvo estipulação
nesse sentido. O negócio da cessão especulativo, de
modo que aquele que adquire um crédito, em geral, o faz
mediante vantagem econômica. Em razão disso, suporta
o eventual inadimplemento do devedor. Do contrário,
nenhum risco existiria e não haveria motivo para que o
cessionário obtivesse vantagem econômica. Nada obsta a
que as partes convencionem em sentido diverso,
assumindo o cedente a condição de garantidor da dívida,
inclusive como devedor solidário, o que se incluiria nos
limites de sua autonomia privada. Nesses casos,
considera-se que o cedente garante a solvabilidade do
devedor até o momento da cessão (RODRIGUES, Sílvio.
Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 2002, v. II, p. 99). Nessa
oportunidade, o cessionário deve conhecer a situação do
cedido. Mas, se ele se torna insolvente após a efetivação
da cessão, isso é irrelevante, pois representa um risco do
negócio que é especulativo. Havendo o cedente
assumido a responsabilidade pela solvência do devedor,
ela se limitará ao valor por ele recebido, corrigido
monetariamente e acrescido de juros de mora, como
previsto no art. 297 deste Código. Registre-se que a
possibilidade de o cedente responder pela solvência do
devedor, tornando-se coobrigado, não é admitida quando
se tratar de factoring, como se verifica da jurisprudência
adiante colacionada” (BDINE JR., Hamid Charaf. In:
Peluso, Cezar. (org.). Código Civil comentado: doutrina e
jurisprudência. 12ª edição. Barueri, SP: Manole, 2018, pp.
237-240).
Na hipótese, contudo, a cláusula 11.1 evidencia que a
cedente e o devedor solidário se obrigam pela solvência dos títulos sem
limitação alguma, inclusive destacando que não há dispositivo legal que
impute risco à cessionária, o que, como visto, contraria o regramento
estabelecido no Código Civil.
De igual modo, a cláusula 16.1, que estipula a recompra
dos títulos pela cedente, também não obedece a limitação disposta no artigo
297 do Diploma Civil.
11
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Não bastasse isso, ao impugnar os embargos à
execução, a própria embargada fez menção a contrato de factoring.
De fato, afirmou a embargada (fl. 325):
“No caso dos autos, foram cedidos para a
Embargada, duplicatas mercantis e, como tais, cumpria
aos Embargantes comprovar seu lastro, apresentando
NF, comprovante de entrega e notificação da cessão, o
que não ocorreu nestes embargos.
Com relação aos títulos objetos do factoring,
ressalta-se que a duplicata, como título de crédito,
sujeita-se às disposições da lei 5.474/68, a qual
condiciona sua emissão à realização da prestação de
serviços e a aceitação do sacado ou, na ausência, o
protesto acompanhado do comprovante de realização
do negócio jurídico subjacente.
Nesse sentido Excelência, a comprovação da
causa subjacente à emissão das duplicatas cedidas
era ônus do qual não se desincumbiram os
Embargantes, reconhecendo-se assim, o direito de
regresso da Embargada e a correlata exigibilidade
das notas promissórias que embasam a execução ”
(Grifo nosso).
Realmente, não há razão para que se dê à embargada
tratamento diferenciado pelo simples fato de possuir natureza de fundo de
investimento em direitos creditórios, sendo que a operação retratada no
contrato celebrado com os embargantes é típica de factoring, em que há
cessão onerosa de direitos creditórios, com vantagem econômica em favor
do cessionário.
Nesse sentido, em caso análogo, cumpre destacar o
voto condutor de acórdão proferido pela 12ª Câmara de Direito Privado, da
lavra do Eminente Desembargador TASSO DUARTE DE MELO:
“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
NOTAS PROMISSÓRIAS E DE CLÁUSULAS
12
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONTRATUAIS. CESSÃO DE CRÉDITOS. CONDIÇÃO
DA AÇÃO. Contratos de "factoring" e de cessão de
créditos. Pretensão da autora consistente na declaração
de nulidade das cláusulas que impõem a recompra de
duplicatas não adimplidas por terceira sacada. Extinção
em relação à Apelada "Daniele Banco Fomento". Contrato
de fomento e notas promissórias não formalizados
efetivamente. Falta de interesse processual da autora.
