Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    A aceitação do interrogatório por videoconferência no Brasil - Bruno Gurgel Bezerra

    há 16 anos

    Como citar este artigo: BEZERRA, Bruno Gurgel. A aceitação do interrogatório por videoconferência no Brasil. Disponível em http://www.lfg.com.br ,09 setembro 2008.

    RESUMO

    Aborda um dos procedimentos do Processo Penal, o interrogatório, relacionando este com as modificações tecnológicas trazidas à moderna processualística, adotando posição contrária à obrigatoriedade da videoconferência, pela inconstitucionalidade, bem como ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, e também, por falta de lei federal que discipline o emprego da técnica. Por outro lado, deve-se analisar cada caso. Tudo isso respaldado pelo melhor entendimento doutrinário e pelo julgado do Supremo Tribunal Federal, apesar do uso no mundo da videoconferência e até mesmo no Brasil, além da própria Constituição do País regular a celeridade, sendo esta provavelmente materializada com os instrumentos tecnológicos.

    Palavras-Chaves

    Interrogatório. Videoconferência. Celeridade

    ABSTRACT

    This work is mainly concerned with one of the procedures of the Penal Process, the interrogation session, aiming to refer it to technological changes brought about to modern judicial proceedings, by adopting opposite position to videoconferences, in view of unconstitutionalism as well as offense to basic principles of proper legal processing and ample defense, and also due to lack of federal law that regulates the use of the such technique. This is all corroborated by a better doctrinal understanding and by judgment from the Supreme Federal Court, besides the country's own Constitution, is spite of the fact that videoconferences effectively regulate the celerity of process analysis, in the world and particularly in Brazil, and are probably materialized with technological tools.

    Key-words: Interrogation, Videoconference, Celerity

    1 INTRODUÇÃO

    É meio de prova, entendido pela garantia constitucional nos termos do artigo 5º, LXIII, que assegura o direito ao silêncio.

    Fundamentalmente um meio de defesa, e, em segundo plano, um meio de prova.

    Meio de defesa, essencialmente, porque é a primeira oportunidade que tem o acusado de ser ouvido, garantindo a sua autodefesa, quando narrará sua versão do fato. Poderá, ainda, colar-se, sem que possa extrair daí qualquer prejuízo à sua defesa ou, então, é possível que assuma a prática do delito, alegando em sua defesa alguma excludente de ilicitude e de culpabilidade". (NUCCI, 1999, p. 163)

    Como corolário natural da autodefesa, a lei faculta ao acusado o direito de optar entre confessar ou não, colaborar ou não para revelação da verdade, pois o réu fica dispensado de prestar juramento de dizer a verdade, além do princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

    Fica assegurada a possibilidade do réu valer-se do interrogatório judicial para dissipar dúvidas e esclarecer os pontos que julgar pertinentes. O juiz pode renovar o interrogatório a todo tempo, sempre que sentir necessidade de obter esclarecimentos complementares, em busca da verdade e do convencimento (artigos 196 e 502 , ∫º único , Código de Processo Penal)

    Feitas considerações iniciais acerca do interrogatório cumpre destacar o tema em análise, qual seja, a utilização do procedimento de videoconferência ou não.

    Estudiosos tentam defender a videoconferência alegando que a extensão territorial do País impediria o deslocamento de pessoas de uma comarca para outra. Seja por fatores sociais, políticos, sobretudo econômicos.

    Porém, quando se defende a videoconferência, deve-se lembrar também da atuação maléfica dos habilidosos hackers, os quais manipulam e até mesmo destroem a realidade virtual, alterando, desse modo, a transmissão de dados.

    Muito embora existam técnicos, como Paulo Pinto, secretário de tecnologia da informação do Supremo Tribunal Federal, defendendo a idéia de que o sistema é seguro contra invasores, por não ser gravado o interrogatório, bem como a ligação do Judiciário ser do tipo direta com os presídios, sem passagem pela Internet, além da linguagem ser criptografada, ou seja, difícil de ser invadida.

    A pretensão prática do legislador em tentar afastar um direito impostergável do acusado - a sua presença em Juízo - acaba por afrontar diretamente uma garantia fundamental que estabelece a regularidade de todo trâmite processual, mediante a realização do interrogatório por videoconferência.

