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24 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRT10 • XXXXX-90.2020.5.10.0002 • Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Juiz

RAUL GUALBERTO F. KASPER DE AMORIM

Documentos anexos

Inteiro TeorTRT-10__0001093-90-2020-5-10-0002_d6773.pdf
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10A REGIAO
2ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA - DF
ATOrd XXXXX-90.2020.5.10.0002
RECLAMANTE: CARLOS VENICIUS FREES
RECLAMADO: AGENCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - ABDI

Relatório

Carlos Venicius Frees ajuíza Reclamação Trabalhista em desfavor da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI, alegando que foi admitido em 23/11/2009, na função de agente de desenvolvimento industrial - especialista, sendo dispensado imotivadamente em 07/01/2019. Narra que sua dispensa ocorreu de surpresa, sem critérios, de forma discriminatória, decorrente de perseguição e sem precedência de procedimento interno operacional de apuração ético-disciplinar. Diz, também, que os motivos registrados na sua demissão não se sustentam, porque não houve processo de reestruturação na equipe, o projeto que liderava à época permaneceu inalterado, revelando a discricionariedade em seu desligamento. Com base nessas declarações, em breve síntese, formula os pedidos constantes da inicial.

Dá à causa o valor de R$ 500.000,00 e junta documentos.

Regularmente notificada, a reclamada apresenta defesa escrita, com documentos, arguindo prejudicial de prescrição e, no mais, sustentando que sua natureza jurídica é de serviço social autônomo, de modo que seus empregados não possuem estabilidade e que, de sua parte, não há obrigatoriedade de motivação do ato demissional. Combate, enfim, outras afirmações da inicial.

Réplica fls. 244 a 266.

Na audiência em prosseguimento (fls. 304 e 305), foram colhidos os depoimentos das partes e de duas testemunhas. Sem outras provas, foi encerrada a fase instrutória.

Razões finais remissivas, infrutíferas as tentativas conciliatórias, é o relatório.

Fundamentação

ESCLARECIMENTO INICIAL

A audiência de instrução deu-se na modalidade telepresencial por estar vedada a realização de atos presenciais (Ato Conjunto CSJT.GP.VP e CGJT. Nº 06, de 04 de maio de 2020).

Houve a gravação da instrução processual, tendo o juízo dispensado a transcrição dos depoimentos na ata de audiência (idem, art. 16, § 2º c/c CNJ, Resolução 105, art. 2º).

Foram gerados arquivos separados, um para cada depoimento, de modo que a minutagem apontada na fundamentação observa o tempo do respectivo arquivo/depoimento examinado.

A numeração de fls. elencada nesta sentença recai sobre o arquivo .pdf correspondente ao download neste momento.

PRESCRIÇÃO

Declaro a perda da pretensão de reparação dos direitos pecuniários tidos por violados em data anterior a cinco anos da propositura da presente reclamação trabalhista, fixando o marco prescricional em 22/12/2015 ( CF, art. 7º. XXIX).

NATUREZA JURÍDICA DA RECLAMADA. DISPENSA IMOTIVADA. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

O reclamante narra que foi admitido em 23/11/2009, por meio de concurso público, sendo dispensado imotivadamente em 07/01/2019.

Narra que sua dispensa ocorreu de surpresa, sem critérios, de forma discriminatória, decorrente de perseguição e sem precedência de procedimento interno operacional de apuração ético-disciplinar.

Diz, também, que os motivos registrados na sua demissão não se sustentam, porque não houve processo de reestruturação na equipe, o projeto que liderava à época permaneceu inalterado, revelando a discricionariedade em seu desligamento.

Clama, assim, pela procedência dos pedidos elencados na peça de ingresso.

A reclamada, por sua vez, sustenta que sua natureza jurídica é de serviço social autônomo, de modo que seus empregados não possuem estabilidade e que, de sua parte, não há obrigatoriedade de motivação do ato demissional.

Pois bem.

O tema já foi objeto de análise no âmbito do C. 3ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, e especificamente para o caso da reclamada ABDI, em sede de Recurso Ordinário em Ação Civil Pública.

Convencido do acerto dos bem delineados fundamentos de fato e de direito utilizados na solução da causa pelo Exmo. Juiz Convocado Antônio Umberto de Souza Júnior, adoto-os integralmente como razões de decidir também deste caso:

Com efeito, é incontroverso que a reclamada trata-se de pessoa jurídica de direito privado, não estando inserida no conceito da Administração Pública, mas sim no conceito de Terceiro Setor. Insta explicitar em que consistem os "Setores".