Manutenção da extinção parcial do processo, inclusive
por ilegitimidade de parte. DIREITO DE REGRESSO E
NOTAS PROMISSÓRIAS. Contrato de cessão de
créditos firmado com Fundos de Investimento em
Direitos Creditórios (FIDC). Fundos que têm natureza
jurídica de condomínio e atuam no mercado
financeiro de forma análoga às empresas de
factoring. Inadmissibilidade de equiparação ou
detenção de privilégios de instituições financeiras.
Vedação ao direito de regresso e/ou emissão de
títulos de crédito em garantia solvência do devedor,
por se tratar de atividade típica de instituições
financeiras. Inteligência do art. 17 da Lei nº
4.595/1964 . Sentença parcialmente reformada, com a
declaração de nulidade das cláusulas que implicam
regresso, bem como das notas promissórias emitidas em
garantia, limitada a responsabilidade da Apelante apenas
pela existência dos créditos. Recurso parcialmente
provido.
(...)
Como se constata, o FIDC mediante cessão
de crédito adquire os direitos creditórios (duplicatas,
cheques, créditos oriundos de cartões, entre outros)
que uma empresa tem a receber, assumindo os riscos
da solvência dos créditos cedidos, o que justifica o
pagamento do preço do deságio no ato da cessão.
Embora o FIDC não se confunda com uma
empresa de fomento mercantil, até porque
apresentam natureza jurídica distintas, aquele
condomínio e esta sociedade empresária, atuam no
mercado financeiro de forma análoga.
O risco é inerente à atividade que
desenvolvem.
Se a atuação é análoga quanto à captação de
créditos, por que o tratamento jurídico seria diferente,
especificadamente quanto ao direito de regresso? Quer
dizer, por que dois pesos para a mesma medida?
A resposta, aparentemente complexa, é muito
13
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
simples: o tratamento não deve e não pode ser diferente,
porque nem as factorings nem os fundos de investimento
são instituições financeiras.
Logo, a questão deve ser analisada à luz das
normas que regem o Sistema Financeiro Nacional (Lei nº
4.595/64), razão pela qual inaplicável a ressalva do art.
296 do Código Civil para permitir cláusula de recompra
e/ou regresso.
Isso porque, reforça-se, os fundos de
investimento não podem desempenhar suas atividades no
mercado com os mesmos privilégios personalíssimos das
instituições financeiras, dentre os quais: admissibilidade
de regresso em contratos de desconto bancário; e
cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao
ano e capitalizados em período inferior a um ano (Decreto
22.626/33 e Súmula nº 596).
(...)
Portanto, visto que os Fundos de Investimentos
em Direitos Creditórios não se submetem às rígidas
regras para constituição e funcionamento das instituições
financeiras e nem à fiscalização do BACEN, não é
possível equipará-los ou atribuir-lhes privilégios dos
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pena de
desiquilíbrio da regulação econômica.
Não obstante, volta-se a repetir, não se
vislumbra qualquer razão especial para dar tratamento
diferenciado aos FIDCs em relação às faturizadoras, cuja
esmagadora jurisprudência e doutrina vedam o direito de
regresso.
Chama-se a atenção, ainda, para as
peculiaridades do caso concreto, que denotam que a
utilização do Fundo de Investimento de mesmo nome
da faturizadora, qual seja “DANIELE”, serviu como
subterfúgio justamente para escapar às limitações de
regresso já conhecidas nos contratos de factoring.
Note-se que a Apelada “Daniele Banco
Fomento” atua como consultara do “Fundo de
Investimento Daniele”, “para a prestação de serviços
de consultoria especializada, objetivando a análise e
a seleção dos direitos creditórios e demais ativos do
fundo”, conforme consignado às fls. 506/507 do
contrato de cessão de crédito.
Ora, se o fundo de investimento, conforme
Instrução CVM nº 356/2001, deve ser obrigatoriamente
instituído e administrado por uma instituição
financeira específica, no caso a “Petra Personal Trade
14
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CTVM S/A”, conforme regulamento juntado às fls.