    Deve-se lembrar que a ampla defesa é abrangida pela defesa técnica e pela autodefesa, e esta não se resume apenas no direito à voz, que estaria cristalizado na característica da oralidade do interrogatório, mas também processualmente no direito à petição e por oportuno, no direito à presença. O interrogatório por videoconferência além de afastar o acusado de seu defensor, impede uma relação de aproximação com aquele que irá julgá-lo.

    Por fim, é necessário afirmar que a medida por videoconferência não iria desvincular o Judiciário de gastos, ao alegar que os deslocamentos custam bastante dinheiro. Nas palavras de Alice Monteiro de Barros (BARROS, 2007,pág.320), toda tecnologia gera a necessidade de investimentos expressivos, com equipamentos que se tornam com freqüência obsoletos, além da presença física da equipe de manutenção.

    2 PROCEDIMENTOS DE INTERROGATÓRIO

    2.1 - Interrogatório por Videoconferência versus Interrogatório on line

    O interrogatório por videoconferência em nada parece com o interrogatório on-line, embora juristas renomados pareçam não ter assimilado a distinção. Na videoconferência, câmeras transmitem as imagens da sala de audiência e da sala do estabelecimento prisional em que se encontra o interrogando simultaneamente, em tempo real, com imagem absolutamente nítida e fidelidade sonora superior à audível presencialmente e, com ângulo amplo que foca ambos recintos por inteiro.

    Deveu-se à iniciativa do eminente Desembargador e Professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP) , José Raul Galvão de Almeida, que, sobre ter participado da estruturação do sistema, defendeu a videoconferência em sua tese de doutorado.

    Ao lado do interrogando, um serventuário da justiça assegura a espontaneidade do interrogatório, muito embora se deva convir que isso, por si, não impede a coação, que pode ocorrer em tempo e lugar anterior ao do ato, seja ele realizado presencialmente ou não.

    O interrogando tem a possibilidade de se entrevistar previamente com um advogado da Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel (FUNAP) e, antes e durante o interrogatório, pode conversar com o seu advogado, dativo ou constituído, presente à sala de audiência, por um ramal telefônico que interliga os dois recintos, sem que seja ouvido pelos demais presentes, de modo mais reservado até que a conversa" ao pé-de-ouvido "com o advogado na sala de audiência.

    O juiz não pode apenas utilizar dos sentidos tato e olfato, mas os demais movimentos e sentidos podem ser perfeitamente captados, sem nenhum prejuízo.

    2.2 - Interrogatório por Videoconferência no Mundo

    No Direito de nações estrangeiras, a utilização da videoconferência é aplaudida, vez que facilita a repressão aos crimes transnacionais. Diante disso, a Organização das Nações Unidas já inseriu em documentos internacionais o uso do sistema em comento, incentivando a regulamentação pelos Estados participantes.

    Como exemplos ilustrativos tem-se o art. 32 do Criminal Justice Act, de 1998, no Reino Unido; art. 273 do Criminal Procedure Scotland Act, de 1995; a Ley de Protección a Testigos; Ley Orgânica Del Poder judicial e Ley de Enjuiciamiento Criminal, reformado pela Lei Orgânica nº 13 , de 24 de Outubro de 2003, na Espanha; os arts. 32 ∫ 2º e 46 , ∫ 18 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

    Nos Estados Unidos, desde 1983, o vídeo-link tem sua previsão na legislação processual, tanto no âmbito federal como no estadual, sendo possível a realização de depoimentos e interrogatórios com o fito de evitar o contato das vítimas com seus agressores e preservar a integridade dos acusados nos casos de grande repercussão social.

    A Itália também adotou esse sistema em 1992, visando reprimir a máfia. Atualmente emprega a tecnologia para a oitiva de presos perigosos, em hipóteses definidas por sua legislação.

    O art. 69, nº 2, do Tratado de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional e foi introduzido na legislação brasileira pelo Decreto nº 4.388 , de 25 de Setembro de 2002, também prevê. Foi utilizado também para a antiga Iugoslávia, no sistema para a Inquirição de oito testemunhas de defesa, de 15 a 18 de Outubro de 2002.

