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17 de Junho de 2024
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    Acesso Universal e Integral à Justiça

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 15 anos
    Por João-Francisco Rogowski *

    Advogado

    Diretor Jurídico do Movimento SOS Vida **

    Na semana da pátria que antecede o Sete de Setembro, o nosso Independence Day, faz-se oportuna uma reflexão sobre o sistema judicial atual, a defesa do cidadão comum em juízo ante poderosos interesses que solapam a economia popular diante da omissão do Estado.

    Embora o governo federal em antevéspera do pleito eleitoral para escolha do presidente da república insista em chamar de “marolinha” a crise financeira internacional, o fato é que com maior ou menor intensidade o povo brasileiro tem sentido os reflexos da recessão, do desemprego e outras mazelas que a crise produz; o Brasil não é uma ilha inatingível.

    Adriano Benayon, Doutor em Economia, na sua obra “Globalização versus Desenvolvimento”, denuncia a seqüência terrível da destruição da economia popular, com enorme desgaste das classes médias, na qual a depressão da economia real se reveza com a desordem financeira.

    Afirma ainda o citado autor que “...O sistema mundial de poder determina até as palavras que os âncoras de televisão e os repórteres das redes jornalísticas têm de usar. É manifesto desde, pelo menos 2007, o colapso do sistema financeiro e o das moedas mundiais de reserva, como o dólar, o euro, a libra e o franco suíço. Diante disso os comunicadores só falam em crise, como se se tratasse de algo passageiro. Depressão é outra palavra banida.”

    E é neste cenário de incertezas e desesperança que recrudescem os conflitos sociais e a busca desesperada por soluções que, não raro, acabam desaguando no judiciário a míngua de alternativas que facilitem a resolução dos litígios.

    Infelizmente alguns julgadores despossuídos de sintonia fina com os fenômenos sociais, têm empreendido um esforço hercúleo no sentido de afunilar o acesso ao judiciário à crescente massa de necessitados oriundos de uma classe média decadente, criando toda sorte de obstáculos processuais, formulando exigências absurdas e não previstas e em lei e o que é pior, que maculam a Constituição federal com a violação do sigilo fiscal e bancário dos postulantes ao benefício da justiça gratuita. Para tais prestadores de jurisdição, ter condições financeiras, portanto, é um requisito primordial para ajuizar uma ação ou defender-se em juízo.

    O egrégio Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, pela voz do eminente Desembargador José Francisco Pellegrini, relator do Agravo de Instrumento nº 70014433866, já afirmou que constitui ABUSO do magistrado impor à parte o ônus de juntar aos autos sua declaração de imposto de renda como condição para a apreciação do pedido de justiça gratuita.

    A tentativa de estrangulamento do acesso à justiça, mais que uma irresponsabilidade praticada por àqueles que são portadores de miopia intelectual que os impedem de enxergar as transformações econômicas, sociais, políticas, tecnológicas, psicológicas e culturais da sociedade, é uma leviandade por expor à coletividade a graves riscos e extremo perigo, já que tal ato insano fomenta o fenômeno da litigiosidade reprimida, capaz de trazer caos social pelo aumento da violência, nos lares, nos bares, no trânsito e por aí vai, numa espiral destruidora podendo desaguar em conflitos de maiores e mais graves proporções como a luta armada entre favelados e à polícia, a instituição de um “estado” paralelo ao Estado formal, com o surgimento de milícias armadas e “tribunais” à margem da lei, como os “tribunais do tráfico” no Estado do Rio de Janeiro.

    O atual modelo de sistema judicial brasileiro, bolorento e agonizante, mas que insiste em se manter, anterior à nova ordem jurídica nascida a partir da Constituição de 1988, está bem refletido no espírito de regras ultrapassadas como a contida no artigo 257 do Código de Processo Civil Brasileiro que autoriza o cancelamento da distribuição do feito que, em 30 (trinta) dias, se não for preparado no cartório em que deu entrada; a exigência do artigo 488 inciso II do mesmo diploma legal, de depósito prévio para ação rescisória no valor de cinco por cento sobre o valor da causa e a do § 1º do art. 126 da Lei nº 8.213/91, de depósito prévio de 30% do crédito previdenciário definido em decisão de primeira instância administrativa, como condição do seguimento do recurso.

    Tais dispositivos perfeitamente harmônicos com a velha ordem jurídica, padecem do vício da inconstitucionalidade no sistema vigente; é o que CANOTILHO chama de inconstitucionalidade superveniente.[1]

    A Constituição Federal garante o direito de acesso à justiça; a exigência de recolhimento das custas para o custeio dos serviços judiciários não pode sobrepujar-se àquela garantia constitucional.

    Conforme ensinou o saudoso Aliomar Baleeiro, a taxa judiciária tem natureza tributária, entendimento sufragado pelo Pleno do colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378/ES.

    Assim sendo, é inconstitucional o cancelamento da distribuição do feito cujo preparo não tiver sido pago, devendo o processo ter sua tramitação regular, dispondo o Estado da ação de execução fiscal para a cobrança das custas judiciais nos moldes e prazos dos demais tributos.