385/428, por qual razão a necessidade da consultoria
de uma factoring para administração dos riscos???
Quer dizer, a análise, seleção e administração
dos riscos dos créditos é atributo justamente do seu
administrador, soando estranho para dizer o mínimo tal
função ser exercida por uma factoring de mesmo nome
do fundo: “DANIELE”.
(...)
Portanto, não bastasse a inadmissibilidade
da atribuição de privilégios próprios de instituições
financeiras aos Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios (FIDC), a atuação conjunta do fundo e da
faturizadora, ambas sob a nomenclatura “DANIELE”,
revela censurável coalizão na tentativa de furtar-se às
limitações do direito regresso, admissível apenas nos
contratos de desconto bancário, típico de instituições
financeiras ” (TJSP; Apelação
XXXXX-12.2013.8.26.0100; Relator (a): Tasso Duarte de
Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado;
Foro Central Cível - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento:
30/08/2017; Data de Registro: 30/08/2017, grifo nosso).
É oportuno destacar que, na hipótese, o “Contrato de
cessão e aquisição de direitos de crédito e outras avenças” também foi
firmado por INVESTCON CRÉDITO E COBRANÇA LTDA., na qualidade de
interveniente, que, assim como no precedente acima mencionado, esta foi
contratada pela embargada INVESTCON FUNDO DE INVESTIMENTO EM
DIREITOS CREDITÓRIOS como consultora especializada “para a prestação
de serviços de apoio na análise, seleção de Direitos de Crédito para auxiliálo nas referidas atividades” (fls. 174/175).
Ora, causa estranheza que a embargada, fundo de
investimento que deve ser administrado por instituição financeira, tenha
contratado empresa de cobrança para analisar os direitos creditórios a
serem adquiridos, o que reforça a conclusão de que o contrato firmado entre
as partes é mesmo de fomento mercantil.
15
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Por oportuno, convém destacar decisão monocrática
proferida pelo Excelentíssimo Ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal
de Justiça, em que também não afasta o regramento dado às operações de
factoring à operação de aquisição de direitos creditórios realizada por fundo
de investimento em direitos creditórios:
“Os autos noticiam que T L A COMERCIO DE
PNEUMATICOS LTDA (CONTRATANTE) propôs ação
declaratória de nulidade de cláusula contratual c/c
indenização por danos materiais e morais contra CREDIT
BRASIL FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS e
CREDITORIOS MULTISSETORIAL (CONTRATADOS),
asseverando que o deságio pelo repasse dos títulos de
crédito deveria ser fixado em 1%, assim como a nulidade
da cláusula de recompra dos títulos inadimplidos e a
reparação pelos danos sofridos.
A pretensão foi julgada parcialmente
procedente, para declarar a nulidade das cláusulas
contratuais de recompra dos títulos inadimplidos, mantida
a sentença em apelação, cujo acórdão encontra-se assim
ementado:
(...)
Os embargos de declaração opostos foram
rejeitados.
Contra esses julgados os CONTRATADOS
manejaram recurso especial, fundamentado na alínea
a do permissivo constitucional, alegando violação
dos arts. 15 da Lei Uniforme de Genébra e 296 do
CC/02, sob o argumento que sua atividade é de
investimento em direitos creditórios, razão pela qual
não lhe são aplicáveis as regras de operação de
fomento mercantil factoring, além da
responsabilidade do cedente/endossante pela
insolvência do emitente do título de crédito, inclusive
em razão da expressa previsão contratual .
(...)
É o relatório.
DECIDO.
O recurso não comporta acolhimento.
(...)
Sobre a tese recursal, é assente na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o
cedente do título de crédito não pode ser
16
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
responsabilizada pela insolvência do emitente da
cártula, mas tão-somente pela existência da relação
subjacente que a ensejou .
(...)
Assim, o entendimento proferido pelo
Tribunal de origem, no sentido de que a cláusula
contratual que transfere à autora os riscos próprios
da atividade das rés é absolutamente abusiva e, por
assim ser, ilegal (e-STJ, fl. 734), encontra-se em
harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior,
atraindo a incidência da Súmula nº 83 do STJ .