    O art. 706-71 do Code de Procedure Penale, introduzido pela Lei nº 1062 , de 15 de Novembro de 2001, na França, prevê a utilização de meios eletrônicos de comunicação para a oitiva de testemunhas e o interrogatório dos acusados.

    O art. 10 do Tratado de Assistência Judicial em Matéria Penal da União Européia, desde 2000 criou a possibilidade de realização de atos processuais com a utilização de tecnologias audiovisuais.

    Os artigos 18 , ∫ 18 e 24 , ∫2º, b, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecido como Tratado de Palermo, do qual o Brasil é signatário (Decreto nº 5.015 de 12 de Março de 2004), também prevêem o uso da tecnologia.

    2.3 - Atuação no Brasil frente ao Interrogatório por Videoconferência

    A Lei nº 4.554 de 02 de Junho de 2005 no Estado do Rio de Janeiro autoriza o Poder Executivo a criar salas de videoconferência nas penitenciárias localizadas no Estado Fluminense, destinadas à realização de procedimentos judiciais que exijam a oitiva de detentos e apenados. Há quem alegue um certo utilitarismo processual, em detrimento de toda a determinação constitucional, estabelecendo normas práticas para um confronto do exercício máximo da intervenção estatal, esquecendo das garantias fundamentais.

    Críticas de doutrinadores relatam que, tanto a lei estadual, como tantas outras que vêm sendo editadas pelo Poder Legislativo brasileiro, apenas retratam o sistema processual penal adotado, seja no âmbito de elaboração das normas, seja no momento da sua interpretação, seja no diálogo exercido entre esses poderes e a própria sociedade.

    Por outro lado, o interrogatório por videoconferência consistiu no cume do aperfeiçoamento tecnológico que principiou no interrogatório on line, sendo iniciativa do então juiz de Direito Luiz Flávio Gomes, que o realizava por telefone, sem a imagem do interrogando e, sem a presença de um defensor junto ao mesmo, em Vara Criminal da Capital do Estado de São Paulo.

    O legislador paulista foi pioneiro em disciplinar a matéria. A Lei 11.819 , de 05 de Janeiro de 2005, autorizou o interrogatório assim como a audiência de presos por videoconferência. No mesmo ano adveio a lei carioca.

    O Governador do Estado de São Paulo, José Serra, em artigo publicado, rebateu os fundamentos invocados pelos eminentes ministros do STF no julgamento do Hábeas Corpus 88914 e, defendeu o interrogatório por videoconferência, argumentando que já foram realizadas 2.452 tele-audiências em apenas dois anos.

    Lembrou que no passado, a datilografia e a estenotipia provocaram a mesma controvérsia, a ponto de se considerar prudente dizer que no Código de Processo Penal de 1940 que a sentença pode ser datilografada (art. 388) e, no Código de Processo Civil de 1973 , que o uso da taquigrafia é lícito (art. 170).

    Observou que o uso da videoconferência está previsto na Convencao da União Européia sobre a extradição judiciária em matéria penal, o que foi anotado pela própria Corte Européia dos Direitos Humanos.

    Escreveu que"Essa técnica também foi acolhida num projeto de lei proposto pelo Senador Tasso Jereissati, para o qual a Câmara dos Deputados apresentou um substitutivo e que está pronto para ser votado, em definitivo, pelo Senado". (SERRA, 2007, p.02)

    Pelo Código de Processo Penal (CPP), a expressão"comparecer"não necessariamente significa estar em presença física do juiz, ou estar no mesmo recinto. Há quem se faz presente através de procurador, ou dar por ciente dos autos ou atos do processo da intercorrência processual, por escrito. Alegações escritas, como na defesa prévia e das alegações finais.

    O CPP não consagrou o princípio da identidade física do juiz. Admissível a tomada do interrogatório pelo juiz deprecado.

    Sobre o anteprojeto de mudança do Código de Processo Penal relativo ao interrogatório do acusado, a Comissão formada na III Jornadas Brasileiras, promovidas pelo Ministério da Justiça e o Instituto Brasileiro de Direito Processual, em 23 a 26 de Agosto de 2001, na cidade de Brasília, realça que,"para além de meio de prova", o interrogatório"constitui também e sobretudo meio de defesa","afigurando-se bastante oportunaseadequadas", as seguintes"alterações legislativas": a) presença do defensor, no momento (art. 185); b) proibição de sua realização à distância, quando o acusado está preso (art. 185, ∫º único).