No Brasil, a sociedade civil foi dividida em três setores da economia, sendo tratados pela doutrina como Primeiro, Segundo e Terceiro Setores.

O Primeiro Setor corresponde à Administração Pública, que se subdivide em Administração Pública direta (os entes federados União, Estados, Distrito Federal e municípios) e Indireta (as autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista). O Segundo Setor consiste nas atividades privadas, com fins lucrativos. No Terceiro Setor, ficam as entidades sem fins lucrativos. Cada Setor recebe tratamento e legislação própria, não podendo ser confundidos os benefícios, prerrogativas e legislação.

A reclamada, insere-se no conceito da iniciativa privada sem fins lucrativos, logo "Terceiro Setor".

As entidades do Terceiro Setor têm por característica ostentarem natureza jurídica de entidade privadas, sem fins lucrativos, porém atuando ao lado do Estado (daí alguns autores as apelidarem de "paraestatais"), assumindo atividades de interesse do poder público. Referidas entidades possuem autonomia administrativa e financeira, gerindo a seu critério os recursos próprios. O Estado não tem ingerência, mas apenas controla as atividades. Subdividem-se em Organização Social (OS), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), Sistema S (SESI, SESC, SENAI), Entidades de Apoio e outras formas.

A Lei nº 11.080/2004 autorizou o Poder Executivo a instituir Serviço Social Autônomo denominado Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI. O procedimento licitatório é simplificado, sendo que o dinheiro público observa a parafiscalidade e cobrança de tributos, ou seja, exercem suas atividades ao lado do Fisco.

Registre-se que o fato de as entidades do Sistema S serem criadas por lei não trasmuda sua natureza jurídica para participar da Administração Pública. O Supremo Tribunal Federal já decidiu, inclusive com repercussão geral, que as entidades do Sistema S não são obrigadas a realizar concurso público para contratação de seu pessoal, justamente por não integrarem a administração pública (Recurso Extraordinário nº 789874).

Como efeito, o STF, no julgamento do RE XXXXX, fez a distinção entre dois grupos de serviço social autônomo. Foi ressaltado que as entidades criadas após a Constituição de 1988, como é o caso da Associação das Pioneiras Sociais - APS (serviço social responsável pela manutenção da Rede SARAH, criada pela Lei 8.246/91), da Agência de Promoção de Exportações do Brasil - APEX (criada pela Lei 10.668/03) e da ora reclamada, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (criada pela Lei 11.080/04), "Diferentemente do que ocorre com os serviços autônomos do Sistema S, essas novas entidades (a) tiveram sua criação autorizada por lei e implementada pelo Poder Executivo, não por entidades sindicais; (b) não se destinam a prover prestações sociais ou de formação profissional a determinadas categorias de trabalhadores, mas a atuar na prestação de assistência médica qualificada e na promoção de políticas públicas de desenvolvimento setoriais; (c) são financiadas, majoritariamente, por dotações orçamentárias consignadas no orçamento da própria União (art. , § 3º, da Lei 8.246/91, art. 13 da Lei 10.668/03 e art. 17, I, da Lei 11.080/04); (d) estão obrigadas a gerir seus recursos de acordo com os critérios, metas e objetivos estabelecidos em contrato de gestão cujos termos são definidos pelo próprio Poder Executivo; e (e) submetem-se à supervisão do Poder Executivo, quanto à gestão de seus recursos."

Nesse panorama, a decisão da Suprema Corte conclui que:

"ao contrário dos serviços autônomos do primeiro grupo, vinculados às entidades sindicais (SENAC, SENAI, SEST, SENAT e SENAR), os do segundo grupo (APS, APEX e ABDI) não são propriamente autônomos, pois sua gestão está sujeita a consideráveis restrições impostas pelo poder público, restrições que se justificam, sobretudo, porque são financiadas por recursos do próprio orçamento federal. Essas limitações atingem, inclusive, a política de contratação de pessoal dessas entidades. Tanto a lei que autorizou a criação da APS, quanto aquelas que implementaram a APEX e a ABDI têm normas específicas a respeito dos parâmetros a serem observados por essas entidades nos seus processos seletivos e nos planos de cargos e salários de seus funcionários (ex: art. , VIII e IX, da Lei 8.246/91, art. , V e VI da Lei 10.668/03 e art. 11, §§ 2º e 3º da Lei 11.080/04)."