Nessas condições, com fundamento no art.
1.042, § 5º, do NCPC c/c o art. 253 do RISTJ (com a nova
redação que lhe foi dada pela emenda nº 22 de
16/3/2016, DJe 18/3/2016), CONHEÇO do agravo para
NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial.” (AREsp nº
1123365, Rel. Ministro Moura Ribeiro, j. 25/09/2018).
Portanto, não há como negar que o contrato de cessão
de crédito celebrado entre as partes instrumentaliza operação de fomento
mercantil.
Ocorre que, como visto, na operação de factoring, não
se admite a exigência de garantia quanto ao pagamento dos títulos cedidos,
sendo vedada a existência de direito de regresso em favor da embargada,
cessionária dos direitos creditórios.
Realmente, em operação de fomento mercantil, somente
se admite o direito de regresso do faturizador em caso de inexistência do
crédito cedido pelo faturizado, regra, aliás, prevista no artigo 295 do Código
Civil, em capítulo relativo à cessão de crédito.
Nesse sentido, confira-se o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça:
“DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. CONTRATO
DE FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLUTO.
17
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ARTS. 295 E 296 DO CÓDIGO CIVIL. GARANTIA DA
EXISTÊNCIA DO CRÉDITO CEDIDO. DIREITO DE
REGRESSO DA FACTORING RECONHECIDO.
1. Em regra, a empresa de factoring não tem
direito de regresso contra a faturizada - com base no
inadimplemento dos títulos transferidos -, haja vista
que esse risco é da essência do contrato de factoring.
Essa impossibilidade de regresso decorre do fato de
que a faturizada não garante a solvência do título, o
qual, muito pelo contrário, é garantido exatamente
pela empresa de factoring.
2. Essa característica, todavia, não afasta a
responsabilidade da cedente em relação à existência
do crédito, pois tal garantia é própria da cessão de
crédito comum - pro soluto. É por isso que a doutrina,
de forma uníssona, afirma que no contrato de
factoring e na cessão de crédito ordinária, a
faturizada/cedente não garante a solvência do crédito,
mas a sua existência sim. Nesse passo, o direito de
regresso da factoring contra a faturizada deve ser
reconhecido quando estiver em questão não um mero
inadimplemento, mas a própria existência do crédito .
3. No caso, da moldura fática incontroversa nos
autos, fica claro que as duplicatas que ensejaram o
processo executivo são desprovidas de causa - "frias" -, e
tal circunstância consubstancia vício de existência dos
créditos cedidos - e não mero inadimplemento -, o que
gera a responsabilidade regressiva da cedente perante a
cessionária.
4. Recurso especial provido” (REsp
1289995/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe
10/06/2014, grifo nosso).
Todavia, no caso dos autos, nem mesmo socorre a
embargada a alegação de que a nota promissória seria exigível porque
estampa valor correspondente a títulos relativos a créditos inexistentes.
É que, na hipótese, a nota promissória não poderia ter
sido emitida com tal finalidade. Isso porque a garantia contra a inexistência
dos créditos já está contemplada na cláusula 16.1 do contrato celebrado
18
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
entre as partes, que é título executivo e não faz menção à nota promissória em questão.
Desse modo, como bem observou o D. Juízo a quo, “a cambial-garantia somente teria trânsito se não houvesse qualquer outra, o que se revela é que a empresa se cercou de dupla garantia em total desrespeito às regras de desconto”.
Não bastasse isso, o teor das cláusulas 11.1 e 16.1 do contrato evidenciam que a embargada buscou garantir-se não apenas em relação à inexistência dos créditos, mas também em relação à solvência dos devedores dos títulos cedidos.
Sendo assim, e não havendo dúvida quanto ao fato de que a nota promissória que lastreia a execução foi emitida com o intuito de obter dupla garantia em operação de fomento mercantil, impõe-se a manutenção da r. sentença recorrida.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso. Em razão da sucumbência, tendo em vista o disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoram-se os honorários advocatícios sucumbenciais, pelo trabalho adicional realizado em segundo grau, para 15% sobre o valor da causa.
Renato Rangel Desinano
Relator