    Por fim, deve-se criar em mente que texto legal é diferente de lei, ou seja, um mesmo texto, em épocas diferentes possuem universo semântico diferente. Além disso, o discurso da segurança jurídica não deve engessar os avanços solicitados pela sociedade moderna. Deixar a situação inquisitória em âmbito legislativo pode, num futuro próximo, criar aberrações como leis que autorizam a realização do interrogatório do acusado surdo-mudo, por e-mail, já que o artigo 192, inciso III, CPP , estabelece a forma escrita para a sua realização.

    2.4 - Críticas ao interrogatório por videoconferência

    Até recentemente havia nada menos que oito iniciativas legislativas tramitando no Poder Legislativo federal sobre o tema, inclusive o Projeto de Lei 4204 /01, que altera a redação do art. 185 , para prever, em seu parágrafo único, que"Não se admitirá o interrogatório à distância do acusado preso".

    No dia 14 de Agosto de 2007, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Hábeas Corpus 88914, reconheceu por unanimidade, a inconstitucionalidade do interrogatório realizado por meio de videoconferência. Os quatro ministros que participaram da votação, para a qual estava ausente o Ministro Joaquim Barbosa, entenderam que, à míngua de previsão legal, o interrogatório por videoconferência viola os princípios da ampla defesa e do devido processo legal, sobre tornar a atividade judiciária, nas palavras do eminente Ministro Relator Cezar Peluso," mecânica e insensível "e, a política criminal promovida" à custa de redução das garantias individuais ".

    Tal julgado desencadeou na concessão da ordem para soltura de condenado a mais de 14 anos de reclusão, pelo reconhecimento de nulidade do processo, a partir do interrogatório, instaurado por crime de extorsão mediante seqüestro e roubo.

    Além disso, no art. 7º, 5 com o art. 8º,1 do Pacto de São José da Costa Rica (Decreto nº 678 , de 06 de Novembro de 1992) explicitam que o réu tem o direito de estar presente.

    O art. 24 da Constituição Federal autoriza que os Estados e o Distrito Federal legislem concorrentemente com a União sobre direito penitenciário, juizados especiais, procedimentos e organização judiciária; mas o interrogatório por videoconferência envolve o direito de defesa e, pois, não pode ser considerado simplesmente tema afeto ao procedimento.

    Tratando-se de medida constritiva de direito individual, impunha-se que lei federal disciplinasse a matéria, para dispor, inclusive, sobre as hipóteses de cabimento da técnica e das formalidades que devem ser observadas para a sua utilização, a fim de que fosse realizada de igual modo em todas as varas criminais do País, e com respeito àqueles direitos fundamentais envolvidos.

    A Lei 10.792 , de 01 de Dezembro de 2003, que, altera a Lei no 7.210 , de 11 de Junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689 , de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências, inclusive no capítulo do interrogatório, parece ter demonstrado uma opção do legislador em não permitir o interrogatório por videoconferência, com base no ∫1º do art. 185 , o qual estabeleceu que o juiz deve ser deslocar até o local em que se encontra preso o acusado, a fim de interrogá-lo, nos seguintes termos:"O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal".

    O contato possibilita ao juiz captar a personalidade do acusado, somando-se as provas, circunstâncias judiciais etc. É com esta somatória de dados e circunstâncias que certamente influirá para o cálculo da pena do réu.

    Além disso, a tela do computador capta só em determinado campo de visão, e deixa espaço suficiente para que o acusado seja coagido a alterar sobremaneira a verdade real dos fatos. E isso poderia gerar fraude processual, constrangimento ilegal, ameaça, crime de coação, entre outros.

    Quanto a este fato, muitos juízes discordam, alegando que em meio aos equipamentos existe uma câmera giratória de 360 graus, além de dois telões, um demonstrando a visão de toda sala de interrogatório; outro, demonstrando a visão que o acusado tem.

    A doutrina paulista já se antecipou na crítica quanto à inconstitucionalidade formal da lei que criou o interrogatório por videoconferência por vício de competência, já que legislou sobre matéria processual penal, cuja exclusividade está reservada à União, conforme dispõe o artigo 22 , inciso I , da Constituição da República.

