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29 de Abril de 2024
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    A vítima de violência doméstica pode "retirar a queixa" ?

    Por Victor Emídio

    Publicado por Vanessa Rocha
    há 4 anos

    É bastante comum, no contexto dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, que a vítima reconcilie-se com o agressor ou manifeste desinteresse que ele seja processado criminalmente.

    As razões são variadas.

    Estão ligadas, principalmente, a um quadro de dependência econômica e afetiva, cujo maior detalhamento foge às pretensões deste texto.

    Em outra oportunidade, já analisamos a (im) possibilidade de o agressor ser absolvido após o casal reatar o relacionamento.

    A discussão que agora proponho é diferente. Imagine que o agressor tenha ameaçado a vítima, praticando, em tese, o crime previsto no art. 147 do Código Penal (ameaça), que consiste em:

    Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave.
    Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
    Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.

    Agora, imagine que, ouvida na Delegacia de Polícia, por algum motivo a vítima manifestou desinteresse na persecução penal, ou seja, disse que não deseja que seu algoz seja investigado e/ou processado criminalmente.

    Isso é possível? As autoridades são obrigadas a concordar com o desejo da vítima ou, ainda assim, podem investigar (no caso da Polícia Judiciária) e denunciar (no caso do Ministério Público?

    Veja que o parágrafo único do artigo 147 do CPB prevê que, no crime de ameaça, somente se procede mediante representação.

    E o que isso significa?

    A representação é uma autorização que a vítima concede ao Estado para que ele promova a persecução penal (investigue e/ou denuncie). Sem ela, as autoridades nada poderão fazer. É o que determinam o artigos , § 4º, e 24, ambos do Código de Processo Penal.

    No caso da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) há uma peculiaridade, prevista em seu artigo 16:

    Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.(grifei)

    A redação do dispositivo legal é péssima, o que leva inúmeros juízes, a pedido do Ministério Público, a marcarem uma audiência; ainda que, na Delegacia de Polícia, a vítima tenha afirmado não pretender que o feito prossiga.

    Trata-se de um equívoco, pois, obviamente, só se renuncia àquilo que se tem.

    Ou seja, se a vítima optou por não representar contra o agressor, então ela não tem nada a renunciar em audiência perante o juiz.

    Assim, a audiência do art. 16 da Lei 11.340/2006 somente deverá ser designada se, num primeiro momento, a vítima manifestou o seu interesse em representar contra o agressor, mas, tempo depois, antes de recebida a denúncia pelo juiz, ela expressou o seu desejo de não mais representar. É o que se chama de retratação (e não de renúncia, razão pela qual a redação do art. 16 é falha).

    É o que acertadamente vem decidindo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

    EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - AMEAÇA - LEI MARIA DA PENHA - PRELIMINAR - AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI 11.340/06 - INOBRIGATORIEDADE - DESIGNAÇÃO SOMENTE QUANDO HOUVER MANIFESTAÇÃO DA VÍTIMA NO SENTIDO DE DESISTIR DO FEITO - PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - CONDENAÇÃO MANTIDA - CONFISSÃO ESPONTÂNEA EXTRAJUDICIAL - ATENUANTE - RECONHECIMENTO - POSSIBILIDADE. - A correta interpretação do art. 16, da Lei 11.340/06, estabelece a excepcionalidade da audiência para a retratação da representação oferecida pela vítima, devendo, então, ser designado tal ato somente nas hipóteses em que a vítima manifeste o desejo de se retratar, antes do oferecimento da denúncia (...).
    (TJMG - Apelação Criminal 1.0079.17.001924-8/001, Relator (a): Des.(a) Agostinho Gomes de Azevedo , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/06/2020, publicação da sumula em 26/06/2020) (grifei)

    Basta pensar na situação de o casal ter reatado o relacionamento.

    Por fim, um outro ponto precisa ser analisado com cuidado!

    Caso a vítima tenha sido agredida fisicamente, a ação penal será de iniciativa pública incondicionada à representação. Significa dizer que, nesse caso, é irrelevante que a vítima manifeste o seu (des) interesse em ver o agressor sendo investigado ou processado criminalmente.

    Ainda que ela diga que não pretende representar contra ele, o processo caminhará normalmente. Havendo, inclusive a possibilidade de que ele venha a ser condenado.

    Se, por exemplo, o agente, no mesmo contexto, na mesma discussão, agrediu a vítima fisicamente e proferiu ameaças de causar a ela mal injusto e grave, ainda que, em relação à ameaça, a vítima deixe de representar contra ele, ou, uma vez que representou, tenha se retratado, o processo seguirá normalmente quanto à agressão física, que pode ser tanto um crime de lesão corporal (art. 129, § 9º, do CPB) quanto uma contravenção penal de vias de fato (art. 21 da Lei das Contravencoes Penais).

    Vai depender da existência de lesões, bem como de sua gravidade.

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