Contudo, ainda que a reclamada esteja enquadrada no segundo grupo de serviços autônomos, inexiste a exigência legal de submissão do empregado a concurso público, mas a "processo de seleção". Ainda que seja exigido publicação prévia do edital deste processo seletivo no Diário Oficial da União e observância aos princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade (Lei nº 11.080/04, art. 11, § 2º), não há obrigatoriedade da realização de concurso público propriamente dito. O fato de a reclamada ter sido criada mediante autorização legal não tem o condão de inseri-la no âmbito da Administração Pública, por consequência, não há falar em estabilidade do empregado, tampouco em obrigatoriedade de motivação da dispensa, inexistindo violação ao art. 37, II, da CF.

Ressalta-se que os dispositivos da Lei nº 11.080/2004 acerca da composição da empresa e da origem majoritariamente tributária de suas receitas não alteram sua natureza jurídica, sendo rejeitadas as alegações no sentido de que a ingerência e dependência financeira do poder público impõem à instituição reclamada a observância de todos os princípios da Administração Pública.

Em casos semelhantes nos quais era parte entidade pertencente ao mesmo grupo de serviço social autônomo da reclamada, o TST decidiu pela possibilidade de dispensa sem motivação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DISPENSA IMOTIVADA. ENTIDADE PARAESTATAL. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO APEX-BRASIL. Conforme consignado pelo acórdão regional, a reclamada ostenta natureza de pessoa jurídica de direito privado, por força da norma que a instituiu. Dessa forma, assim como as demais entidades paraestatais, não integra a Administração Pública direta ou indireta, ainda que esteja submetida à sua fiscalização, receba dotação orçamentária ou admita seus empregados mediante processo seletivo, sendo inexigível a motivação da dispensa de seus empregados. Outrossim, restou consignado que a norma interna da reclamada foi regularmente observada no tocante ao procedimento da dispensa da reclamante. Incólumes, portanto, os dispositivos invocados. Agravo de instrumento conhecido e não provido (TST, 8ª T., AIRR XXXXX-38.2015.5.10.0008, DORA, DEJT 4/4/2019)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E REGIDO PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 39/2016 . DISPENSA DE EMPREGADO SUBMETIDO AO REGIME DA CLT. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS. NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. POSSIBILIDADE. A discussão dos autos diz respeito à possibilidade de dispensa, sem necessidade de motivação, de empregado contratado pelo regime da CLT por Associação das Pioneiras Sociais, pessoa jurídica de direito privado. Ressalta-se que o artigo da Lei nº 8.246/91 autorizou o Poder Executivo "a instituir o Serviço Social Autônomo Associação das Pioneiras Sociais, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com o objetivo de prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da população e de desenvolver atividades educacionais e de pesquisa no campo da saúde, em cooperação com o Poder Público". No caso, a reclamada enquadra-se como serviço social autônomo e não integra a Administração Pública direta nem indireta, não havendo falar, portanto, em estabilidade de seus empregados com base no artigo 41 da Constituição Federal. Precedentes. Recurso de revista não conhecido (TST, 2ª T., RR XXXXX-83.2017.5.03.0114, PIMENTA, DEJT 28/3/2019)

AGRAVO. RITO SUMARÍSSIMO. DISPENSA. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. NÃO PROVIMENTO. Conforme entendimento pacífico deste Tribunal Superior, a estabilidade do artigo 41 da Constituição Federal restringe-se aos servidores celetistas da administração direta, autárquica ou fundacional. O reclamado, consoante se extrai do v. acórdão regional, não integra a administração pública direta ou indireta, ostentando a condição de serviço social autônomo, o que afasta a incidência do artigo 41 da Constituição Federal. Incidência da Súmula nº 333. Agravo a que se nega provimento (TST, 4ª T., Ag-AIRR XXXXX-50.2016.5.03.0003, CAPUTO, DEJT 21/3/2019)