    Além disso, visando materializar na ordem constitucional de que os processos tenham duração razoável, esclarece a própria Constituição :"O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, Comissão Especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional"(artigo da Emenda Constitucional 45). Ve-se com clareza que os argumentos a favor da videoconferência no interrogatório como forma de prestar um serviço público mais célere encontram falhas, já que a efetividade e celeridade são normas de eficácia limitada, sendo necessária regulamentação legal, conforme disposto na Constituição .

    Além disso, os próprios defensores do interrogatório por videoconferência não afirmam que tal procedimento venha a trazer de verdade a tão propalada celeridade, encontrando-se inclusive casos em que o interrogatório por videoconferência durou cerca de duas horas, segundo o juiz federal Nino Toldo, em programa exibido pela TV Justiça.

    A própria Lei nº 10.792 /03, que modificou alguns dispositivos no Código de Processo Penal , trata sobre a matéria, não havendo possibilidade de revogação destes dispositivos, de forma direta ou indireta, por lei estadual.

    Na impossibilidade da realização do interrogatório na unidade prisional, haverá uma única saída legislativa - a realização desse ato processual nos termos do CPP , ou seja, na sala de audiência, entre presentes.

    A Lei nº 10.792 /03, dando real valor à ampla defesa, determinou a presença da defesa técnica no interrogatório (art. 185 , CPP), não se podendo, posteriormente, se querer afastar o acusado da presença de seu defensor, e de todos os"atores processuais". O acusado não pode ser visto como simples objeto do processo, tampouco o processo penal é apenas instrumentalização da pretensão punitiva para uma efetiva sanção penal.

    Por fim, há defensores do interrogatório por videoconferência, por entenderem que a proibição se restringe apenas ao processo, pela falta de norma, não existindo proibição quanto ao interrogatório por videoconferência, por ser procedimento.

    Ora, já dizia Cândido Dinamarco Rangel (DINAMARCO, 2004) que o processo é a equação reunindo relação jurídica processual mais o procedimento. Com isso, a parte (procedimento) não se distingue do todo (processo).

    É perfeitamente compreensível o surgimento de todo e qualquer ato processual (o qual em conjunto consubstancia o procedimento) a partir de uma conduta humana necessariamente voluntária.

    Quem endereça ao Estado-juiz uma petição inicial quer ter essa conduta e quer também que, por força dela se instaure um processo.

    Entretanto, isso não significa que os efeitos do ato processual sejam sempre todos aqueles, apenas aqueles e precisamente aqueles programados pelo sujeito que o realiza.

    Diz ainda o professor Cândido que os efeitos dos atos processuais são sempre decorrentes da lei, não é característica do processo o negócio jurídico. A escolha voluntária não vai além de se direcionar em um sentido ou em outro, sem a liberdade para construir o conteúdo específico de cada um dos atos realizados.

    Como exemplo, podem os sujeitos optar pelo processo arbitral, mas não podem regular eles próprios esse processo, seu cabimento, eficácia da sentença arbitral; podem, por outro lado, escolher o foro, mas não podem ditar regras sobre o regime do foro escolhido (se de competência absoluta ou relativa).

    Nestes termos, o juiz também não dispõe para si os atos, ou seja, não tem o poder de auto-regulação de interesses, pelo simples motivo de não realizar os atos processuais com fundamento na autonomia da vontade, mas no poder estatal de que é investido.

    3 CONCLUSÃO

    Apesar de tentativas isoladas no Brasil, com base nas legislações européias e o entendimento da economia processual, e também desde que o juiz faça o interrogatório por videoconferência fundamentadamente e somente nos casos expressamente admitidos por lei federal, o procedimento do interrogatório por videoconferência ainda é julgado como inconstitucional, sob a égide doutrinária do Supremo Tribunal Federal. A posição majoritária brasileira indica que tal procedimento ofende aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Além disso, existe ausência de lei federal disciplinando o emprego da técnica.