    Nagib Slaibi Filho, Professor e Magistrado, em artigo intitulado “Insubsistência do art. 257 do Código de Processo Civil em face da prevalência do direito constitucional de ação” sustenta que “ É incompatível com o direito fundamental de acesso à jurisdição (CF, art. , XXXV) o comando do art. 257 do Código de Processo Civil, que determina o sumário cancelamento na distribuição da causa em que não se fez o recolhimento das custas .”[2]

    O Plenário do Supremo Tribunal Federal reafirmando a garantia constitucional de livre acesso à justiça, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 126 da Lei nº 8.213/91, que exigia o depósito prévio de 30% do crédito previdenciário definido em decisão de primeira instância administrativa, como condição do seguimento do recurso (RE nº 389383-SP , Rel. Min. Março Aurélio, DJ de 29-6-2007, ATA nº 33/2007).

    O mesmo Plenário declarou, também, a inconstitucionalidade do arrolamento de bens no valor equivalente a 30% do montante exigido em decisão de primeira instância, que estava previsto no § 2º do art. 33 do Decreto nº 70.235/72, na redação dada pela Lei nº 10.522/02 (RE nº 388359-PE , Rel. Min. Março Aurélio, DJ de 26-6-2007, ATA nº 31/2007).

    O egrégio Tribunal de Justiça do Rio do Janeiro reformou sentença apelada que mandava cancelar a distribuição da causa pela falta de pagamento de custas e taxa judiciária. O colegiado entendeu que ante a persistente falta de pagamento das despesas do processo, ao invés de truncar a tramitação da ação o Juiz deveria mandar que se extraísse certidão positiva para instrumentalizar a cobrança judicial das custas eventualmente devidas. (Apelação Cível no– 13ª Câmara Cível).

    O Superior Tribunal de Justiça, na esteira do prestigiamento do acesso a justiça, já decidiu que "a despeito da falta de preparo, não mais incide o artigo 257 do Código de Processo Civil ." (RECURSO ESPECIAL Nº 259.148 - RIO DE JANEIRO (2000⁄0047727-3), RELATOR: MIN. ARI PARGENDLER).

    Autores como Mauro Cappelletti e Carlos Mário da Silva Velloso fracionam a jurisdição constitucional de duas maneiras, a saber: a) o controle de constitucionalidade; b) controle da jurisdição da liberdade, compreendidos nesta última o habeas-corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas-data, a ação popular e a ação civil pública.

    O Artigo inciso LXXVII da Constituição Federal assegura a gratuidade das ações de habeas corpus e habeas data, e, todos os demais “atos necessários ao exercício da cidadania ”.

    A análise desse dispositivo em harmonia com o § 2º do referido artigo pelo qual os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais, reforça a idéia de uma Constituição dinâmica, viva, que se reconstrói a cada dia diante da complexidade de um mundo tão imprevisível e em constantes e céleres transformações.

    De máxima importância e profundidade é o artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que, conjugado com as garantias constitucionais, impõe o alargamento do acesso à justiça, in verbis:

    Artigo VIII - “Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela le i.”

    É fácil compreender que a nova ordem constitucional não mais tolera dispositivos infraconstitucionais que condicionem ou criem entraves ou qualquer tipo de dificuldade ao acesso à justiça.

    Na medida em que a Constituição se auto-renova ela atualiza automaticamente todo ordenamento jurídico infraconstitucional que a ela não pode se sobrepor. A Constituição não é o seu texto, mas sim a sua interpretação capaz de atender as exigências da força motriz da vida.

    Lamentavelmente ainda se observa no meio jurídico certo fascínio pelo Direito infraconstitucional em detrimento das garantias constitucionais. Como bem observado por Lênio Streck "Há um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se “adaptar” a Constituição às leis ordinárias" (STRECK, 2006, p. 17).[ 3]

    Não é mais possível conviver-se com esse sistema que cheira a injustiça, e, por conseguinte, cheira mal. É inconcebível que o professor, o militar, o estudante, o aposentado, a dona de casa, tenham de pagar custas judiciais para mover ação ou se defender, em pé de igualdade com os grandes conglomerados empresariais, muitos dos quais estrangeiros que estão aqui pisoteando o direito dos consumidores, burlando as leis, debochando do judiciário descumprindo sentenças e emperrando a máquina judiciária, como costumeiramente acontece com as empresas de telefonia e outras.

    Como bem ensina José Afonso da Silva, não há igualdade no acesso à justiça, o acesso dos pobres é muito precário, in verbis:

    "Formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe," pois está bem claro hoje, que tratar "como igual"a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça (Cf. Cappelletti, Proceso, Ideologia e Sociedad, p. 67). Os pobres têm acesso muito precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV). Referimo-nos à institucionalização das Defensorias Públicas, a quem incumbirá a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV (art. 134) . [4]

    A toda evidência esse modelo elitista de acesso à justiça já se esgotou. Num país como o Brasil com peculiaridades e diversidades onde predominam problemas sociais graves e longe de obter solução, onde a injusta distribuição da renda e o déficit educacional são marcantes, temos que desenvolver um sistema universal de acesso à justiça aos cidadãos, incluindo meios alternativos de solução dos conflitos, devendo o sistema ser custeado pelos mais ricos dentro da perspectiva de uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social” conforme estampado no preâmbulo da Magna Carta Brasileira e em consonância com a máxima, lúcida e salutar, que adverte as elites acomodadas e omissas: vão se os anéis e fiquem os dedos!
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