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS (SARAH). SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. INEXIGÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. 1 - A decisão do STF sobre a necessidade de motivação da dispensa dos empregados admitidos por concurso público se refere às empresas públicas e às sociedades de economia mista integrantes da Administração Pública indireta (RE XXXXX/PI). 2 - Contudo, esse não é o caso do trabalhador admitido por meio de seleção pública pela Associação das Pioneiras Sociais (Sarah), entidade classificada como serviço social autônomo, pessoa jurídica de direito privado, que não integra a Administração Pública (1º da Lei nº 8.246/1991). 3 - Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento (TST, 6ª T., RR XXXXX-20.2013.5.03.0139, KÁTIA, DEJT 19/2/2016)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ASSOCIAÇÃO DAS PIONEIRAS SOCIAIS. NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. ESTABILIDADE PREVISTA NO ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. A Associação das Pioneiras Sociais, segundo dispõe a Lei nº 8.246/91, que a instituiu, tem personalidade jurídica de direito privado, regendo-se, nas relações com seus empregados, pelas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, não se lhe aplica a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal, tampouco o entendimento previsto na Súmula 390, I, do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido (TST, 8ª T., AIRR XXXXX-25.2010.5.10.0018, DORA, DEJT 30/9/2011)

No mesmo sentido, recente precedente desta Turma:

AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - ABDI. NATUREZA JURÍDICA SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO. ATO DE DISPENSA DE EMPREGADO. MOTIVAÇÃO. DESNECESSIDADE. A reclamada enquadra-se no conceito de serviço social autônomo, sendo pessoa jurídica de direito privado e não integrante da Administração Pública direta ou indireta. Em razão de sua natureza jurídica de entidade paraestatal, a reclamada não está obrigada, por força do que prevê o art. 37, II, da CRFB/1988, a motivar os atos de demissão de seus empregados. Precedentes. (TRT 10ª Reg., 3ª T., RO XXXXX-14.2016.5.10.0022, RIBAMAR, DEJT 12/4/2019)

Essa é exatamente a hipótese destes autos, não havendo falar na necessidade de a reclamada realizar concurso para admissão de pessoal ou motivar o ato de dispensa sem justa causa.

É bem verdade que a reclamada está sujeita aos princípios básicos norteadores da Administração Pública. Isso ocorre porque atua ao lado do poder público, assumindo atividades de interesse do poder público. Tal situação, contudo, não a transforma ou equipara aos entes públicos típicos, conforme já ressaltado.

O fato de os empregados dispensados terem sido admitidos após seleção pública igualmente não altera a natureza jurídica da reclamada, estando rejeitadas todas as considerações em torno do concurso público.

Com todas estas explicitações, emerge que a reclamada não está sujeita à necessária motivação para a dispensa de seus empregados sem justa causa, não havendo nenhuma arbitrariedade no ato assim praticado.

Fato é que não há substrato jurídico apto a acolher a pretensão autoral, porquanto a reclamada possui total autonomia para gerenciar seus empregados, não havendo equiparação às entidades da Administração Indireta, razão por que, diferentemente do quanto fundamentado na sentença recorrida, o caso em comento não comporta aplicação, nem mesmo por analogia, do entendimento firmado pelo STF no RE 589.998. Este julgamento tratou exclusivamente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública que inclusive possui prerrogativas processuais da Fazenda Pública em virtude de sua situação peculiar, distinguindo-se por completo da natureza da empresa reclamada.

Não estando obrigada a entidade à observância ao concurso público, também não está à motivação para a dispensa sem justa causa. Com mais razão, fica rejeitado o pedido recursal do MPT no sentido de que as demissões da reclamada fossem precedidas de procedimento administrativo com contraditório e ampla defesa.

Nesse cenário, outra saída não resta senão reformar a sentença para julgar improcedentes os pedidos da inicial.”

Assim sendo, não sendo necessário à reclamada motivar o desligamento de seus empregados, podendo realizar a dispensa sem justa causa, não há como agasalhar a pretensão obreira.

Ainda que assim não se compreendesse, tampouco vejo caminho para o acolhimento dos pedidos.

Primeiro, há de se perceber que o reclamante se contradiz na sua exposição. Afinal, relata que foi surpreendido com o ato de desligamento mas, ao mesmo tempo, aponta que foi vítima de perseguição. Ora, se estava sofrendo ameaças de demissão, por exemplo, ou qualquer outro ato de perseguição, sua dispensa não seria um evento surpresa.

Segundo, por ocasião da audiência de instrução, o reclamante declarou que não é filiado a um partido político, e jamais manifestou posição política enquanto trabalhou para a reclamada (de 00’36” a 01’04” da gravação). Impossível, pois, cogitar de perseguição política se o reclamante não tinha se posicionado politicamente no local de trabalho.