    O progresso técnico deve servir para o aparelhamento e conforto da sociedade. Sua prática serviu e serve para que a humanidade consiga se comunicar, de forma imediata, por todo o mundo, realizando uma verdadeira aproximação e crescimento mundial. Contudo, a utilização deste progresso tecnológico não pode retroagir às situações medievais, onde o indivíduo não possuía qualquer valor frente aos interesses estatais. Deve-se utilizar este aprimoramento técnico para amparar toda a sociedade e não tirar do indivíduo a dignidade da pessoa humana.

    O discurso sobre a necessidade de celeridade processual e da segurança pública induz a retirada por completo da função básica do processo penal como garantia do cidadão voltado às mazelas de uma situação processual, para impor um eficientismo ilusório (utilitarismo prático) e um paradigma da intolerância assaz na procura da permanência de um inquisitorialismo sistêmico.

    A tecnologização do direito, se exagerada e sem amplo estudo, poderá transportar o Direito para o mundo econômico, dos grandes grupos, dos grandes impérios, onde o homem cidadão não é além de um consumidor, segundo depoimento da professora de Processo Penal da Universidade Federal de Brasília Beatriz Vargas.

    Os maiores atingidos nessa proposta de" modernização do processo "serão os mais humildes, porque não são os consumidores que a tecnologização implanta. Não são megabytes, mas tão só bytes.

    O argumento de economia ao Judiciário não é robusto, uma vez que é notável os gastos dos bancos, indústrias e outras instituições, verdadeiras fortunas todos os anos, com os sistemas de segurança virtual para se defender de hackers com habilidades suficientes para fraudar, manipular a realidade virtual e até mesmo destruí-la.

    Se a condução do acusado da unidade prisional à sala de audiência prejudicar a segurança pública com eventuais ameaças de fugas, a nova lei identifica um subterfúgio: realização do interrogatório no próprio estabelecimento prisional; mas, nesse caso, a realização desse ato processual na presença do juiz, do Ministério Público, do defensor e principalmente do acusado.

    A imprensa tem demonstrado o trabalho da" justiça itinerante ", que atravessa obstáculos inúmeros, e não seria razoável alegar que o deslocamento do juiz traria prejuízos ao processo, pela possibilidade de criar situação perigosa ao funcionário do Judiciário.

    Muitos clamam pela independência do juiz, porém decidir por equidade não significa criar o juiz normas a seu próprio gosto e segundo preferências pessoais, mas descobrir na ordem jurídica como um todo a solução adequada para a causa ou para as demandas a decidir no curso do processo.

    Não há decisões judiciárias de caráter discricionário, porque discricionariedade é o poder de optar entre duas ou mais soluções igualmente legítimas.

    Referências

    BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A Lei Estadual nº 11.819 , de 05/01/05 e o interrogatório por videoconferência - Primeiras impressões, Boletim IBCCRIM, São Paulo, V.12, n.148, mar., 2005, p.02.

    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988: atualizada até a Emenda Constitucional nº 20 , de 15-12-1998. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

    BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil .

    DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros , 4ed, 2004. v. 2.

    FERNANDES, Scarance. A inconstitucionalidade da Lei Estadual sobre videoconferência, Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 12, nº 147, Fev. ,2005, p.7.

    GOLDSCHMIDT, James Paul. Princípios Gerais do Processo Penal. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2002, p.71. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/_Quadro-2003.htm

    NUCCI, Guilherme de Souza , o valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006

    NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5. ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006

    Reprise exibida no dia 23 de Dezembro de 2007, às 14h00, na TV Justiça, programa Fórum. Interrogatório por videoconferência. SERRA, José. O Estado de São Paulo, 24 de Ago. 2007. (Editorial, p. 2)

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15363
    • Seguidores876049
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1812
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-aceitacao-do-interrogatorio-por-videoconferencia-no-brasil-bruno-gurgel-bezerra/107403

    Informações relacionadas

    Bruno Gilaberte, Estudante de Direito
    Artigoshá 2 anos

    Os crimes “equiparados” ao art. 273, § 1º, do CP são afiançáveis em sede policial?

    A (in) constitucionalidade da pena do crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

    Thiago Luiz Pontarolli, Advogado
    Artigoshá 6 anos

    STJ consolida o entendimento referente à inconstitucionalidade do preceito secundário do crime previsto no Art. 273 do Código Penal

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)