Terceiro, apesar do reclamante mencionar que não houve reestruturação de equipe na reclamada, a testemunha Sr. Miguel Antônio Cedraz Nery demonstrou o contrário. A testemunha explicou que era diretor de desenvolvimento produtivo e, posteriormente, foi incorporado nesse setor o de tecnologia, vindo a ser diretor de desenvolvimento produtivo e tecnológico, já não havia uma diretoria administrativa até então (de 04’34” a 05’54”). A partir disso, bem se vê, a reclamada vinha sim sofrendo um processo de reestruturação administrativa, com junção de diretorias e criação de outra.

Ademais, a testemunha Sr. Miguel apontou que não foi apenas o reclamante que foi desligado, mas também outros dois profissionais daquela mesma equipe de trabalho do autor (de 11’02” a 11’15”).

Nesse passo, mesmo sendo desnecessário motivar o ato demissional do reclamante, o registro efetuado pela reclamada no comunicado de dispensa, de reestruturação de equipes, mostra-se amparado na prova dos autos (fl. 94).

No mais, o reclamante tampouco provou ser sido vítima de ofensa moral.

Já foi anotada a possibilidade de sua dispensa imotivada.

Some-se que, tendo sido o reclamante e outros dois profissionais desligados da equipe, naturalmente que algum outro membro dela fosse designado para a liderança do projeto. Isso, por si, não é ofensa moral ao reclamante.

De outra parte, quanto ao ambiente de trabalho, a testemunha Sr. Miguel abordou que jamais viu e tampouco teve conhecimento de qualquer situação constrangedora porventura vivenciada pelo reclamante (de 09’12” a 10’12”).

Por fim, quando a testemunha Sra. Maria Luísa disse ter presenciado indelicadezas por parte do ex-presidente da reclamada, Sr. Luís Augusto, com os funcionários, assim mencionou de forma genérica, e sem nenhum detalhamento específico ao reclamante (de 05’23” a 07’58”).

A propósito, a testemunha Sra. Maria Luísa trabalhou com o reclamante até o ano de 2017. E as apontadas ofensas morais, segundo a causa de pedir, datariam a partir de 2018, quando foi cancelado o projeto após desentendimento entre o presidente da reclamada e do Inmetro (fl. 07). Toda a narrativa da testemunha Sra. Maria Luísa não se reporta ao reclamante.

Diante desse cenário, ausente a prova do fato constitutivo do direito postulado ( CLT, art. 818, I), não há como agasalhar a pretensão obreira.

Julgo improcedentes todos os pedidos.

QUESTÕES FINAIS

A autodeclaração de hipossuficiência de renda gera presunção relativa de veracidade para fins de prova no requerimento da gratuidade de justiça.

Enfatizo, presunção relativa, de modo que a autodeclaração pode ser afastada por outros meios de prova constantes do feito. Aquela não é uma prova absoluta.

Para o caso dos autos, vejo que o reclamante detinha remuneração de mais de R$18.000,00 (dezoito mil reais) – fl. 225.

Não há como imaginar ser pobre alguém que aufere quase dezessete salários mínimos por mês. Não é este o triste quadro social que se revela no nosso país. Seria um desprezo com a triste realidade social.

Rejeito a gratuidade de justiça ao reclamante.

Pela sucumbência do reclamante, porém, considerando o alto valor da causa e a partir de critérios de prudência e razoabilidade, fixo os honorários advocatícios no importe de R$8.000,00 (oito mil reais), em favor dos patronos da reclamada, considerando a complexidade da causa, o trabalho realizado pelo advogado, o tempo despendido na resolução da demanda ( CLT, art. 791-A, § 2º).

Dispositivo

Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados por Carlos Venicius Frees em desfavor da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI, resolvendo o processo em seu mérito ( CPC, art. 487, I), nos termos da fundamentação supra, a qual integra a presente conclusão para todos os efeitos.

Custas pelo reclamante no importe de R$ 10.000,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa, R$ 500.000,00.

Honorários advocatícios de sucumbência pelo reclamante, na ordem de R$8.000,00 (oito mil reais) em favor dos patronos da reclamada.

Intimem-se.

BRASILIA/DF, 27 de agosto de 2021.

RAUL GUALBERTO FERNANDES KASPER DE AMORIM
Juiz do Trabalho Substituto

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